• Mundo

    Monday, 24-Jun-2024 10:26:45 -03

    Atiradora de ataque na Califórnia se destacou em faculdade no Paquistão

    DECLAN WALSH
    DE "THE NEW YORK TIMES", NO CAIRO

    08/12/2015 07h00

    Asim Tanveer/Associated Press
    Estudantes deixam a Universidade Bahauddin Zakariya, no Paquistão, onde estudou Tashfeen Malik
    Estudantes deixam a Universidade Bahauddin Zakariya, no Paquistão, onde estudou Tashfeen Malik

    Enquanto a maré da violência islâmica se abatia sobre o Paquistão nos últimos anos, a Universidade Bahauddin Zakariya, em Multan, uma cidade no sul do país, lutava, nem sempre com sucesso, contra a difusão da intolerância.

    A universidade ganhou destaque nos últimos dias como um dos poucos pontos conhecidos na trajetória de Tashfeen Malik, mulher nascida no Paquistão que, em companhia do marido Syed Rizwan Farook, segundo a polícia atacou e matou 14 pessoas com fuzis, na semana passada em San Bernardino, Califórnia.

    O papel de Malik na decisão de atacar é especialmente interessante, em parte porque no dia do ataque ela postou no Facebook que o casal dedicava o massacre ao Estado Islâmico. Ela e o marido foram mortos em um tiroteio com a polícia depois do ataque.

    Durante o período de Malik como estudante de farmácia na universidade de Multan, começando em 2007, quando ataques do Taleban abalaram o Paquistão, a área em torno de Multan e da cidade natal de Malik, nas redondezas, ganhou notoriedade como polo de atividade sectária radical.

    A preocupação das autoridades era tão intensa nos meses posteriores à saída de Malik da universidade que as autoridades do campus começaram a ajudar os serviços de inteligência paquistaneses a monitorar as atividades de extremistas na universidade.

    As autoridades chegaram a instalar câmeras de vigilância nos dormitórios, por preocupação com a possibilidade de que se tornassem pontos de recrutamento para grupos radicais.

    Professores descrevem Malik como aluna polida e motivada, e visivelmente religiosa, sempre usando o niqab (véu que encobre o rosto) e evitando contato com os estudantes homens.

    Mas isso dificilmente a distinguiria no sul do Paquistão, especialmente por ela ter passado a maior parte de sua vida na Arábia Saudita, e o momento e circunstâncias em que ela se tornou militante continuam a ser um mistério para os investigadores.

    Ainda assim, na turbulência daquele período, e nas tensões geracionais mais profundas nascidas no seio de famílias que, como a de Malik, se transferem para a Arábia Saudita em busca de maior prosperidade e, ao retornar, praticam uma vertente mais conservadora do islamismo, existem pistas quanto ao percurso que ela seguiu e aos momentos importantes de sua aparente transformação.

    CONFLUÊNCIA

    Culturalmente, Malik, 29, vivia na confluência de diversos mundos, tendo nascido no Paquistão, crescido na Arábia Saudita e se casado nos Estados Unidos.

    A família dela, que provém do remoto distrito de Layyah, na província do Punjab, se mudou para Jidda, na Arábia Saudita, em 1989, de acordo com entrevistas com alguns de seus parentes e antigos vizinhos na área. Eles contam que o pai dela, engenheiro, partiu do Paquistão irritado, depois de se desentender com os irmãos em uma disputa sobre imóveis.

    De 2007 a pelo menos 2012, Malik estudou em Multan, a principal cidade do sul do Punjab, famosa por seus reluzentes templos religiosos que celebram sua posição como centro histórico do sufismo, uma forma mística de islamismo.

    Ainda que Malik tenha conquistado sua vaga sob um sistema de cotas que reserva lugares para os filhos de paquistaneses expatriados, ela rapidamente impressionou os professores com sua diligência e capacidade. Havia quem imaginasse que ela se tornaria professora universitária.

    "Nós achávamos que ela poderia contribuir muito para a universidade se passasse a fazer parte do corpo docente depois de concluir seus estudos", disse Khalid Hussain Janbaz, que foi professor de Malik, em entrevista telefônica.

    Mas nenhum dos professores homens sabia que aparência ela tinha, por conta do niqab. E ainda que muçulmanos conservadores não sejam incomuns lá, Malik desenvolveu a reputação de evitar propositadamente as amizades com homens, e mantinha profundo apego à sua criação saudita.

    Depois de dois anos vivendo no Dormitório Maryam, que abriga as alunas da universidade, ela se queixou a um professor de que não se sentia confortável com o comportamento das demais mulheres.

    "Ela me disse que os pais dela moravam na Arábia Saudita e que não estava se dando bem com as colegas, não conseguia se ajustar a elas. Pediu ajuda", contou Syed Nisar Hussain Shah, funcionário da universidade.

    Ataque na Califórnia

    Pouco mais tarde, Malik se mudou para uma residência privada na cidade, alugada por seus pais. "Eu chamava Tashfeen de 'garota saudita'", conta Shah. "Ela só estava no Paquistão para obter seu diploma".

    SUSPEITA

    Em entrevistas recentes nos Estados Unidos, alguns dos parentes homens de Farook falaram dos modos conservadores de Malik com suspeita, dizendo jamais ter visto o rosto dela e acrescentando que ela optava por não dirigir automóveis.

    Shah, da universidade, se declarou chocado com a notícia de que Malik teria cometido homicídios em massa. Ele disse não acreditar que ela tivesse se radicalizado na universidade, porque a instituição não tem reputação de extremismo.

    Mas nem Multan e nem a Bahauddin Zakariya se provaram imunes aos efeitos do extremismo. Uma proliferação de escolas religiosas linha dura no sul do Punjab valeu para a região uma reputação como incubadora de grupos sectários e militantes, alguns dos quais desfrutam do apoio tácito de líderes políticos e de elementos das forças de segurança paquistanesas.

    Em resposta, a universidade mantém "forte vigilância" sobre seus alunos, disse Janbar, o professor, e coordenou com os serviços de inteligência a instalação de câmeras de vigilância. Malik, no entanto, jamais sofreu escrutínio, segundo ele.

    "Jamais ouvimos nada de suspeito sobre as atividade dela", afirmou o professor. "Ela não se envolvia em outras atividades e parecia se concentrar apenas nos estudos".

    No programa "Meet the Press", da rede de TV norte-americana NBC, Loretta Lynch, a secretária da Justiça dos Estados Unidos, declarou domingo (6) que investigadores norte-americanos estavam "colaborando estreitamente com nossas contrapartes estrangeiras", entre as quais as autoridades paquistanesas, para obter mais informações sobre Malik e Farook.

    Em entrevista coletiva em Islamabad, Chaudhry Nisar Ali Khan, ministro do Interior paquistanês, prometeu cooperar com a investigação norte-americana. Mas Khan criticou a cobertura de parte da mídia norte-americana sobre o ataque.

    "Os maus atos de um paquistanês ou muçulmano individual não significam que todo o país ou religião sejam culpados", ele disse.

    Os parentes dos quais Malik se distanciou, porém, vêm expressando abertamente vergonha por suas ações. "Estamos envergonhados e chocados diante desse ato de nossa sobrinha", disse Ahmed Ali Aulakh, parente e antigo ministro em um governo provincial paquistanês, à agência AFP. "Por que ela faria algo tão brutal? Não conseguimos acreditar".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024