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    Para evitar impostos, islandeses aderem a deuses sumérios

    DIOGO BERCITO
    EM MADRI

    14/12/2015 07h00

    Se de fato existirem, os deuses sumérios estarão neste ano especialmente satisfeitos com a população islandesa.

    Quase 1% dos moradores desse diminuto país estão registrados oficialmente como seguidores do "zuísmo", uma religião dedicada às deidades da antiga civilização suméria –que dominou há milênios uma região que é, hoje, território do Iraque.

    O fenômeno, porém, não está relacionado à fé. Ao menos 3.100 islandeses migraram às pressas a essa religião durante os últimos meses como uma maneira de protesto contra as leis locais.

    Stoyan Nenov/Reuters
    Mulher e criança caminham em frente a grafite em Reykjavík; islandeses fazem protesto com 'zuísmo'
    Mulher e criança caminham em frente a grafite em Reykjavík; islandeses fazem protesto com 'zuísmo'

    Na Islândia –terra da excêntrica artista Björk– todos pagam uma espécie de "imposto de paróquia" (o tal "sóknargjöld", em islandês), que é repassado às religiões oficialmente registradas ali.

    Mesmo quem não acredita em nada contribui na prática. "Mas não recebemos nada de volta, nenhum serviço", afirma à Folha Sveinn Thorhallsson, 28, porta-voz do zuísmo –e um agnóstico.

    Os impostos pagos pelos seguidores do zuísmo em 2016, o equivalente a R$ 200 no ano, serão repassados pelo governo à organização. Os líderes dessa religião afirmam que vão devolver o valor a todos seus membros.

    Na Alemanha, uma situação semelhante levou milhares de pessoas a deixar oficialmente sua fé nos últimos anos para evitar impostos.

    SISTEMA

    Quase três quartos da população islandesa é afiliada à Igreja Evangélica Luterana. Esse país obriga seus cidadãos a declarar a sua religião.

    O zuísmo é, de certa maneira, um produto da burocracia islandesa, da qual seus organizadores discordam –mas também de uma história ainda misteriosa.

    Thorhallsson conta à reportagem que o movimento foi oficialmente criado em 2013 por um homem a respeito do qual não se sabe quase nada. A crença não foi adiante, o projeto foi abandonado e o governo planejava retirar o zuísmo da lista de religiões reconhecidas.

    Foi quando Thorhallsson e seus colegas inscreveram-se e assumiram o controle. Eles ainda não têm certeza de qual era o propósito inicial dessa crença e de quais são seus rituais. No meio-tempo, têm organizado a leitura e a discussão de poesia suméria.

    "Começou mais ou menos como uma piada", afirma Thorhallsson. "Mas era importante entrar no sistema, para poder protestar contra o imposto. Seria muito difícil inscrever um novo movimento no registro oficial", diz.

    Assim, sem ter tido qualquer contato com o criador do zuísmo, os ativistas passaram a controlar a religião –o que faz parte também da crítica de seus líderes, diante de uma curiosa burocracia, em que não existe controle sobre quem se inscreve oficialmente em cada crença.

    "As pessoas nos criticam. Dizem que não é uma religião real, que a gente não acredita realmente nisso", afirma Thorhallsson. "Mas como podem medir isso?"

    A liderança do zuísmo diz que suas contas serão transparentes e que a devolução do imposto aos seguidores será realizada por meio de um aparato legal, após consulta com advogados e auditores. Mas o governo, em um detalhe talvez irônico, já avisou: cobrará impostos em cima dos impostos devolvidos.

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