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    Irã e Arábia Saudita esperavam desculpa para romper

    IGOR GIELOW
    DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

    03/01/2016 20h02

    O rompimento de relações entre Arábia Saudita e Irã são a escalada previsível, e perigosa, da grande disputa pelo Oriente Médio que envolve também o Ocidente a Rússia.

    Para o resto do mundo, o risco de uma evolução militar é o mais palpável, ainda que improvável no curto prazo e dependente da reação norte-americana à crise.

    Riad é o centro do sunismo, ramo predominante no islamismo, mas sua leitura radical da lei corânica não é uma unanimidade entre os países mais populosos sob a mesma crença, como Malásia ou Paquistão.

    Já Teerã, desde a revolução de 1979, é o polo do xiismo. Acabou associada no Ocidente com fundamentalismo por sua instância antiamericana e o apoio a grupos como o Hizbullah libanês e o Hamas palestino, o que é correto por um lado.

    Mas escamoteia o fato de que é a Arábia Saudita a fonte ideológica do terrorismo que mais assusta o mundo no pós-11 de Setembro: a Al Qaeda e o Estado Islâmico nascem de desvios ainda mais estritos da leitura do Alcorão feita pelo wahabismo, a seita que domina a religião estatal da casa real de Saud —que domina a Península Arábica com apoio de um Ocidente interessado em seu petróleo desde a década de 1920.

    Durante décadas, o fato de o Irã ser um pária para os EUA e seus aliados ajudou a manter algum equilíbrio na balança. Mas os fatos destes anos 2010 mudaram tudo.

    Primeiro, a chamada Primavera Árabe, movimento antigovernamental que influenciou de formas diferentes diversos países da região. Em um caso específico na pequena monarquia do Golfo do Bahrein, a maioria xiita revoltou-se contra o governo sunita, sendo reprimida com auxílio de Riad.

    Com sinais trocados, os sauditas auxiliaram diversos grupos contrários à ditadura de Bashar al-Assad na Síria, incluindo os violentos membros do EI. Ali a coisa desandou numa guerra civil instável, que ganhou contornos de conflito amplo quando a Rússia resolveu montar uma base para ataques aéreos e controle aeronaval do Mediterrâneo em Latakia, região da tribo de Assad, seu aliado.

    Como o Ocidente já vinha atacando alvos do EI na Síria e no Iraque, o xadrez regional complicou-se, levando a incidentes sérios como a derrubada de um bombardeiro russo pela Turquia.

    Seja como for, a administração de Barack Obama vinha se aproximando, sob críticas de Israel e da oposição republicana, de Teerã. Montou um promissor acordo para, teoricamente, segurar o desenvolvimento da bomba atômica dos aiatolás —não sem turbulências, como a ameaça iraniana de retomar seu programa de mísseis balísticos.

    Outro ponto em favor do Irã é o Iraque, seu antigo inimigo sob o regime de Saddam Hussein. Com a ascensão de um governo da maioria xiita após a invasão norte-americana de 2003, o país alinhou-se com seu guia espiritual. Apesar da cooperação militar com os EUA contra o EI, que levou à queda de Ramadi recentemente, Bagdá hoje tem uma coordenação de inteligência com Moscou, Damasco e Teerã que causa preocupação a analistas ocidentais.

    De seu lado, há mais de um ano os sauditas mantêm seu pé na briga com o controle que têm da torneira do petróleo mundial, sendo o maior produtor. Forçando a desvalorização, colocando o barril a menos de US$ 40, ela ataca diretamente o Irã e a Rússia, produtores dependentes da "commodity" e aliados no Oriente Médio.

    Há vários efeitos colaterais disso, a começar pela lenta destruição da economia doméstica saudita, o que pode levar a insatisfações inéditas para a Casa de Saud. Deste lado do mundo, o pré-sal brasileiro e a exploração de xisto betuminoso nos EUA vão sendo inviabilizados pelo baixo preço do barril de óleo.

    Outro ponto focal de disputa está em outro vizinho dos sauditas, o Iêmen. Também lá o país mantém uma campanha militar aberta contra adversários do seu antigo regime aliado, apoiados pelo Irã.

    Todo esse caldo indicava um confronto mais aberto entre Riad e Teerã. O motivo, as reações à execução de um clérigo xiita pelos sauditas, agora está dado.

    O posicionamento dos EUA, numa Presidência crepuscular como é a de Obama em seu último ano, será definitiva para determinar o quão arriscado o jogo se tornará daqui em diante: de um lado, uma renovada aliança entre Rússia e Irã baseada no conflito sírio; do outro, os sauditas e todo seu poderio econômico e militar.

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