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    Agentes chineses à paisana usam 'smile' durante missão clandestina

    CHRISTOPHER BODEEN
    DA ASSOCIATED PRESS, EM PEQUIM

    16/12/2015 11h21

    Ainda que usassem adesivos ilustrados com uma carinha feliz, os brutamontes não estavam lá para espalhar alegria.

    Cenas de empurrões, gritaria e tumulto diante de um tribunal de Pequim esta semana foram orquestradas por agentes de segurança à paisana identificados por uma imagem conhecida no mundo inteiro —a carinha amarela e sorridente associada desde os anos 70 ao lema "tenha um bom dia".

    As tentativas deles de intimidar jornalistas, diplomatas estrangeiros e o pequeno grupo de defensores dos direitos humanos que aguardavam diante do tribunal o julgamento de um conhecido advogado ativista são bem conhecidas entre os perseguidos dissidentes chineses.

    "Os policiais à paisana são aqueles que o Partido Comunista usa quando sabe que aquilo que está fazendo não tem base na lei", disse Wu Lihong, um ativista ambiental independente que vive sob um regime de prisão domiciliar cuja severidade aumenta em momentos políticos delicados.

    O uso desse tipo de agente é uma solução para o desejo do partido de respeitar a letra da lei mas ao mesmo tempo esmagar toda a oposição, controlar o discurso público e sentenciar seus críticos a longas sentenças de prisão por crimes nebulosamente definidos de violação da segurança nacional.

    Os agentes à paisana não se identificam especificamente como policiais, mas os jornalistas estrangeiros que trabalham em Pequim interagem com eles há duas décadas. O típico é que trabalhem com trajes civis, aparecendo em ampla variedade de circunstâncias nas quais a imprensa estrangeira possa interagir com algum crítico do governo, e sobre as quais as autoridades desejem manter controle sem a intervenção direta de policiais uniformizados.

    SORRIA

    Era uma tendência bem clara na segunda-feira (14) diante do Tribunal Intermediário Nº 2, de Pequim, onde o advogado Pu Zhiqiang estava sendo julgado por acusações de causar distúrbios e incitar o ódio racial, por seus comentários on-line sobre o regime chinês de partido único.

    Dezenas de jornalistas sofreram empurrões, e um deles foi jogado ao chão. Pelo menos cinco manifestantes foram agredidos e retirados do local em veículos, enquanto diplomatas da União Europeia e dos Estados Unidos foram interrompidos, xingados e empurrados ao tentar ler declarações de crítica às ações de Pequim.

    As etiquetas com a carinha feliz presumivelmente deveriam servir como identificação dos agentes à paisana diante de seus colegas uniformizados e outros agentes dos serviços de segurança. No ano passado, por exemplo, os agentes à paisana usavam etiquetas verdes para se identificar quando agiram para dispersar um protesto diante de um tribunal de Pequim no qual Xu Zhiyong, ativista que combate a corrupção no governo, estava em julgamento por acusações de incitar perturbação da ordem pública.

    Xu, fundador do movimento ativista Novos Cidadãos, foi sentenciado a quatro anos de prisão. Pu negou as acusações contra ele e o julgamento foi concluído por volta do meio-dia. Shang Baojun, o advogado de defesa, informou que o veredicto e a sentença seriam proferidos posteriormente.

    Como é costumeiro nesse tipo de caso, os policiais na segunda-feira se recusaram a exibir qualquer forma de identificação, e usavam máscaras de proteção contra a poluição a fim de ocultar suas feições.

    Usar agentes anônimos como esses, ou mesmo prestadores de serviço independentes, sem status oficial, oferece ao governo a possibilidade de negar participação caso a situação se agrave. Também permite certo grau de flexibilidade e uma camada de proteção entre as autoridades e ações que podem ser desagradáveis ou ilegais, e ao mesmo faz com que os policiais uniformizados possam se comportar de maneira razoável e ordeira.

    VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO

    Pelo menos na segunda-feira, a tática pode ter fracassado. Imagens transmitidas a todo o mundo mostravam uma cena violenta e caótica e atraíram ainda mais atenção para o caso do advogado Pu, que está sendo processado por seu trabalho pregresso na defesa de dissidentes políticos e críticos do governo, entre os quais o artista de vanguarda Ai Weiwei.

    Os confrontos atraíram a atenção dos transeuntes e cerca de 50 pessoas gritavam em grupo lemas como "Pu Zhiqiang é inocente". Os cartazes dos manifestantes tinham dizeres como "o povo não tem direitos de que até os cachorros desfrutam". Policiais à paisana gritavam insultos contra os manifestantes, que incluíam chamá-los de "traidores".

    Não se sabe se os responsáveis pela imagem da China se preocupam com a impressão causada por cenas como essas. Pequim sempre rejeitou qualquer pressão estrangeira quanto à sua política interna, e o presidente e líder do Partido Comunista Xi Jinping afirma estridentemente que os chineses jamais aceitarão compromissos sobre questões fundamentais como a soberania e a independência.

    "Para as autoridades, isso pode parecer um desastre de relações públicas, mas talvez elas não liguem", disse Jean-Pierre Cabestan, especialista em política chinesa na Universidade Batista de Hong Kong. "Elas podem sempre afirmar que [os policiais] eram cidadãos comuns e que há muito pouco que se possa fazer".

    Policiais à paisana e unidades auxiliares da polícia são utilizados tanto para missões curtas quanto para operações de longa duração, envolvendo deveres que ficam além das responsabilidades atribuídas aos policiais uniformizados.

    Em um dos casos mais conhecidos, agentes da polícia paralela foram encarregados de vigiar a residência rural de Chen Guangcheng, ativista cego que ainda assim escapou de sua vigilância 24 horas e solicitou refúgio na embaixada dos Estados Unidos em Pequim.

    Policiais à paisana também foram encarregados de vigiar o apartamento de Liu Xia, mulher de Liu Xiaobo, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz e vive virtualmente em prisão domiciliar no centro de Pequim. As críticas externas parecem servir só para estimular medidas ainda mais restritivas da parte das autoridades, que agora gastam mais com a segurança interna do que com a defesa nacional.

    "Eles simplesmente forçam os outros a aceitar sua vontade e mostram que jamais aceitarão sanções externas quanto à situação de direitos humanos na China", disse Cabestan.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI.

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