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    Piores chuvas desde 1983 fazem cidade submergir no Paraguai

    MARIANA CARNEIRO
    ENVIADA ESPECIAL A ASSUNÇÃO

    29/12/2015 02h14

    Mariana Carneiro/Folhapress
    Casas parcialmente submersas em Nanawa, cidade de 6.000 habitantes próxima a Assunção
    Casas parcialmente submersas em Nanawa, cidade de 6.000 habitantes próxima a Assunção

    Cerca de 50 km ao norte de Assunção, a cidade de Nanawa está toda coberta pela água. O rio Pilcomayo, um dos afluentes do rio Paraguai, deixou só os telhados das casas à vista, encheu as ruas e expulsou a maior parte dos quase 6.000 habitantes.

    Só sobrou fora d'água uma área de pouco menos de 200 m², onde o comércio da fronteira com a Argentina sobrevive apesar da enchente.

    "É o último pedacinho de terra firme que restou", diz a comerciante Irma Aguilar, 62.

    Ela está morando no segundo andar de sua casa, com o marido, três filhas, genros e duas netas.

    A inundação na cidade começou em novembro, quando as chuvas aumentaram no Paraguai. A temporada úmida, iniciada em setembro, foi intensificada neste ano pelo fenômeno El Niño, que atinge o Cone Sul.

    Poucos dias antes do Natal, conta o radialista Alberto Brites, 45, a água atingiu os bairros mais altos da cidade. De tão alto o nível da água, hoje Nanawa só pode ser percorrida de barco.

    Segundo autoridades paraguaias, é a maior enchente desde 1983 no país. A SEN (Secretaria de Emergência Nacional) afirma que 25 mil famílias estão desalojadas, ou cerca de 100 mil pessoas.

    Brasil, Uruguai e Argentina também são assolados por fortes chuvas –na Argentina, são cerca de 20 mil desalojados, metade deles em Concórdia, nordeste do país.

    O presidente paraguaio, Horacio Cartes sobrevoou a área sul, as cidades de Alberdi e Pilar, nesta segunda (28). Esvaziada no último sábado, Alberdi está com o acesso por terra desde Assunção interrompido pelas águas.

    COMÉRCIO

    Chegar a Nanawa a partir da capital também só é possível de barco. É preciso tomar um bote na vizinha Falcón, para onde foram levadas 250 famílias desalojadas. Oito albergues foram montados ali pelo governo paraguaio.

    O comércio miúdo da fronteira, feito por sacoleiros, trocou os micro-ônibus por barcos. A ponte que liga o Paraguai à Argentina, na altura de Clorinda, está quase coberta, e as autoridades avisaram que, se a água continuar a subir, o trânsito será desviado.

    Por ali passam caminhões que transportam mercadorias entre Paraguai e Argentina.

    O radialista Brites está construindo seu barco há uma semana. Outros, como o vendedor ambulante Flamídio Fernández, 40, improvisaram uma embarcação com isopor e pedaços de madeira.

    "Estamos desesperados, peça por favor para enviarem água potável e alimentos. Precisamos de ajuda", disse o morador, que construiu um cômodo de compensado e lona em cima de sua casa.

    "Passamos por outros dois refúgios antes, mas a água chegou e tivemos que sair. Estamos aqui há uma semana".

    Fernández puxou a luz de um poste que continua ligado apesar de ter apenas a metade superior acima da linha da água. Os moradores que vivem no segundo andar de sobrados têm energia para manter ligados televisores e geladeiras. A água recolhida da chuva é usada para beber.

    "Vi na TV que deve chover de novo. Está assim todo dia", disse Soledad Rojas, 27, ilhada com dez parentes no segundo andar da casa da mãe.

    "Estávamos em um refúgio montado num campo de futebol que encheu, há duas semanas, e viemos para cá."

    ESPERANÇA

    O sol que abriu na manhã desta segunda animava alguns moradores, que esperam por boas notícias. "A água baixou uns 10 cm", dizia o flanelinha Eulálio Césped, 33, que trocou o trabalho de vigiar motos em Clorinda para dirigir um barco.

    "Tem que saber por onde ir, se não o barco pode agarrar numa casa ou noutra construção submersa", disse ele, que é nativo de Nanawa.

    Tudo ficou sob a água –o cemitério, a única escola, a prefeitura. É difícil saber onde começa o rio e onde termina a cidade.

    O prefeito Javier Nuñez diz que a comida enviada pelo governo nacional deve chegar nesta semana e reclamou à Folha que está pagando do seu bolso combustível para as lanchas de socorro.

    Catalino Arce, responsável da SEN pela localidade, disse que a prioridade do governo é atender as famílias que foram para abrigos, e a recomendação é que os moradores deixem as casas alagadas.

    "As pessoas não querem sair porque temem saques", disse. "A emergência está aqui e no sul, é muita gente, a situação é difícil. Estamos ajudando com o possível."

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