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    Navio afundado em 1708 com R$ 40 bi gera disputa entre Espanha e Colômbia

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A CARTAGENA

    20/12/2015 02h00

    Mais de 300 anos depois de afundar com um carregamento de 200 toneladas de ouro, prata e pedras preciosas (equivalentes hoje a cerca de US$ 10 bilhões), o navio espanhol San José acaba de ser localizado no litoral colombiano, virando centro de uma crise diplomática entre Colômbia e Espanha.

    A fortuna que jaz no fundo do mar desde 1708 provinha das minas que o Império Espanhol explorava no Peru, na Bolívia e no Equador. Junto ao tesouro, estariam os restos de cerca de 600 marinheiros.

    "É um patrimônio colombiano para os colombianos. Agora muitos vão se dizer donos do navio, mas pertence à Colômbia", disse o presidente Juan Manuel Santos, que anunciou o plano de um museu em Cartagena para exibir os objetos encontrados, assim que sejam recuperados.

    Segundo o governo colombiano, os restos do navio estão em "águas muito profundas". Ainda não há previsão de quando se dará a retirada.

    O governo espanhol diz, porém, que não abrirá mão da embarcação.

    "Trata-se de um barco de Estado, e não de um navio privado. Há uma titularidade de Estado onde quer que ele esteja", disse o chanceler espanhol, José Manuel García-Margallo.

    O assunto foi tratado na semana passada entre Margallo e a chanceler colombiana, María Ángela Holguín, no encontro ibero-americano de ministros das Relações Exteriores, em Cartagena.

    O NAUFRÁGIO DO MÍTICO SAN JOSÉ

    Após a conversa, ambos disseram concordar em buscar uma saída diplomática para o caso, mas nenhum dos dois lados anunciou, até agora, que desistirá do navio.

    Uma solução mais polêmica deu o presidente equatoriano, Rafael Correa.

    Ele disse a Santos, durante a posse do argentino Mauricio Macri, que o tesouro do San José deveria ser repartido por todos os países latino-americanos, uma vez que viajava carregado de riquezas tiradas de vários países pelos colonizadores europeus.

    Presente à conversação, o mandatário peruano, Ollanta Humala, concordou com o colega.

    LENDAS E LITERATURA

    O galeão San José foi afundado por uma emboscada da Marinha da Inglaterra, para impedir que as riquezas servissem a Felipe 5º, um Bourbon, em guerra pela sucessão do trono espanhol.

    Inglaterra, Portugal e Alemanha não queriam que ele ficasse com o trono, e sim que assumisse, em seu lugar, um Habsburgo.

    Construído em 1698, em San Sebastián, o San José foi carregado num porto panamenho e se aproximava de Cartagena para uma escala. Dali iria para Havana e, depois, para Cádiz (Espanha), o destino final previsto.

    Próximo de Cartagena, porém, o San José foi emboscado por navios chefiados pelo capitão Charles Wager.

    Uma batalha naval de dois dias terminou com a derrota dos espanhóis, e o San José sucumbiu no dia 8 de junho de 1708.

    ONDE FICA CARTAGENA

    A cena foi imortalizada em várias obras de arte, com destaque para o quadro de Samuel Scott (1702-1772). Só 11 pessoas escaparam com vida.

    Histórias sobre o tesouro alimentaram as artes e o imaginário da região.

    A referência mais famosa está em "O Amor nos Tempos do Cólera" (ed. Record), do Prêmio Nobel Gabriel García Márquez (1927-2014).

    Ambientado na cidade onde Gabo viveu na juventude, o romance conta a história de amor entre um homem e uma mulher que se concretiza apenas na velhice.

    Louco de paixão, Florentino Ariza sonha encontrar o tesouro para "banhar de ouro Fermina Daza", sua amada.

    No livro, Gabo escreve: "Aquela fortuna que jazia no fundo do mar, com o cadáver do comandante flutuando, costumava ser evocado por historiadores como emblema da cidade afogada em suas memórias".

    Uma semana após o anúncio feito por Santos, o tema era um assunto na cidade histórica.

    "Estou colocando 'O Amor nos Tempos do Cólera' na primeira fila do mostrador. Já tem turista procurando pra ler sobre o galeão", disse à Folha a livreira Marta Gutiérrez.

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