Com as mãos lambuzadas de petróleo, a Arábia Saudita acostumou-se a ser uma das principais forças no Oriente Médio, exercendo pressão econômica, militar, política e religiosa em seus vizinhos.
Mas sua posição nos anos por vir pode não ser tão confortável. Em meio a uma grave crise econômica e diante da aproximação entre potências ocidentais e o Irã –seu rival–, a monarquia saudita tem se agitado em seu trono.
Nesses últimos dias, o país protagonizou crises regionais que deram indicações de sua inquietude em relação a sua posição no cenário regional.
No sábado, a Arábia Saudita, de maioria sunita, executou um clérigo xiita critico à monarquia. O Irã, de maioria xiita, protestou contra a medida. Houve um ataque à embaixada saudita em Teerã, e a Arábia Saudita, na sequência, rompeu os laços diplomáticos com o rival histórico.
SPA - 29.dez.2015/AFP | ||
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan (esq.), em visita ao rei Salman (dir.) na capital saudita, Riad |
PREÇO DO PETRÓLEO
O atrito entre os dois titãs não pode ser entendido apenas como disputa religiosa. É um embate político e se insere em um contexto amplo.
A Arábia Saudita vive uma severa crise econômica: o país teve deficit recorde de R$ 400 bilhões em 2015, e prevê um deficit de R$ 350 bilhões para este ano. A economia saudita é baseada no petróleo, e o barril é hoje vendido a menos da metade do valor que tinha em 2014.
Dissabores econômicos têm motivado, aos poucos, medidas de austeridade. O preço do gás doméstico, por exemplo, subiu. Deve haver, no médio prazo, ajuste no preço de água e eletricidade.
O país árabe tem uma série de programas de bem-estar social e subsídios. Para o intelectual britânico Ziauddin Sardar, frequente crítico da monarquia saudita, o país "suborna a população". "Quando há austeridade, há rebelião", ele afirma à Folha.
Os cortes podem ter consequências nefastas para a estabilidade do país, ainda que esse efeito esteja distante por ora. Em outras nações médio-orientais, como a Síria, as manifestações contrárias ao regime foram em parte motivadas por cortes em subsídios.
No longo prazo, o cenário é mais preocupante, com estudos apontando para um declínio da produção de petróleo, que sustenta o país.
"A influência [saudita] foi comprada", diz Sardar. "Mas os recursos estão se esgotando, e a influência desaparecerá."
STATUS QUO
A Arábia Saudita também se preocupa com a recente aproximação entre o Irã e os EUA, uma movimentação que pode minar a posição dessa monarquia como principal aliado americano na região.
Foi a partir desse status que a Arábia Saudita manteve violações aos direitos humanos, como decapitações, e esteve imune à condenação internacional.
Mas houve críticas após a execução do clérigo xiita no final de semana, e analistas já veem uma opinião crescentemente favorável ao Irã nesta disputa atual.
Para Karim Bitar, do think-tank francês Iris, o país tem reagido com movimentos desordenados.
"A guerra no Iêmen foi mal planejada, assim como a execução do clérigo xiita", diz Bitar à Folha. "Não obtiveram o resultado que esperavam, dados o tempo, o esforço e o dinheiro investidos."
Não à toa, um membro da família real publicou recentemente carta anônima protestando contra a atual liderança da nação. Só que a mudança ali será difícil e longa.
"A população continua bastante conservadora, mais do que o próprio regime. Mesmo uma geração de líderes reformistas terá dificuldade em remover a liderança religiosa", avalia Bitar.