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    Movimento antirracista sacode universidades de elite nos EUA

    LILIA MORITZ SCHWARCZ
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    29/11/2015 02h00

    No último dia 13, o vistoso Nassau Hall –edifício onde se localiza o escritório do presidente da Universidade de Princeton, Christopher Eisgruber– foi invadido por alunos, em boa parte negros.

    Durante 32 horas, eles permaneceram sentados no saguão do prédio neoclássico, numa linguagem de protesto bem conhecida na tradição civil norte-americana: o "sit-in" ou "sit-down".

    Promoveram ainda uma verdadeira gincana de eventos que demandava, entre outros itens, a remoção do nome de Woodrow Wilson da famosa escola e residência de alunos, homônima.

    O local, a demanda, a instituição e a escola, cujo nome está agora em litígio, não poderiam ser mais simbólicos.

    Princeton faz parte da Ivy League –oito universidades privadas na região nordeste dos EUA, de reconhecido prestígio, incluindo estrelas como Yale, Harvard e Brown. Já a Woodrow Wilson School of Public and International Affairs produziu e produz quadros famosos de Princeton e é uma espécie de cartão de visitas da instituição.

    E, assim, a batalha girava em torno de um nome, mas não apenas um nome.

    Thomas Woodrow Wilson (1856-1924) foi presidente dos EUA por dois turnos subsequentes (1912-1921). Era membro do Partido Democrata, foi Nobel da Paz em 1919 e reitor da própria universidade.

    Woodrow Wilson é, porém, figura polêmica e que serve para muitas causas e propósitos. De um lado, destacou-se na luta pela Sociedade das Nações, um dos modelos que inspiraram a criação futura da ONU, e atuou em favor das populações vitimizadas pela Primeira Guerra Mundial.

    Dominick Reuter/Reuters
    Estudantes caminham em frente ao Nassau Hall, na Universidade de Princeton, Estados Unidos
    Estudantes caminham em frente ao Nassau Hall, na Universidade de Princeton, Estados Unidos

    Por outro lado, ficou igualmente conhecido por suas convicções racistas.

    Segundo o historiador Eric Yellin, o presidente acreditava que negros não mereciam plena cidadania; era admirador da Ku Klux Klan; e, como interventor militar na América Latina, tomou parte na decisão que levou às invasões de países como Nicarágua, México, Panamá e Haiti.

    Já a própria Universidade de Princeton, nos primeiros anos, era conhecida como limite último para estudantes advindos das famílias senhoriais do sul dos EUA, que muitas vezes, dizem as memórias, faziam-se acompanhar de seus escravos domésticos.

    Por essas e outras é que o nome do ex-reitor e presidente era prato cheio, e transbordando, para os protestos que tomaram o em geral pacato campus de Princeton.

    Mas essa era apenas a ponta de um iceberg bicudo.

    Os estudantes em protesto demandavam também um espaço cultural para graduandos e pós-graduandos negros, um curso de orientação sobre temas raciais para toda a comunidade de Princeton e programas sobre "história de povos marginalizados" na grade fixa da universidade.

    RACISMO NA PAUTA

    O furacão que vem anunciando tempestade sobre Princeton não é, porém, fenômeno isolado.

    Universidades do Missouri a Yale passam por apertos semelhantes, assim como Brown, que vem dando lição na área: cursos, seminários e exposições foram realizados, bem como uma pesquisa sobre a história da instituição, o que inclui vasculhar o constrangedor passado escravocrata da região e de membros fundadores da universidade.

    Aliás, a presidente de Brown, Ruth J. Simmons – primeira afro-americana e segunda mulher a ocupar uma posição como essa numa escola da Ivy League–, conhecida por sua militância pelas causas civis, esteve em Princeton para uma conferência e, como nada nesse mundo é coincidência, "sentou" com os alunos para conversar.

    Também em Princeton a situação vai mudando: houve um primeiro curso sobre a escravidão em Nova Jersey, e uma organização de estudantes chamada Black League of Justice tem liderado esse tipo de movimento. O tema tornou-se viral, com partidários da causa usando hashtags como "studentblackout".

    Ocupações de estudantes motivadas por demandas sociais conformam um tema que conhecemos de cátedra aqui no Brasil. A espinhosa e até então silenciosa questão racial entrou finalmente na pauta, e veio para ficar.

    Já a novidade em Princeton é o perfil ordeiro do evento. Nada foi quebrado; alunos receberam alimentação; tinham à disposição pilhas de garrafas de água na entrada da porta do Nassau Hall, e bucólicas tendas de acampamento foram montadas nos jardins do campus. Para os padrões de Princeton, a agitação era total e absoluta.

    Mas há sempre muita mudança na permanência. História é jogo complexo, e sabemos bem como se podem revisitar personagens do passado a partir de novos ângulos.

    Sem fazer o exercício fácil do anacronismo e cobrar atitudes do presente de personalidades do passado, o fato é que há muita poeira por trás do nome de Wilson e pólvora pronta a estourar no edifício de mármore da escola de Public Affairs, que ostenta orgulhoso, bem à frente da fachada, as esculturas do zodíaco do artista chinês Ai Weiwei, conhecido ativista político.

    A novidade é também a resposta corajosa de Princeton, que enviou documento pedindo por "compromisso e imaginação". Entre outras ponderações, afirmou ainda que "consideraria" a remoção do nome de Woodrow Wilson da escola em questão.

    DESAFIOS

    Claro está que o debate só começou, e muitos outros vão se anunciando. Um grupo de alunos saiu a público e afirmou sentir-se muito bem representado pelo presidente em disputa: eles se autoidentificam como "conservadores" ou "tories de Princeton".

    Estudantes latinos, cuja associação data de 2007, animaram o segmento com o "Latinxs", enquanto movimentos de alunos muçulmanos e chineses estão aproveitando a onda para ganhar nova visibilidade.

    O importante é que diferentes segmentos vêm se organizando para reivindicar suas diferenças e o direito a serem parte integral de uma comunidade muito exclusiva.

    Lutas por demandas civis –essa linguagem que implica pensar no direito à diferença na igualdade– têm tomado a nossa agenda e feito muito barulho.

    Pedir pela pluralidade, contar histórias diferentes e igualmente verdadeiras, reclamar novas formas de justiça, exigir igualdade e inclusão social, reconhecer sofrimentos inscritos em detalhes dispersos no cotidiano mas também em grandes realidades é desafio para todos nós.

    Conforme escreveu o presidente de Princeton, estes são "tempos turbulentos e demandantes". Mudar um nome não é, com certeza, uma solução. Mas é um bom sinaleiro; uma ótima provocação.

    Movimentos sociais como esses, e tantos outros que nos são familiares, têm tido o mérito de incluir novas vozes e dissonâncias. Também nos ajudam a "imaginar" que boas agendas são aquelas que suscitam não a criação de dicotomias intransigentes, mas o diálogo diante de causas que nos permitem sentar em, com e para.

    LILIA MORITZ SCHWARCZ é antropóloga e historiadora e dá aulas na USP e em Princeton (EUA). É autora de, entre outros livros, "Espetáculo das Raças", "As Barbas do Imperador" e "Brasil: uma Biografia" (com Heloisa Starling).

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