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    A Argentina será capaz de falar bem com todo mundo, diz nova chanceler

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A CARTAGENA (COLÔMBIA)

    14/12/2015 02h18

    Em sua primeira viagem internacional após tomar posse como chanceler do novo governo argentino, Susana Malcorra disse à Folha, na Colômbia, que, "neste momento, não cabe acionar a cláusula democrática do Mercosul contra a Venezuela", pois o governo daquele país deu prova de maturidade ao aceitar a derrota nas urnas nas eleições legislativas.

    Durante sua campanha, o recém-empossado presidente Mauricio Macri havia dito que tomaria a medida.

    MAURICIO DUEÑAS CASTAÑEDA/EFE
    A chanceler do novo governo argentino, Susana Malcorra, durante o encontro de ministros em Cartagena
    A chanceler do novo governo argentino, Susana Malcorra, durante encontro de ministros em Cartagena

    "Precisamos trabalhar agora para diminuir as tensões", disse Malcorra, 61, que, por essa razão, não quis comentar o fato de Diosdado Cabello, presidente da Assembleia venezuelana, tê-la chamado de agente da CIA (inteligência americana).

    Para assumir o cargo de chanceler, Malcorra, 61, retorna à Argentina após 12 anos fora de seu país. Primeiro, trabalhou no Programa Mundial de Alimentos, da ONU. No cargo, destacou-se durante o tsunami de 2004, na região do Oceano Índico.

    Em 2008, se tornou chefe de gabinete do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

    Antes da carreira no exterior, havia ocupado postos na iniciativa privada em seu país: primeiro na IBM, depois na Telecom Argentina.

    Em suas primeiras entrevistas a meios locais, Malcorra disse que a proposta do novo governo será "desideologizar" as relações exteriores da Argentina, revisar os contratos assinados pelo kirchnerismo com a China e reaproximar o país do Mercosul e dos EUA.

    Antes de assumir, Malcorra acompanhou Macri em visitas ao Brasil e ao Chile.

    Leia abaixo os principais trechos da entrevista que concedeu à Folha, durante reunião de chanceleres iberoamericanos, realizada em Cartagena.

    *

    Folha – Como foi o encontro entre Macri e Dilma?

    Susana Malcorra – Foi sumamente positivo. Eu definiria o encontro como uma reunião de trabalho, o que foi um pouco insólito para aquele momento, porque Macri havia viajado como presidente eleito e ainda não empossado.

    Normalmente, em ocasiões como essa, as coisas são mais protocolares, mas não foi assim. Nesse caso, falou-se de coisas muito concretas: de Mercosul, do vínculo entre Argentina e Brasil e das coisas que precisamos resolver para destravar questões complexas da relação bilateral.

    Falamos ainda da integração Mercosul e União Europeia, e justamente acaba de ocorrer a reunião em Paris na qual a União Europeia tomou um passo muito positivo. Concordamos que, definitivamente, um Mercosul funcionando bem nos posiciona muito melhor para qualquer negociação.

    Além disso, o presidente Macri foi muito enfático, com a concordância da presidente Rousseff, sobre a necessidade de, definitivamente, pôr em movimento as coisas de aspiração do Mercosul, para que a integração seja realmente total e que possamos nos propor a eliminação das barreiras alfandegárias, além de eventualmente a integração da moeda. É algo que hoje parece distante, mas que se colocamos como objetivo, é a única maneira para que esteja mais próximo.

    A integração das moedas dos países do Mercosul foi um dos temas da reunião?

    Sim, como coisa aspiracional. Nada disso vai ocorrer amanhã. Mas, se pensamos num Mercosul totalmente integrado, em algum momento temos de pensar nisso também. O presidente Macri está convencido de que isso tem de ser algo que coloquemos como objetivo a longo prazo.

    O acordo do Mercosul com a União Europeia sai na próxima reunião do bloco, em Assunção, no dia 21?

    A intenção é essa, e estive conversando nos últimos dias com os amigos paraguaios, de novo com Brasil, com uma intenção de dizer que ambas as partes [Mercosul e UE] coloquem propostas sobre a mesa de forma simultânea. Sim, porque havia alguma dúvida a respeito disso.

    Estou convencida de que, se vamos ser sócios, temos de entregar as propostas de maneira simultânea e sem que nada fique de fora, sobretudo nada que diga respeito ao setor agrário, uma das questões potencialmente ríspidas.

    A eleição de Macri parece marcar uma mudança na orientação política na região. Em que ponto está sua intenção de acionar a cláusula democrática do Mercosul contra a Venezuela?

    Cada país constitui uma dinâmica própria. Não creio que alguém possa dizer que isso é uma guinada ditada num sentido ou no outro. Os povos se expressam de distintas maneiras.

    Do meu ponto de vista, a chegada do presidente Macri aporta uma visão de integração muito forte, de integração efetiva, mas também aporta uma visão de reconhecimento de que é preciso investir mais no capital humano, nas pessoas, e que não se pode deixá-las fora do sistema nesse avanço e nessa integração.

    É uma visão bastante equilibrada. Uma visão que tem a projeção para fora, com o objetivo de gerar trabalho, de promover o desenvolvimento das pessoas.

    Especificamente com relação à Venezuela e à aplicação da cláusula democrática do Mercosul, isso foi em vista das eleições que já passaram e que mostraram um resultado que foi respeitado pelo governo. Portanto, desse ponto de vista, a cláusula democrática, que se baseia em fatos objetivos, não se aplica.

    Seguiremos trabalhando com o Mercosul e com os irmãos venezuelanos para propor objetivos que sigam sendo vigentes com relação às liberdades, aos direitos humanos, ao fortalecimento da democracia, e também no que diz respeito à libertação dos presos políticos na Venezuela. Porém, creio que, por enquanto, não é necessário aplicar a cláusula.

    Como conseguir essa integração quando o governo venezuelano fala em armar trabalhadores para lutar contra o 'fascismo'? E o que achou de Diosdado Cabello ter dito que a senhora pertencia à CIA?

    Quanto à declaração de Cabello, não vou comentar nada. Tive a ocasião de conhecer o sr. presidente da Assembleia, não farei nenhum comentário a respeito.

    Parece-me que, muitas vezes, há reações intempestivas, que se articulam com uma linguagem difícil.

    Mas todos esperamos que o governo da Venezuela, assim como mostrou uma enorme maturidade ao reconhecer os resultados das eleições parlamentares, siga demonstrando-a ao compartilhar o espaço de poder no qual haverá um governo de uma cor no Executivo e um governo de outra cor na Assembleia, e ambos terão de trabalhar e conviver.

    Não tem por que ser algo problemático, porque ocorre em muitos países. Os EUA são um exemplo. Ali, há um Congresso que não é da mesma cor que o presidente Obama.

    Obviamente é difícil, mas se faz necessário encontrar as formas de convivência. Creio que o mais importante agora é tratar de baixar as tensões e conseguir que a democracia prevaleça e que a convivência prevaleça.

    Pode parecer algo teórico, mas se todos trabalharmos para passar essas mensagens para ajudar os irmãos venezuelanos, creio que é factível.

    Está no horizonte um encontro entre Macri e Maduro?

    Não há nada específico por enquanto, mas não está fora da agenda tampouco. O presidente Macri vai se reunir com todos com os quais tenha oportunidade e colocará, quando se reunir, sua visão em determinados temas com total clareza.

    Uma das coisas que queremos é explicar a todos os nossos sócios potenciais do mundo, a todos os amigos, mas sobretudo na América Latina e no Mercosul, que vamos trabalhar apoiados nas coisas sobre as quais temos acordo, e sobre as quais não há diferença, reconhecendo que vai haver coisas a respeito das quais vamos ter diferenças.

    Vamos ser capazes de falar bem com todo mundo, ressaltando também quais são os aspectos sobre os quais diferimos, mas sem que esses aspectos signifiquem que vamos romper o diálogo, porque, se rompemos o diálogo, não podemos construir e ajudar a construir.

    Qual sua visão sobre o acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc? A Argentina oferecerá algum apoio?

    Não existe outra opção que não a de apoiar os diálogos de paz aqui na Colômbia. A Argentina estará disposta se for necessário produzir algum tipo de monitoramento nesse processo, seguramente ofereceremos nossa contribuição.

    A jornalista SYLVIA COLOMBO viajou a convite da Segib (Secretaría General Iberoamericana)

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