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    paris sob ataque

    Opinião

    A declaração de guerra entoada com a 'Marselhesa' voltou

    MARIO SERGIO CONTI
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    22/11/2015 02h00 - Atualizado às 14h45

    Quem fez com que um ato terrorista fosse sinônimo de declaração de guerra foi um presidente francês.

    Não foi François Hollande, e sim Jacques Chirac.

    Na própria tarde do 11 de Setembro de 2001, Chirac mandou o embaixador da França na ONU apresentar uma resolução.

    Ela autorizava os Estados Unidos a revidar os atentados às Torres Gêmeas e ao Pentágono. A resolução, de número 1.368, foi aprovada.

    Uma coalização comandada pelos EUA teve então cobertura jurídica para invadir o Afeganistão. O presidente George W. Bush não encontrou Bin Laden lá. Foi em frente, entrou no Iraque e o destruiu, mesmo sabendo que não havia ali militantes da Al Qaeda nem armas de destruição em massa.

    A França manteve distância da ofensiva bélica. Direitista prudente, Chirac resistiu ao "diktat" de Bush.

    Não legitimou o morticínio que o imperialismo americano perpetrou no Levante.

    Resultado: a França foi ridicularizada. Mas não sofreu ataques terroristas.

    Mapa dos locais do atentados em Paris

    Chirac foi sucedido por Nicolas Sarkozy e depois por Hollande (que só no Brasil é tido como um político de esquerda).

    Servis, eles aceitaram as missões que lhes foram repassadas pela Casa Branca. Intervieram na Líbia, na Costa do Marfim, na República Centro-Africana, no Mali e na Síria, sobre a qual despejam bombas desde setembro.

    Por que foram bulir com muçulmanos fanáticos a milhares de quilômetros de Paris?

    Porque a França é uma grande exportadora de armas —as guerras lhe servem simultaneamente de mercado e de vitrine para o armamento que produz.

    Porque Paris quer fincar seu estandarte em terras de petróleo abundante. Porque ambos os presidentes ficaram malquistos em casa.
    Sobretudo Hollande.

    A política recessiva (à qual se somou o burlesco "affaire" com uma atriz de terceira linha) fez com que a sua popularidade baixasse a profundezas rousseffianas.

    Ele pôde subir à tona para tomar fôlego em janeiro, com o atentado contra o semanário "Charlie Hebdo".

    Mergulhou novamente e reemergiu agora.

    Declarou uma guerra que já iniciara e, sem escafandro, entoou "A Marselhesa".

    Composta por Rouget de Lisle, "A Marselhesa" nasceu como canto de guerra na grande mobilização de 1792 contra a invasão prussiana.

    Adotada pelos batalhões de Marselha ("uma escória de bandidos vomitados das prisões", no dizer de um contemporâneo), logo virou hino revolucionário: serviu de trilha sonora para a derrubada de Luis Capeto e a instalação da república.

    Com a contrarrevolução, Bonaparte a proibiu.

    "A Marselhesa" voltou como hino nacional.

    Nos últimos tempos, passou a ser vista como chauvinista e racista.

    Jogadores de origem nas ex-colônias, caso de Zinedine Zidane, se recusavam a cantá-la nas partidas da seleção. Ela foi vaiada em estádios.

    "A Marselhesa" só era vociferada a plenos pulmões ao pé da estátua de Joana D'Arc, nas manifestações do Front National.

    Estava confinada ao quintal da extrema direita. Os atentados do Estado Islâmico e o belicismo de Hollande a recolocaram no centro da política europeia.

    MARIO SERGIO CONTI é apresentador do programa "Diálogos", da GloboNews

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