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    Jornalistas desafiam Estado Islâmico em sua autodeclarada capital

    THAIS BILENKY
    DE NOVA YORK

    29/11/2015 02h00

    O assassinato de dois dos seus membros não impediu um grupo de ativistas de continuar a noticiar o terror infligido pela milícia extremista Estado Islâmico (EI) em sua autodeclarada capital, a cidade de Raqqa, na Síria.

    O coletivo de jornalistas não profissionais Raqqa is Being Slaughtered Silently (RBSS) –Raqqa Está Sendo Massacrada Silenciosamente, em tradução livre– publica fotos, vídeos e relatos sobre a vida na cidade natal de seus fundadores.

    Reprodução
    Abdalziz Alhamza, 24, cofundador de coletivo de ativistas que atua em Raqqa, na Síria
    Abdalziz Alhamza, 24, cofundador de coletivo de ativistas que atua em Raqqa, na Síria

    Cenas de execuções, pessoas decapitadas, ataques aéreos e discursos de terroristas são veiculadas em redes sociais e no site que a organização mantém.

    O coletivo foi formado por 17 ativistas poucos meses após o EI assumir o controle de Raqqa, em janeiro de 2014.

    Hoje, há 18 repórteres atuando na cidade e 10 fora do país, na tentativa, às vezes frustrada, de garantirem sua segurança. Seus membros convivem com ameaças de morte e invasões de hackers a suas contas on-line.

    Ligações com o RBSS são vistas como crime em Raqqa. Um amigo do grupo e o pai de um dos fundadores já foram assassinados.

    Dois homens foram executados, há cerca de um ano, após terem confessado, em vídeo publicado pelo EI, que pertenciam ao RBSS. Mais tarde, o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) viria a apurar que eles, na verdade, não eram membros do coletivo.

    O CPJ homenageou o RBSS nesta terça-feira (24), em sua premiação anual, em Nova York. Em nome do grupo, um de seus fundadores –que atua como espécie de porta-voz–, Abdalziz Alhamza, 24, dedicou o prêmio aos cidadãos de Raqqa e aos colegas e familiares silenciados pela guerra em seu país.

    "Estamos presos entre duas forças brutais", discursou. "A primeira é um regime criminoso [do ditador Bashar al-Assad], que mata crianças sob o pretexto de lutar contra o terrorismo. A segunda [facções terroristas] espalha o mal e a injustiça."

    Alhamza se mudou para Berlim por motivos de segurança. Mas, mesmo fora da Síria, os ativistas são alvo do Estado Islâmico.

    Em outubro, Ibrahim Abd al-Qader foi decapitado em seu apartamento em Urfa, na Turquia, para onde tinha se mudado. Aquele foi o segundo episódio. Em maio de 2014, Al-Moutaz Bellah Ibrahim foi sequestrado e, dois meses depois, morto pelo EI.

    VIGILÂNCIA

    Os ativistas que ainda vivem em Raqqa precisam driblar as câmeras de vigilância espalhadas pela cidade e as milícias que caçam pessoas suspeitas de documentar as ações do EI. Eles apuram e, depois de enviarem os registros para os colegas no exterior, apagam tudo.

    O RBSS consegue publicar informações, em inglês e em árabe, quase em tempo real –nem sempre com precisão, mas apuradas "in loco", em um contexto de ameaças e riscos evitados por muitos veículos profissionais.

    Segundo o CPJ, ao menos 85 jornalistas foram mortos e 90 sequestrados na cobertura do atual conflito na Síria, iniciado em 2011.

    Com isso, os militantes se tornaram fonte de informação, e seu conteúdo passou a ser usado e citado por redes de TV, jornais e revistas.

    Além da internet, o RBSS adota estratégias de camuflagem para atuar dentro de Raqqa. Eles grafitam muros e produzem uma revista, "Dabea", que sempre tem a mesma capa da revista do EI, "Dabiq". Assim, "civis e mesmo combatentes acham que é a revista do Estado Islâmico, mas, quando abrem, encontram os nossos artigos", disse Alhamza à BBC.

    Na quinta-feira (26), o coletivo noticiou que ataques aéreos deixaram 8 civis mortos em uma escola, dos quais 5 eram crianças, e 12 feridos. Próximo ao colégio, informou o RBSS, um menino teve a mão cortada pelo EI, que o acusou de ter roubado uma motocicleta.

    Os ativistas dizem que sua motivação é a esperança de poder voltar para sua cidade. No entanto pedem que países ocidentais abram suas fronteiras. "Alguns europeus e americanos acham que todos os sírios são do EI. O EI acha que somos descrentes. Às vezes, é engraçado", afirmou Alhamza à BBC.

    Estado Islâmico

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