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    paris sob ataque

    Opinião

    Líderes franceses falham em proteger seu povo de ataques

    MICHEL HOUELLEBECQ

    21/11/2015 02h00

    Depois dos ataques de janeiro em Paris, passei dois dias parado, assistindo às notícias. Depois dos ataques de 13 de novembro, praticamente não liguei a televisão —apenas telefonei para as pessoas que conheço (não são poucas) que viviam nos bairros atingidos. A gente se acostuma com ataques terroristas.

    Em 1986 houve uma série de explosões em vários locais públicos de Paris. Acho que o Hizbullah foi responsável por aqueles ataques. Ocorreram com alguns dias de intervalo entre um e outro, ou talvez uma semana —não me lembro exatamente. Mas me recordo muito bem do ambiente no metrô naquela primeira semana. O silêncio dentro dos vagões era absoluto, e as pessoas trocavam olhares carregados de desconfiança.

    Mapa dos locais do atentados em Paris

    Aquilo foi a primeira semana. E então, em pouco tempo, as conversas foram retomadas e o clima voltou ao normal. A perspectiva de outra explosão iminente ainda estava ali na cabeça de todo o mundo, mas tinha recuado para o segundo plano. A gente se acostuma com ataques terroristas.

    A França vai resistir. Os franceses vão resistir sem precisar de um "clique" coletivo de orgulho nacional. Vão ficar firmes porque não existe outro jeito e porque a gente se acostuma com tudo. Nenhuma força humana, nem mesmo o medo, é mais forte do que o hábito.

    "Keep calm and carry on." Mantenham a calma e sigam em frente. Muito bem, então, é exatamente isso o que vamos fazer (embora, infelizmente, não haja um Churchill para nos liderar).

    A despeito da visão comum que se tem deles, os franceses são bastante dóceis, fáceis de governar. Mas não são idiotas totais. Em vez disso, seu defeito principal é uma espécie de superficialidade que tende a esquecer e que requer que sua memória seja estimulada de tempos em tempos.

    Há pessoas, pessoas políticas, que são responsáveis pela situação lamentável em que nos encontramos hoje, e cedo ou tarde a responsabilidade delas terá que ser apurada. É pouco provável que o oportunista insignificante que se faz passar por nosso chefe de Estado, o imbecil congênito que representa o papel de nosso primeiro-ministro ou mesmo os "astros da oposição" (rsrsrs) emirjam desse exame com louvor.

    Quem exatamente foi que enfraqueceu a capacidade das forças policiais até deixá-las totalmente sobrecarregadas e quase sem condições de cumprir sua missão? Quem foi exatamente que durante anos martelou nas nossas cabeças a ideia de que fronteiras são um conceito absurdo e antiquado, evidências de um nacionalismo desprezível e rançoso?

    Como se vê, a culpa é compartilhada por muitos.

    Quais foram os líderes políticos que comprometeram a França com operações absurdas e onerosas, cujo resultado principal até agora foi mergulhar o Iraque, e depois a Líbia, no caos? E quais líderes políticos estiveram, até recentemente, à beira de fazer o mesmo na Síria?

    (Eu estava esquecendo: não fomos para o Iraque, não da segunda vez. Mas foi por pouco, e parece que Dominique de Villepin, o então ministro das Relações Exteriores, vai ficar na história por essa razão, que não é pouca coisa —por ter impedido a França, pela única vez em sua história recente, de participar de uma operação criminal que também se distinguiu por sua estupidez.)

    A conclusão óbvia é muito grave, infelizmente. Durante dez (20? 30?) anos, nossos governos sucessivos fracassaram lamentavelmente, sistematicamente, deploravelmente em sua missão essencial: proteger a população sob sua responsabilidade.

    Quanto à população, ela não errou em nada. Não está claro o que a população pensa, no fundo, já que nossos governos sucessivos tomaram grande cuidado para não realizar referendos (com a exceção de um, em 2005, sobre uma Constituição europeia proposta, cujo resultado eles então preferiram ignorar).

    Mas pesquisas de opinião são permitidas, e, na medida em que têm valor, revelam mais ou menos o seguinte: que a população francesa sempre conservou sua confiança e solidariedade com seus policiais e suas forças armadas.

    Que ela recebeu com repúdio os discursos com ar de sermão da chamada esquerda moral (moral?) sobre o tratamento que deve ser dado aos migrantes e aos refugiados. Que ela nunca deixou de enxergar com desconfiança as aventuras militares estrangeiras em que seus governos acharam por bem se lançar.

    Poderíamos citar muitos outros exemplos da distância, hoje um abismo, entre a população e aqueles que supostamente a representam. O descrédito que atinge todos os partidos políticos hoje não é apenas enorme, é legítimo. E me parece, me parece realmente, que a única solução que ainda nos resta é avançar lentamente em direção à única forma de democracia real. Entendo por isso a democracia direta.

    Tradução de CLARA ALLAIN

    Edição impressa
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