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    ANÁLISE

    Por ora é demasiado otimista acreditar no fim da polarização

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES

    24/11/2015 02h28

    Ao subir ao palco na comemoração da vitória, a vice-presidente eleita da Argentina, Gabriela Michetti, disse: "Provavelmente haja muitos lugares em que as pessoas estão preocupadas e com medo desse resultado". A frase não foi casual e mostrou que a chapa vencedora sabe o desafio que tem pela frente.

    Afinal, a vitória de Mauricio Macri acabou se consolidando por uma distância de apenas três pontos. Isso significa que, apesar da eficiência do discurso de campanha pela reconciliação, o país que Macri assume em 10 de dezembro se encontra dividido.

    No centro da cidade, não muito longe do Obelisco, onde eleitores de Macri celebravam no fim da jornada, ainda estavam os militantes kirchneristas, concentrados na praça de Maio, erguendo suas bandeiras e entoando as canções de campanha.

    Um clima de enfrentamento só não se impôs porque Daniel Scioli, em seu discurso, falou de modo calmo, pedindo a aceitação do resultado.

    O mapa da eleição, porém, mostra que Macri não assume um país homogêneo nem garante a aceitação de sua proposta de convivência sem "grieta", ou fenda -a polarização entre kirchneristas e antikirchneristas.

    A chapa de Scioli venceu com contundência em regiões mais humildes do norte, como Santiago del Estero (onde obteve 72%) e nichos históricos do kirchnerismo, como Santa Cruz e Terra do Fogo (58%).

    Por outro lado, o trunfo de Macri reside na volumosa adesão dos eleitores de províncias ricas e essenciais para a economia, como Córdoba (71%), Mendoza (57%) e Santa Fe (55%).

    VERSÃO 'LIGHT'

    Neste segundo turno, vimos um Macri "light", produto da eficiência de seus assessores. Já não é mais o homem que, sem se dar conta, solta comentários –como quando afirmou que as mulheres gostavam de ter a bunda elogiada ou que a homossexualidade era uma doença.

    Isso é um bom sinal de maturidade política, se sincero.

    Mas, se o novo presidente quer realmente encerrar as confrontações e obter o apoio da quase metade da sociedade que não votou nele, terá de redobrar a vigilância com o que diz e ter autocrítica sobre suas convicções.

    Editoria de Arte/Folhapress
    Mapa Argentina Segundo Turno votação
    Mapa Argentina Segundo Turno votação

    Sinais de que o Macri de antigamente ainda resiste por trás da imagem trabalhada, por exemplo, foram dados no discurso da vitória, domingo.

    Citando a imigração italiana para a Argentina, da qual seu pai foi parte, disse: "Nossos pais cruzaram o oceano num barco, se radicaram aqui e construíram uma etapa maravilhosa da Argentina. Vamos continuar seu caminho".

    Seu "nossos" dá a entender que a Argentina que considera é apenas a mais abastada, formada pela descendência de europeus, desconsiderando indígenas ou a população que vem de países como Bolívia e Peru.

    A "grieta" não surgiu com o kirchnerismo. Existia no século 19 entre federais e unitários (com derramamento de sangue).

    Persistiu no século 20, nos embates entre a UCR (União Cívica Radical) e o peronismo e entre a ditadura e seus opositores. Talvez mais do que combater a "grieta", parte visceral da cultura argentina, Macri apenas tenha de admitir sua existência e propor termos de convivência.

    Mas isso -e ele precisa ficar atento- passa muito pelo que diz em público.

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