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    paris sob ataque

    Líder do Estado Islâmico usa violência e assistencialismo para atrair 'fiéis'

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    22/11/2015 02h00

    Quando morava em Bagdá, Ibrahim Awwad Ibrahim al-Badri montou um time de futebol para os frequentadores da mesquita onde trabalhava. Ele jogava bem e costumava fazer piada com os amigos, dizendo que era o "Maradona do Iraque".

    Hoje em dia, al-Badri continua fascinado por futebol. Mas é conhecido apenas por seu nome de guerra, Abu Bakr al-Baghdadi, e perdeu o costume de fazer piadas.

    Ele é o líder do Estado Islâmico, facção terrorista responsável pelos ataques em Paris que levaram à morte de 130 pessoas na semana passada.

    O EI tem entre 35 mil e 50 mil combatentes no Iraque e Síria, onde controla um território de cerca de 100 mil km² (do tamanho de Portugal), com população de quase 10 milhões de pessoas.

    A vida de al-Baghdadi é cercada por sigilo. Apenas seus colaboradores mais próximos já o encontraram pessoalmente. Muitos só o viram com o rosto coberto por um pano.

    Mas já se conhecem alguns detalhes sobre a ascensão desse líder terrorista iraquiano de cerca de 44 anos.

    Al-Baghdadi nasceu em 1971 em uma família de classe média baixa em Samarra, que fica 125 km ao norte de Bagdá. Ele é o mais novo de três irmãos. O pai era clérigo e ensinava o Alcorão.

    Segundo o livro "Isis, inside the army of Terror", de Michael Weiss e Hassan Hassan, al Baghdadi era uma criança quieta e retraída.

    Ele e a família mudaram para Bagdá em 1989.

    Lá, Baghdadi trabalhou em uma mesquita, fez graduação e mestrado em Estudos Islâmicos na Universidade Saddam para Estudos Islâmicos e doutorado em "tajwid" (regras de pronúncia ao recitar o alcorão).

    Logo após a invasão americana no Iraque, em 2003, ele ajudou a fundar um grupo militante islâmico.

    No fim de janeiro de 2004, foi capturado pelos americanos e passou quase um ano na prisão Camp Bucca, que se transformou em um viveiro de futuros integrantes do EI.

    Al-Baghdadi foi solto, considerado "de baixo risco" pelos americanos.

    Ele e seu grupo passaram a fazer parte da Al Qaeda no Iraque em 2006.

    Depois da morte dos dois líderes da facção, ele assumiu as rédeas, em 2010. No fim de 2013, al-Baghdadi rompeu com a Al Qaeda e oficializou a criação do EI.

    Segundo Sami Moubayed, autor do livro recém-publicado "Under the Black Flag - at the Frontier of the new jihad", al Baghdadi tem três mulheres. A primeira é sua prima e mãe de seus cinco filhos mais velhos. Nunca foi vista em público. A segunda é mãe de seu filho Ali. A terceira, favorita, é a iraquiana Saja-al-Duleimi. Ela vem de uma das tribos mais poderosas do Iraque e o casamento ajudou al Baghdadi a ascender socialmente.

    Mas há rumores de que al Baghdadi teria se casado novamente este ano, com sua quarta mulher, uma alemã que entrou no EI.

    CALIFA

    "Há muitas coisas de que al Baghdadi não gosta: a primeira é ser chamado de al Baghdadi", conta Moubayed. "Seu nome oficial é califa Ibrahim e ele acredita liderar um Estado que inclui todos os muçulmanos."

    No dia 29 de junho de 2014, pouco depois de tomar a cidade de Mossul, al Baghdadi publicou um vídeo no YouTube se autoproclamando o califa da região dominada pelo EI na Síria e no Iraque.

    O termo califa significa sucessor de Maomé, o profeta do Islã. O califa governa um estado soberano de população muçulmana sunita. Segundo a tradição, o califa precisa ser descendente do poderoso clã Quraysh de Meca, o berço do Islã.

    Al-Baghdadi afirma ser descendente direto do clã Quraysh e usa isso, além de seus conhecimentos sobre o Alcorão, como forma de reforçar sua legitimidade e conquistar seguidores, diz Charles Lister em estudo para a Brookings Institution.

    Baghdadi segue os ensinamentos de Ibn Taymiyya (1263-1328), que conclamava os muçulmanos a voltarem para as primeiras interpretações do Alcorão e para a vida dos Salaf (primeiros muçulmanos). Ele pedia uma jihad para criar um Estado Islâmico governado por um califa.

    Os chamados salafistas querem emular os antigos muçulmanos, por meio de uma reforma do Islã para eliminar práticas "não islâmicas". Essa versão radical do Islã considera infieis os xiitas e outros não-sunitas como os alauitas (como o ditador sírio Bashar al-Assad), e prega que sejam decapitados.

    Para muçulmanos tradicionais, os salafistas e o EI distorcem os ensinamentos do islã. O califado foi extinto em 1924 por Mustafa Kemal Ataturk, após a derrota do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial. Mas, segundo Moubayed, muitos sunitas conservadores gostariam da volta de um califado e do tempo de glória do islamismo, e por isso sentem-se atraídos por Baghdadi e pelo EI.

    ENGRENAGEM EFICIENTE

    Um dos segredos da eficiência do EI é juntar ex-integrantes do partido Baath no Iraque, de Saddam Hussein, que têm muitos conhecimentos militares, com salafistas fascinados pela volta do califado e sunitas pobres atraídos pelos bons salários oferecidos pela facção.

    Al Baghdadi é um administrador exigente. Todos os emires que ele nomeia mandam diariamente relatórios de inteligência impressos em uma folha de papel A4, segundo Moubayed. O líder do EI se comunica com seus "funcionários" por telefones satelitais Thuraya, WhatsApp e Skype, em árabe e inglês. E quer respostas imediatas. Ele frequentemente entra nos mínimos detalhes e convoca funcionários no meio da noite.

    Al Baghdadi trabalha para transformar Raqqa, na Síria, na capital de seu califado, com tudo que um país de verdade tem direito.

    O EI tem um hino, "O Estado Islâmico Ascendeu", que é cantado à capela, já que todos os instrumentos musicais são banidos pelo islã radical. Nos vídeos da facção do YouTube, como não se pode usar música, muitas vezes há uma trilha sonora de metralhadoras e botas batendo no chão.

    A bandeira negra do EI é vista em todos os lugares em Raqqa. As mulheres usam preto da cabeça aos pés, assim como Baghdadi, com seu indefectível turbante negro.

    Nas regiões controladas pela facção, está em vigor a lei islâmica radical.

    Decapitações são comuns na praça principal de Raqqa. Eles decepam os infiéis, espiões e prisioneiros de guerra e deixam as cabeças em exposição em estacas, até que apodreçam.

    Mas não se restringem a decapitar. Em junho, executaram a tiros mil soldados iraquianos capturados em uma base aérea em Tikrit, no Iraque. O vídeo de um piloto jordaniano sendo queimado vivo pelo EI circulou na internet no ano passado. Quando a pessoa é "acusada" de ser homossexual, o EI a joga do alto de um prédio. Mulheres acusadas de adultério são apedrejadas até a morte.

    O EI dispõe de uma "polícia contra os vícios", semelhante à da Arábia Saudita. A principal função dos policiais é garantir que todas as pessoas com mais de 7 anos a comparecerem às cinco orações diárias nas mesquitas. Mas eles também prendem gente por excesso de velocidade ou por mendigar nas ruas. Quem tenta corromper um policial do EI leva 30 chibatadas em público.

    Nos postos de checagem, as pessoas são revistadas para ver se não carregam itens proibidos: iPods, esmalte, rímel, absorvente, desodorante e cigarros. Telefones celulares não podem ter ringtones nem joguinhos como Angry Birds.

    Estado Islâmico

    Mas Al Baghdadi sabe que um dos principais motivos por trás do "sucesso" da facção é cumprir o papel de Estado assistencialista em comunidades sunitas que são marginalizadas pelos governos do Iraque e da Síria.

    Por isso, ele ofereceu até uma "bolsa família" nessas áreas -no Ramadan em 2014, al Baghdadi deu uma ajuda de custo US$ 66 para cada família que declarou lealdade ao EI. A facção tem um programa de materiais de construção a baixo custo para recém casados, vacinação grátis e um escritório de proteção ao consumidor.

    SUCESSÃO

    Em outubro, pela terceira vez emergiram boatos sobre a suposta morte de al Baghdadi. A Força Aérea iraquiana bombardeou um comboio de carros do EI na fronteira com a Síria e matou alguns líderes da facção. Aparentemente, al Baghdadi escapou.

    Mesmo assim, com uma recompensa de US$ 10 milhões oferecida pelo governo americano por sua cabeça, al Baghdadi sabe que sua existência é frágil.

    Ele quer garantir que o grupo não irá acabar caso ele seja morto. E até nisso está pensando gerencialmente. Segundo reportagem do "New York Times", começou a delegar mais funções para vários de seus subordinados, para que, caso ele morra, estejam habilitados para assumir o EI.

    Ataques do Estado Islâmico

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