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    Repressão russa sobre muçulmanos alimenta êxodo em direção ao EI

    NATALYA VASILYEVA
    DA ASSOCIATED PRESS, EM KOMSOMOLSKOYE (RÚSSIA)

    27/11/2015 11h00

    Sergei Grits - 12.nov.2015/Associated Press
    In this photo taken Thursday, Nov. 12, 2015, local residents walk in a street in the village of Komsomolskoye, Dagestan, Russia. An epidemic of recruitment for the Islamic State group has swept through the predominantly Muslim Dagestan where young men and women are leaving for Syria, pursuing a religious ideal or trying to escape police profiling. (AP Photo/Sergei Grits) ORG XMIT: MOSB511
    Residentes caminham pelas ruas de Komsomolskoye, no Daguestão russo

    As forças de segurança no Daguestão, a república mais meridional da Rússia, mantêm muçulmanos devotos sob vigilância, revistam suas casas rotineiramente e os levam a delegacias de polícia para tirar suas impressões digitais e obter amostras de DNA.

    Assim, muitos no vilarejo de Komsomolskoye não se surpreenderam quando Rashid Magomedov fugiu para a Síria para aderir à milícia radical Estado Islâmico (EI), deixando para trás sua mulher grávida e dois filhos.

    Magomedov, 30, já tinha sido detido várias vezes, passado dois meses na prisão por acusações que seriam arquivadas mais tarde e se queixado de que a polícia várias vezes plantara armas em sua casa, como pretexto para prendê-lo.

    "Ele partiu para a Síria por culpa da polícia", disse seu pai, Zaynudin. "Eles não deixavam o garoto em paz."

    A forte presença de segurança nesta região de maioria muçulmana é consequência das duas guerras separatistas travadas na vizinha Tchetchênia em meados dos anos 1990, que fizeram uma insurgência islâmica se alastrar pela região russa do norte do Cáucaso. Militantes lançaram muitos ataques, incluindo sequestros e ataques suicidas, para promover sua meta de instaurar o fundamentalismo islâmico ou simplesmente para vingar-se de autoridades corruptas.

    Essa cultura de violência fomentou uma geração de combatentes empedernidos, que, somada à repressão contínua exercida pela polícia e outras forças de segurança, converteu áreas como Komsomolskoye em fértil campo de recrutamento para o EI.

    As autoridades russas fazem poucos esforços para impedir os jovens de partir. Muitos no Daguestão consideram que a presença intimidante da segurança não apenas alimenta o êxodo como também livra a região de potenciais militantes, pelo fato de incentivá-los a partir.

    Quase todo o mundo em Komsomolskoye conhece alguém que partiu para a Síria. A polícia do Daguestão diz que 11 pessoas já foram, mas, quando se pede aos habitantes locais que façam uma lista de quem já partiu, o número é muito maior.

    A polícia regional diz que quase um terço dos estimados 3.000 russos que se acredita que tenham partido para combater com o EI na Síria são do Daguestão, república de 3 milhões de habitantes. São homens e mulheres de famílias ricas e pobres, que vêm tanto de vilarejos religiosamente conservadores quanto de cidades muito seculares.

    Komsomolskoye é um de vários vilarejos do Daguestão onde as forças de segurança habitualmente anunciam supostas operações de contraterrorismo e enviam equipes de comandos especiais ao amanhecer para invadir e revistas casas de suspeitos militantes. A estrada principal de acesso à vila é vigiada 24 horas por dia por policiais com armas automáticas, e centenas de moradores são mantidos sob vigilância, tendo seus nomes registrados numa chamada lista wahabita.

    As pessoas que constam da lista wahabita podem ser barradas em postos de checagem policiais, onde ficam detidas por horas. A polícia vai às suas casas e telefona para elas a qualquer hora para perguntar sobre seus planos e onde estão. Frequentemente são obrigadas a fornecer impressões digitais e amostras de DNA.

    Magomed Magomedov, editor-chefe assistente do respeitado semanário daguestanês "Chernovik", disse que a repressão sistemática exercida pelas autoridades sobre a ultraconservadora comunidade islâmica salafista está empurrando seus integrantes para as margens da sociedade.

    "Se uma pessoa vai à mesquita errada, sabe que ao sair pode ser levada à delegacia, onde será interrogada e deixará suas impressões digitais pela vigésima vez", disse o editor, que não tem parentesco com a família Magomedov de Komsomolskoye. "Esse sistema de conservar as pessoas em estado de ansiedade provoca ressentimento e amargura, e uma em dez podem simplesmente decidir tomar uma medida radical e partir para a Síria."

    As autoridades russas defendem a ação da polícia e as blitzes nas casas de suspeitos militantes, dizendo que são medidas para prevenir a radicalização e possíveis ataques terroristas.

    Representantes do Ministério do Interior do Daguestão não responderam a pedidos reiterados de declarações.

    A Associated Press conversou com mais de uma dúzia de moradores e ativistas que descreveram como os extremistas do EI utilizam o ressentimento gerado pelas táticas policiais para recrutar novos seguidores.

    Depois das orações da última sexta-feira (20), a polícia deteve 50 fiéis na principal mesquita salafista da capital do Daguestão, Makhachkala. Segundo um grande site russo que cobre a região, Caucasian Knot, os homens foram levados à delegacia policial e alguns deles tiveram que deixar suas impressões digitais e fornecer amostras de sangue.

    A campanha aérea russa na Síria iniciada em 30 de setembro não tem o apoio unânime dos muçulmanos do Daguestão devido à visão de que o presidente Vladimir Putin estaria do lado do ditador sírio, Bashar Al-Assad, em uma guerra contra a oposição sunita. A maioria dos muçulmanos russos é sunita.

    Putin disse que um dos objetivos da campanha aérea na Síria é impedir que russos que combatem nas fileiras do EI retornem ao país. A maioria dos jovens que deixam o Daguestão para escapar da repressão e perseguição policial não tem qualquer intenção de retornar algum dia. Se eles o fizessem, quase certamente enfrentariam longas penas de prisão.

    Quando Rashid Magomedov partiu, em fevereiro, disse à sua família que ia ao Egito para estudar o Alcorão.

    "Ele não falou que ia à Síria, falou que ia estudar", disse sua mulher, Assiyat, segurando no colo seu filho de 8 meses, Musa. Seu tablet mostra uma foto de seu marido, sorridente, com cabelos cacheados.

    A última mensagem que ela recebeu de Rashid foi por smartphone no final de junho, dizendo que ele ia embora por dez dias.

    Em julho, a vila recebeu a notícia de que ele tinha sido morto na Síria.

    Depois da morte dele, Assiyat foi visitada pela polícia, que mantém a vigilância sobre ela e seus filhos.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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