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    'Região precisa rever relação com a China', diz secretária iberoamericana

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A CARTAGENA (COLÔMBIA)

    01/01/2016 01h05

    O declínio da demanda chinesa por commodities impactou fortemente as economias da América Latina em 2015 e é o pano de fundo para o declínio de projetos políticos de esquerda há muitos anos no poder em alguns países.

    Em entrevista à Folha, em Cartagena, durante encontro de chanceleres, Rebeca Grynspan, secretária-geral Iberoamericana, afirmou que a região deve aprender a se relacionar com "uma nova China" e investir em inovação tecnológica e diversificação de sua produção.

    Mauricio Dueñas Castañeda-12.dez.2015/Efe
    Rebeca Grynspan, secretária-geral Iberoamericana, em entrevista a jornalistas em Cartagena (Colômbia)
    Rebeca Grynspan, secretária-geral Iberoamericana, em entrevista a jornalistas em Cartagena (Colômbia)

    No encontro foi também apresentado o documento "Perspectivas Econômicas da América Latina 2016", elaborado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos) e a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). O documento pede a adaptação das economias da região -que devem crescer apenas entre 2% e 3%- a um cenário internacional distinto.

    Leia os principais trechos da entrevista que Grynspan, que foi vice-presidente da Costa Rica (1994-98) e secretária-geral adjunta da ONU, à Folha.

    *

    Folha - Como vê a atual crise político-econômica do Brasil?
    Rebeca Grynspan - É um momento difícil, mas que vai passar. Do ponto de vista econômico, se analisarmos os dados sobre o Brasil, existe força para sair desse ciclo. Obviamente, a crise política agrava o quadro e seria bom tratar de resolvê-la rapidamente. Mas o Brasil está fazendo os ajustes, portanto não vejo razão para uma desaceleração tão pronunciada. Me parece uma situação de curto prazo. O Brasil não é apenas uma moda. É um país que está aí para ficar. Um país líder, muito importante para a região. Sou otimista. É um momento difícil, mas não vejo um problema de longo prazo.

    Como vê a região em 2016?
    A maioria das projeções mostram um 2016 difícil, mas menos difícil que 2015, pois os ajustes devem começar a aparecer. Espera-se uma média baixa de crescimento do PIB neste ano porque a Venezuela e o Brasil terão crescimento negativo, de -10% e -3%, aproximadamente. O que fica claro é que a região tem de aprender a negociar com a China nesse novo momento. É uma nova China, que segue crescendo, mas de modo diferente. É mais urbana, tem uma nova classe média, e por isso tem demandas diferentes.

    Que estratégias propõem?
    É preciso aprofundar a relação da região com a China de modo mais estratégico e não tão quantitativo, como foi na época do "boom" das commodities. Os alimentos seguem sendo parte da aposta, mas será preciso investir em produtos mais sofisticados, mais ricos em proteínas. E a América Latina precisa mostrar que pode competir em outras ligas. Por exemplo, oferecendo produtos intermediários ou finais. Na área de biotecnologia vegetal e animal, por exemplo, creio que a América Latina tem muito o que oferecer. Há espaço, também, no setor de serviços, e mesmo no de tecnologia. Meu país, por exemplo, a Costa Rica, vende chips para a China. um dos poucos países que encontraram uma fonte exportável distinta das matérias-primas. Em produtos médicos também há uma possibilidade. Este é o momento de fazer análises da nova situação. O Brasil e a Argentina fizeram uma revolução agrícola baseada em inovação em ciência e tecnologia. São os dois melhores casos de toda a América Latina, que deveriam ser observados.

    A sra. acha que faltou uma estratégia conjunta dos países da região para negociar a exportação local à China?
    Creio que sim, a região não estava preparada para negociar com a China coletivamente quando a demanda por parte deles passou a aumentar. Isso mostra uma debilidade do marco de integração regional. Deveríamos ter tido uma estratégia mais conjunta, que é o que propomos agora.

    A sra. concorda com a análise de que a região inicia um ciclo à direita, com as vitórias de Mauricio Macri, na Argentina, e da oposição, nas legislativas da Venezuela?
    Minha geração lutou pela democracia, portanto agora me parece natural e saudável que exista uma alternância. A esquerda ganhou em vários países na década anterior. Ou seja, se temos realmente uma democracia, temos de ter alternância, e me parece lógico que a direita retome posições agora. Não sei se concordo com a ideia de que há ciclo, creio que o que está ocorrendo é a alternância democrática, e isso é bom. Mas também é preciso observar que há fenômenos novos surgindo em vários países. Nos que não há, está ganhando a oposição tradicional, mas em alguns países, novos partidos vêm surgindo, portanto entendo que haverá também resultados distintos. O importante é que temos de ver isso com naturalidade.

    Como vê a questão da Venezuela? A posição do argentino Mauricio Macri com relação ao governo de Nicolás Maduro muda o quadro regional?
    A declaração de Macri sobre acionar a cláusula democrática foi antes da eleição venezuelana. Mas a eleição aconteceu, a oposição ganhou e os resultados foram reconhecidos. Creio que o que devemos fazer agora são votos de que haja possibilidade de convivência e de diálogo na Venezuela.

    RAIO-X
    REBECA GRYNSPAN

    Nascimento
    14.dez.1955 (60 anos), em San José (Costa Rica)

    Formação
    Mestrado em economia pela Universidade de Sussex

    Carreira
    Ex-vice-presidente e ex-ministra da Economia da Costa Rica; foi secretária-geral-adjunta da ONU

    A jornalista Sylvia Colombo viajou a convite da Secretaría General Iberoamericana

    Edição impressa

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