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    Leia a íntegra do último Discurso do Estado da União de Obama

    DE SÃO PAULO

    13/01/2016 13h00

    Leia abaixo a íntegra do último discurso do Estado da União do presidente norte-americano, Barack Obama, cujo mandato termina em janeiro de 2017.

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    Senhor presidente da Câmara, sr. vice-presidente, parlamentares, meus concidadãos americanos:

    este é o oitavo ano em que venho aqui para apresentar um relatório sobre o estado da União. Neste relatório final, tentarei ser breve. Sei que alguns de vocês estão ansiosos por voltar ao Iowa.

    Também entendo que, pelo fato de estarmos em temporada eleitoral, as expectativas quanto ao que vamos realizar este ano são baixas. Mesmo assim, senhor presidente da Câmara, aprecio a atitude construtiva que o senhor e os outros líderes assumiram no final do ano passado para aprovar o orçamento e perpetuar a redução dos impostos sobre as famílias trabalhadoras.

    Bao Dandan/Xinhua
    Presidente dos EUA, Barack Obama, faz seu último Discurso do Estado da União
    Presidente dos EUA, Barack Obama, faz seu último Discurso do Estado da União

    Desse modo, espero que possamos colaborar este ano sobre questões que são prioritárias para ambos os partidos, como a reforma da justiça criminal e a assistência às pessoas dependentes de drogas vendidas com receita médica. Quem sabe possamos surpreender os cínicos novamente.

    Hoje, porém, quero pegar leve com a tradicional lista de propostas para o ano que temos pela frente. Não se preocupem —tenho muitas, desde ajudar estudantes a escrever código de computadores até a personalização dos tratamentos médicos de pacientes.

    E vou continuar a promover avanços no trabalho que ainda precisa ser feito. Consertar um sistema imigratório quebrado. Proteger nossos jovens contra a violência das armas de fogo. Salários iguais para trabalho igual, licenças pagas, a elevação do salário mínimo. Todas essas coisas ainda são importantes para as famílias trabalhadoras; ainda são a coisa certa a fazer, e eu não descansarei enquanto não forem realizadas.

    Mas, em meu último discurso para esta Câmara, não quero falar apenas do ano que temos pela frente. Quero enfocar os próximos cinco anos, os próximos dez e ainda mais longe. Quero falar de nosso futuro.

    Vivemos em um tempo de mudanças extraordinárias —mudanças que estão transformando o modo como vivemos, o modo como trabalhamos, nosso planeta e nosso lugar no mundo. São mudanças que prometem avanços médicos assombrosos, mas também perturbações econômicas que pressionam as famílias trabalhadoras. Elas trazem a promessa de educação para meninas nos povoados mais distantes, mas também conectam terroristas que conspiram a um oceano de distância.

    São mudanças que podem ampliar oportunidades ou expandir desigualdades. E, gostemos disso ou não, o ritmo dessas mudanças só vai se intensificar.

    A América já passou por mudanças profundas no passado —guerras e depressão, ondas de imigrantes, trabalhadores lutando por uma oportunidade justa e movimentos para ampliar os direitos civis. A cada vez houve aqueles que nos aconselharam a temer o futuro; que afirmaram que podíamos pisar nos freios das transformações, prometendo restaurar a glória passada, bastando para isso controlar algum grupo ou ideia que ameaçava a América. E, cada vez, superamos esses medos.

    Nas palavras de Lincoln, não aderimos aos "dogmas do passado tranquilo". Em vez disso, renovamos nosso pensamento e renovamos nossa ação. Fizemos as transformações funcionar a nosso favor, sempre estendendo a promessa da América para fora, para a próxima fronteira, para mais e mais pessoas. E, porque o fizemos —porque enxergamos oportunidades onde outros enxergavam apenas perigos—, emergimos mais fortes e melhores que antes.

    O que foi verdade então pode ser verdade agora. Nossos pontos fortes como nação —nosso otimismo e nossa ética de trabalho, nosso espírito de descoberta e inovação, nossa diversidade e nosso engajamento com o Estado de direito— nos deram tudo o que precisávamos para assegurar a prosperidade e segurança para as gerações vindouras.

    Na realidade, foi esse espírito que possibilitou os avanços destes últimos sete anos. Foi assim que nos recuperamos da pior crise econômica em gerações. Foi como reformamos nosso sistema de saúde e reinventamos nosso setor energético; foi como garantimos mais atendimento e benefícios a nossas tropas e nossos veteranos de guerra, foi assim que conquistamos a liberdade em cada Estado de nos casarmos com a pessoa que amamos.

    Mas esse progresso não é inevitável. É fruto das escolhas que fazemos juntos. E estamos diante de escolhas como essas agora. Vamos reagir às transformações dos nossos tempos com medo, voltando-nos para dentro como nação e voltando-nos uns contra os outros, como povo? Ou vamos enfrentar o futuro com confiança em quem somos, no que representamos e nas coisas incríveis que podemos realizar juntos?

    Falemos do futuro, então, e de quatro grandes perguntas que nós, como país, precisamos responder, independentemente de quem for o próximo presidente ou de quem controlar o próximo Congresso.

    Em primeiro lugar, como darmos a todos uma chance justa de alcançar oportunidades e segurança nesta nova economia?

    Em segundo, como fazer a tecnologia trabalhar a nosso favor, e não contra nós, especialmente quando se trata de resolver desafios urgentes como as mudanças climáticas?

    Em terceiro lugar, como podemos manter a América em segurança e liderar o mundo sem nos tornarmos sua polícia?

    E, finalmente, como podemos fazer nossa política refletir o que temos de melhor, e não o que temos de pior?

    Vou começar pela economia e com um fato fundamental: os Estados Unidos da América, neste momento, tem a economia mais forte e mais durável do mundo. Estamos no meio da mais longa fase da história de geração de empregos no setor privado. Mais de 14 milhões de novas vagas de trabalho; os dois anos mais fortes de geração de empregos desde os anos 1990; um índice de desemprego reduzido pela metade. Nossa indústria automotiva acaba de viver o melhor ano de sua história. O setor manufatureiro criou quase 900 mil novas vagas de trabalho nos últimos seis anos. E fizemos tudo isso ao mesmo tempo em que reduzimos nossos déficits em quase três quartos.

    Qualquer pessoa que diga que a economia da América está em declínio está vendendo ficção. O que é verdade —e é a razão pela qual muitos americanos sentem ansiedade— é que a economia vem mudando de maneiras profundas, mudanças que começaram muito antes da Grande Recessão chegar e que ainda não arrefeceram. Hoje a tecnologia não se limita a tomar o lugar de empregos na linha de montagem, mas substitui qualquer emprego no qual o trabalho possa ser automatizado.

    As empresas atuantes numa economia global podem se transferir para qualquer lugar e enfrentam concorrência mais acirrada. Com isso, os trabalhadores estão em posição mais fraca para pedir aumentos. As empresas têm menos lealdade para com suas comunidades. E mais e mais riqueza e receita se concentram no topo.

    Evan Vucci/AFP
    Presidente dos EUA, Barack Obama, faz seu último Discurso do Estado da União
    Presidente dos EUA, Barack Obama, faz seu último Discurso do Estado da União

    Todas essas tendências arrocham os trabalhadores, mesmo quando têm emprego —mesmo quando a economia está crescendo. Devido a elas, ficou mais difícil para uma família trabalhadora sair da pobreza, mais difícil para os jovens se lançarem em suas carreiras e mais difícil para os trabalhadores se aposentarem quando querem. E, embora nenhuma dessas tendências esteja presente apenas na América, elas ofendem nossa crença singularmente americana de que todo o mundo que trabalha duro deve ter uma oportunidade justa.

    Nos últimos sete anos, nossa meta tem sido uma economia crescente e que funcione melhor para todos. Fizemos avanços nesse sentido. Mas precisamos fazer mais. E, a despeito de todas as desavenças políticas que temos tido nestes últimos anos, existem algumas áreas em que os americanos estamos de acordo, a grosso modo.

    Estamos de acordo em pensar que "oportunidade real" requer que todo americano receba a educação e formação profissional de que precisa para obter um emprego que pague bem. A reforma bipartidária da lei No Child Left Behind (Que nenhuma criança fique para trás) foi um ponto de partida importante, e, juntos, ampliamos a educação na primeira infância, elevamos para novos patamares os índices de conclusão do ensino médio e demos apoio a pós-graduandos em campos como a engenharia.

    Nos próximos anos, precisamos levar esses avanços adiante, oferecendo pré-escola universal para crianças de até 5 anos, oferecendo a todos os estudantes as aulas práticas de matemática e ciência da computação que os preparem para o trabalho desde o primeiro dia, e devemos contratar e dar suporte a mais ótimos professores para nossos filhos.

    E precisamos tornar a universidade economicamente acessível a todos os americanos. Porque nenhum estudante esforçado deve ficar no vermelho. Já reduzimos os pagamentos dos empréstimos estudantis a 10% da renda da pessoa que contrai o empréstimo. Precisamos agora realmente reduzir o custo da faculdade. Garantir dois anos de faculdade pública gratuita para todo estudante responsável é uma das melhores maneiras de fazê-lo, e vou continuar a lutar para que isso comece a ser feito este ano.

    É claro que educação de alta qualidade não é tudo o que precisamos nesta nova economia. Também precisamos de benefícios e proteções que forneçam uma medida básica de segurança. Afinal, não seria fugir muito da verdade dizer que algumas das únicas pessoas no país que vão trabalhar no mesmo emprego, no mesmo lugar, com um pacote de saúde e aposentadoria, por 30 anos, estão sentadas nesta Câmara.

    Para todas as outras, especialmente para pessoas na casa dos 40 ou 50 anos, economizar para a aposentadoria ou recuperar-se depois de perder um emprego ficou muito mais difícil. Os americanos entendem que em algum momento de sua carreira vão ter de fazer novos cursos de formação ou especialização profissional. Mas não deveriam perder aquilo que já trabalharam tanto para construir.

    É por isso que a Segurança Social e o Medicare são mais importantes que nunca; não deveríamos enfraquecê-los, mas fortalecê-los. E, para os americanos que não vão se aposentar logo, os benefícios básicos deveriam ser tão móveis quanto é todo o resto hoje em dia.

    É para isso que veio a Lei de Proteção e Atendimento ao Paciente. Ela veio preencher as brechas na assistência fornecida por empregadores, para que ainda tenhamos cobertura médica quando perdemos um emprego, voltarmos à escola ou abrirmos um novo negócio. Quase 18 milhões de pessoas ganharam cobertura até agora. A inflação dos planos médicos diminuiu. E nossas empresas vêm gerando empregos todos os meses desde que a lei foi promulgada.

    Imagino que não vamos concordar em relação à saúde no futuro próximo. Mas deve haver outras maneiras em que os dois partidos possam promover a segurança econômica.

    Bao Dandan - 12.jan.2016/Xinhua
    Primeira-dama dos EUA, Michelle Obama, é aplaudida antes de discurso de Obama
    Primeira-dama dos EUA, Michelle Obama, é aplaudida antes de discurso de Obama

    Digamos que um americano trabalhador perca seu emprego. Não devemos apenas garantir que ele possa receber seguro-desemprego —deveríamos assegurar que o programa o incentive a fazer um novo treinamento para um emprego em uma empresa disposta a contratá-lo. Se esse novo emprego não pagar tanto quanto o anterior, deve haver um sistema de seguro-salário que garanta que ele ainda possa pagar suas contas. E, mesmo que ele passe de emprego para emprego, ele ainda deve poder poupar para sua aposentadoria e levar suas economias com ele. É assim que fazemos a nova economia funcionar melhor para todos.

    Sei que o presidente da Câmara, Paul Ryan, já falou de seu interesse em combater a pobreza. Na América devemos dar uma mão a todos que se disponham a trabalhar, e eu saudaria uma discussão séria sobre estratégias que todos possamos apoiar, como ampliar os cortes nos impostos para trabalhadores de baixa renda sem filhos.

    Mas há outras áreas nas quais tem sido mais difícil chegar a uma posição comum nos últimos sete anos —ou seja, o papel que o governo deve exercer para garantir que o sistema não seja manipulado em favor das corporações maiores e dos mais ricos. E neste ponto o povo americano tem uma escolha a fazer.

    Acredito que um setor privado florescente é vital para nossa economia. Acho que há regulamentos superados que precisam ser modificados e há burocracia que precisa ser eliminada. Mas, depois de anos em que as empresas apresentaram lucros recordes, as famílias trabalhadoras não terão mais oportunidades nem receberão salários maiores se deixarem os grandes bancos, as grandes empresas petrolíferas ou os fundos hedge criarem suas próprias regras, às expensas de todo o resto da sociedade, nem se permitirem que os ataques à negociação coletiva fiquem sem resposta.

    Não foram as pessoas que recebem vales-alimentação que causaram a crise financeira —foi a insensatez de Wall Street. Os imigrantes não são a razão pela qual os salários não têm subido —essas decisões são tomadas pelos conselhos de direção de empresas, que muitas vezes priorizam os ganhos trimestrais em detrimento dos retornos de longo prazo. Com toda certeza, não é a família comum que assiste a este discurso hoje que sonega impostos, usando contas em paraísos fiscais.

    Nesta nova economia, os trabalhadores, as start-ups e as pequenas empresas precisam de mais voz, e não menos. As regras precisam funcionar a seu favor. E este ano eu pretendo favorecer as muitas empresas que entenderam que tratar seus funcionários corretamente acaba beneficiando seus acionistas, seus clientes e suas comunidades, para que possamos difundir essas práticas excelentes por todo o país.

    Na verdade, muitos de nossos melhores cidadãos corporativos são também os mais criativos. Isso me conduz à segunda grande pergunta que precisamos responder como país: como reacender aquele espírito de inovação para fazer frente a nossos maiores desafios?

    Sessenta anos atrás, quando os russos nos ultrapassaram para chegar ao espaço antes de nós, não negamos que o Sputnik estava no espaço. Não discutimos o lado científico disso nem reduzimos nosso orçamento de pesquisas e desenvolvimento. Construímos um programa espacial praticamente da noite para o dia e, 12 anos mais tarde, estávamos caminhando sobre a Lua.

    Esse espírito de descoberta está em nosso DNA. Nós somos Thomas Edison, os irmãos Wright e George Washington Carver. Somos Grace Hopper, Katherine Johnson e Sally Ride. Somos todo imigrante e empreendedor de Boston a Austin e ao Vale do Silício, correndo para moldar um mundo melhor. E, nos últimos sete anos, nutrimos esse espírito.

    Protegemos a internet aberta e demos passos ousados para dar acesso à internet a mais estudantes e americanos de baixa renda. Lançamos centros manufatureiros da próxima geração, além de ferramentas online que oferecem a um empreendedor tudo o que ele ou ela precisa para abrir uma empresa em um dia apenas.

    Nicholas Kamm - 12.jan.2016/AFP
    Presidente dos EUA, Barack Obama, discursa no Congresso americano, em Washington
    Presidente dos EUA, Barack Obama, discursa no Congresso americano, em Washington

    Mas podemos fazer muitíssimo mais. No ano passado o vice-presidente [Joe] Biden disse que, com um novo programa espacial, a América poderá curar o câncer. No mês passado ele trabalhou com este Congresso para dar aos cientistas dos Institutos Nacionais de Saúde os recursos mais fortes que eles tiveram em mais de uma década. Estou anunciando hoje um novo esforço nacional nesse sentido. E, porque ele já lutou por todos nós em tantas questões nos últimos 40 anos, estou colocando Joe na direção do Controle de Missão.

    Em nome dos entes queridos que todos nós já perdemos, em nome da família que ainda podemos formar, façamos da América o país que cura o câncer de uma vez por todas.

    As pesquisas médicas são cruciais. Precisamos do mesmo grau de engajamento quando se trata de desenvolver fontes de energia limpa.

    Veja bem, se alguém ainda quiser contestar o argumento científico das mudanças climáticas, que fique à vontade. Você se sentirá solitário porque estará contestando nossas Forças Armadas, a maioria dos líderes empresariais da América, a maioria do povo americano, a comunidade científica quase que inteira e 200 países em todo o mundo que concordam que esse é um problema e pretendem resolvê-lo.

    Mas, mesmo que o planeta não estivesse em jogo; mesmo que 2014 não tivesse sido o ano mais quente da história —até que 2015 foi ainda mais quente—, por que quereríamos abrir mão da chance de empresas americanas produzirem e venderem a energia do futuro?

    Sete anos atrás fizemos o maior investimento isolado em energia limpa de nossa história. Os resultados estão aqui. Em campos do Iowa ao Texas, a energia eólica hoje custa menos que a energia convencional, mais suja. Em telhados do Arizona a Nova York, a energia solar está permitindo que americanos poupem dezenas de milhões de dólares por ano em contas de energia e está empregando mais americanos que o carvão, em empregos que pagam mais que a média.

    Estamos tomando medidas para dar aos donos de casa própria a liberdade de gerar e armazenar sua própria energia —algo que ambientalistas e partidários do Tea Party se uniram para apoiar. Enquanto isso, reduzimos em quase 60% nossas importações de petróleo estrangeiro e cortamos a poluição por carbono mais que qualquer outro país do mundo. A gasolina a menos de US$ 2 o galão também não está nada mal.

    Agora precisamos acelerar a transição de uma energia suja para uma limpa. Em lugar de subsidiar o passado, precisamos investir no futuro, especialmente nas comunidades dependentes dos combustíveis fósseis. É por isso que vou fazer pressão para mudar o modo como administramos nossos recursos petrolíferos e de carvão, para que reflitam melhor os custos que impõem a nossos contribuintes e ao planeta. Desse modo injetaremos dinheiro de volta nessas comunidades e colocaremos dezenas de milhares de americanos trabalhando para construir um sistema de transportes do século 21.

    Nada disso acontecerá da noite para o dia, e, sim, há muitos interesses arraigados que querem proteger o status quo. Mas os empregos que vamos gerar, o dinheiro que vamos poupar e o planeta que vamos preservar —esse é o tipo de futuro que nossos filhos e netos merecem.

    As mudanças climáticas são apenas uma das questões nas quais nossa segurança está ligada ao resto do mundo. E é por isso que a terceira grande pergunta que precisamos responder é como conservar a América forte e em segurança sem nos isolarmos ou tentarmos "construir nações" em toda parte onde há um problema.

    Eu disse antes que toda a conversa sobre o declínio econômico da América é conversa furada. Bem, a mesma coisa se aplica ao que se ouve sobre nossos inimigos supostamente estarem ficando mais fortes e a América supostamente se enfraquecendo. Os Estados Unidos da América é o país mais poderoso da Terra. Ponto final. Não há nenhum outro que chegue perto.

    Gastamos mais com nossas Forças Armadas que os oito países seguintes juntos. Nossas tropas são a melhor força de combate na história do mundo. Nenhum país se atreve a nos atacar ou atacar nossos aliados, porque sabe que esse seria o caminho para a ruína. Pesquisas mostram que nossa posição no mundo está mais forte do que era quando eu fui eleito à Presidência, e, quando se trata de toda questão internacional importante, as pessoas do mundo não esperam que Pequim ou Moscou lidere —elas recorrem a nós.

    Sendo eu uma pessoa que começa cada dia com um briefing de inteligência, sei que nossos tempos são perigosos. Mas isso não se deve a qualquer redução da força americana ou ao surgimento de uma alguma superpotência. No mundo de hoje, somos ameaçados não tanto por impérios do mal quanto por Estados falidos.

    O Oriente Médio está passando por uma transformação que vai se arrastar por uma geração e cujas origens estão em conflitos que datam de milênios. Ventos econômicos contrários sopram, vindos de uma economia chinesa em transição. Ao mesmo tempo em que sua economia se contrai, a Rússia está injetando recursos a rodo para respaldar a Ucrânia e a Síria, Estados que vê escapando de sua órbita. E o sistema internacional que construímos depois da Segunda Guerra Mundial está tendo dificuldade em acompanhar esta nova realidade.

    Cabe a nós ajudar a reconstruir esse sistema. E isso quer dizer que precisamos definir prioridades.

    A prioridade número um é proteger o povo americano e combater as redes terroristas. Tanto a Al Qaeda quanto o Estado Islâmico (EI) hoje representam uma ameaça direta à nossa população, porque no mundo de hoje mesmo um mero punhado de terroristas que não dão valor à vida humana, incluindo a deles próprios, pode causar grandes danos. Esses terroristas usam a internet para envenenar as mentes de indivíduos em nosso país; eles enfraquecem nossos aliados.

    Mas, enquanto nos concentramos em destruir o EI, alegações exageradas de que esta seria a Terceira Guerra Mundial apenas beneficiam essa organização. Multidões de combatentes em caminhões e pessoas de mente distorcida conspirando em apartamentos ou garagens representam um perigo enorme a civis e precisam ser barrados. Mas não constituem ameaça à nossa existência nacional. Essa é a história que o EI quer contar; esse é o tipo de propaganda que ele utiliza para recrutar. Não precisamos reforçar sua imagem para mostrar que somos sérios, nem precisamos afastar aliados vitais nesta luta, ecoando a mentira de que o EI é representante de uma das maiores religiões do mundo. Só precisamos descrevê-los como aquilo que eles são: assassinos e fanáticos que precisam ser localizados, caçados e destruídos.

    É exatamente isso o que estamos fazendo. Há mais de um ano a América lidera uma coalizão de mais de 60 países para cortar o acesso do EI a recursos financeiros, obstruir seus complôs, barrar o fluxo de combatentes terroristas e exterminar sua ideologia perversa. Com quase 10 mil ataques aéreos, estamos eliminando seus líderes, seu petróleo, seus campos de treinamento e seus armamentos. Estamos treinando, armando e dando suporte a forças que estão constantemente recuperando territórios no Iraque e Síria.

    Se este Congresso for sério em seu desejo de vencer esta guerra e se quiser transmitir uma mensagem a nossas tropas e ao mundo, vocês devem finalmente autorizar o uso de força militar contra o EI. Façam uma votação. Mas o povo americano precisa saber que, com ou sem ação por parte do Congresso, o EI vai aprender as mesmas lições que terroristas anteriores.

    Bao Dandan - 12.jan.2016/Xinhua
    Presidente dos EUA, Barack Obama, distribui cumprimentos no Capitólio antes de discursar
    Presidente dos EUA, Barack Obama, distribui cumprimentos no Capitólio antes de discursar

    Se vocês duvidarem do engajamento da América —ou do meu— em fazer com que a justiça seja feita, perguntem a Osama bin Laden. Perguntem ao líder da Al Qaeda no Iêmen, que foi eliminado no ano passado, ou ao responsável pelos ataques em Benghazi, que está numa cela de prisão. Quando vocês atacarem americanos, nós os atacaremos. Pode demorar, mas temos memória longa, e nosso alcance não tem limites.

    Nossa política externa precisa ser focada sobre a ameaça do EI e da Al Qaeda, mas não pode ficar apenas nisso. Pois, mesmo sem o EI, a instabilidade vai continuar por décadas em muitas partes do mundo —no Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão, em partes da América Central, África e Ásia.

    Alguns desses lugares podem tornar-se refúgios seguros de novas redes terroristas; outros sofrerão conflitos étnicos ou fome, alimentando a próxima onda de refugiados. O mundo vai esperar que nós o ajudemos a resolver esses problemas, e nossa resposta precisa ser mais que apenas um discurso intransigente ou chamados para lançar bombardeios abrangentes sobre civis. Isso pode funcionar como propaganda na TV, mas não é aceitável no palco mundial.

    Tampouco podemos tentar tomar conta e reconstruir cada país que mergulha em crise. Isso não é liderança —é uma receita para afundar em atoleiros e jogar fora sangue e recursos americanos, algo que, em última análise, nos enfraquece. Essa é a lição que o Vietnã e o Iraque nos ensinaram, e que já deveríamos ter aprendido.

    Felizmente, existe uma abordagem mais inteligente, uma estratégia paciente e disciplinada que faz uso de todos os elementos de nosso poder nacional. Ela diz que a América sempre agirá, sozinha se for necessário, para proteger nossa população e nossos aliados; mas que, em questões de interesse global, mobilizaremos o mundo para trabalhar conosco e asseguraremos que outros países contribuam conforme suas possibilidades.

    É essa nossa abordagem para conflitos como o da Síria, onde formamos parcerias com forças locais e importantes esforços internacionais para ajudar essa sociedade fraturada a buscar uma paz duradoura.

    Foi por isso que formamos uma coalizão internacional, com sanções e diplomacia pautada por princípios, para impedir que o Irã se dotasse de armas nucleares. Neste momento o Irã reverteu seu programa nuclear, enviou seu estoque de urânio para fora do país, e o mundo evitou outra guerra.

    Foi assim que impedimos o ebola de alastrar-se pela África ocidental. Nossas forças militares, nossos médicos e nossos funcionários de organizações de desenvolvimento ergueram a plataforma que permitiu que outros países se unissem a nós para eliminar aquela epidemia.

    Foi assim que forjamos um Acordo Transpacífico para abrir mercados, proteger trabalhadores e o meio ambiente e fomentar a liderança americana na Ásia. A Parceria corta 18 mil impostos sobre produtos Made in America e fomenta mais empregos bons. Com ela, a China não define as regras na região —somos nós que o fazemos. Vocês querem mostrar nossa força neste século? Aprovem esse acordo. Deem-nos as ferramentas para implementá-lo.

    Cinquenta anos de isolamento de Cuba não tinham promovido a democracia, deixando-nos no atraso na América Latina. Foi por isso que restauramos as relações diplomáticas, abrimos as portas às viagens e ao comércio e nos posicionamos para melhorar a vida do povo cubano. Vocês queremos consolidar nossa liderança e credibilidade no hemisfério? Reconheçam que a Guerra Fria acabou. Ponham fim ao embargo.

    A liderança americana no século 21 não é uma opção entre ignorar o resto do mundo —exceto quando matamos terroristas— ou ocupar e reconstruir qualquer sociedade que esteja se desfazendo. A liderança significa a aplicação sensata da força militar, significa unir o mundo atrás de causas justas. Significa enxergar nossa assistência externa como parte de nossa segurança nacional, não como caridade.

    Quando lideramos quase 200 países para fechar o mais ambicioso acordo da história para combater as mudanças climáticas, isso ajuda os países vulneráveis, mas também protege nossos filhos. Quando ajudamos a Ucrânia a defender sua democracia ou a Colômbia a resolver uma guerra que se arrasta há décacas, isso fortalece a ordem internacional da qual todos dependemos. Quando ajudamos países africanos a alimentar sua população e dar assistência aos doentes, isso impede que a próxima pandemia chegue a nosso país. Neste momento estamos seguindo o mesmo caminho para buscar acabar com o flagelo do HIV/Aids, e temos a capacidade de realizar a mesma coisa com a malária; vou pressionar este Congresso para obter verbas para isso este ano.

    Isso é força. Isso é liderança. E esse tipo de liderança depende do poder de nosso exemplo. É por isso que vou continuar a trabalhar para fechar a prisão de Guantánamo : ela é cara, é desnecessária e serve apenas como propaganda de recrutamento para nossos inimigos.

    É por isso que precisamos rejeitar qualquer política que discrimine as pessoas por sua raça ou religião. Não se trata de correção política. É questão de entender o que nos faz fortes. O mundo nos respeita não apenas por nosso arsenal —ele nos respeita por nossa diversidade, nossa abertura e o modo como respeitamos todas as religiões.

    Sua Santidade, o papa Francisco, disse a esta Câmara, falando exatamente aqui onde estou hoje, que "imitar o ódio e a violência de tiranos e assassinos é a melhor maneira de tomar seu lugar". Quando políticos insultam muçulmanos, quando uma mesquita é depredada ou uma criança é agredida, isso não fomenta nossa segurança. Isso significa falar mentiras. É errado. Isso nos diminui aos olhos do mundo. Faz com que seja mais difícil alcançar nossas metas. E trai quem somos, como país.

    "Nós, o Povo." Nossa Constituição começa com essas três palavrinhas, palavras que hoje reconhecemos que significam todas as pessoas, não apenas algumas; palavras que insistem que devemos ascender e cair juntos. Isso me conduz à quarta e possivelmente mais importante coisa que quero dizer hoje.

    O futuro que desejamos —oportunidade e segurança para nossas famílias; a elevação do padrão de vida e um planeta sustentável e pacífico para nossos filhos— está ao nosso alcance. Mas só se concretizará se trabalharmos em conjunto. Só se realizará se pudermos ter debates racionais e construtivos. Só se realizará se consertarmos nossa política.

    Uma política melhor não quer dizer que precisamos concordar em relação a tudo. Este é um país grande, com regiões, atitudes e interesses diferentes. Também esse é um de nossos pontos fortes. Os fundadores da América distribuíram o poder entre os Estados e os ramos do governo e previram que discutíssemos, como eles discutiam, sobre as dimensões e a forma do governo, sobre o comércio e as relações exteriores, sobre o significado da liberdade e os imperativos da segurança.

    Mas a democracia requer que existam vínculos básicos de confiança entre seus cidadãos. Ela não funciona se pensarmos que as pessoas que discordam de nós são todas motivadas por más intenções ou que nossos adversários políticos são antipatrióticos. A democracia atola quando não existe disposição de diálogo; ou quando mesmo os fatos básicos são contestados e damos ouvidos apenas àqueles que concordam conosco. Nossa vida pública murcha quando apenas as vozes mais extremas recebem atenção. Sobretudo, a democracia atola quando a pessoa comum sente que sua voz não tem importância; quando o sistema é manipulado para favorecer os ricos, os poderosos ou interesses estreitos.

    Hoje há americanos demais que sentem que a situação atual é esta. Essa é uma das poucas coisas de minha Presidência que eu lamento —que o rancor e a desconfiança entre os partidos se agravou, em vez de diminuir. Não há dúvida de que um presidente que tivesse os dons de Lincoln ou Roosevelt poderia ter feito um trabalho melhor de lançar uma ponte sobre essa divisão, e eu garanto que continuarei a tentar fazer melhor enquanto eu ocupar esta Presidência.

    Mas, meus concidadãos americanos, essa não pode ser uma tarefa apenas minha —ou de qualquer presidente. Há muita gente aqui presente que gostaria de ver mais cooperação ou um debate mais elevado em Washington, mas que se sente enredada pelas exigências de se fazer eleger. Eu sei; vocês me contaram. E, se queremos uma política melhor, não basta mudar um deputado, um senador ou mesmo um presidente; precisamos mudar o sistema para que ele reflita nosso lado melhor.

    Precisamos acabar com a prática de delimitar nossos distritos congressionais de modo que os políticos possam escolher seus eleitores, e não vice-versa. Precisamos reduzir a influência do dinheiro sobre a política, para que um punhado de famílias e interesses ocultos não possam financiar nossas eleições —e, se nossa abordagem atual ao financiamento de campanhas não for aprovado nos tribunais, precisamos colaborar para encontrar uma solução real. Precisamos facilitar o voto, não dificultá-lo, e modernizá-lo para adequá-lo ao modo como vivemos hoje. Ao longo deste ano, pretendo percorrer o país para fazer campanha por reformas nesse sentido.

    Mas não posso fazer essas coisas sozinho. Mudanças em nosso processo político —não apenas mudanças em relação a quem é eleito, mas a como é eleito-só, vão acontecer quando o povo americano as exigir. Isso vai depender de vocês. É isso o que significa um governo do povo, pelo povo e para o povo.

    O que estou pedindo é difícil. É mais fácil ser cínico —aceitar que mudanças não são possíveis, que a política é um caso perdido, e acreditar que nossas vozes e ações não têm peso. Mas, se desistirmos agora, abriremos mão de um futuro melhor. Aqueles que têm dinheiro e poder vão aumentar seu controle sobre as decisões que podem enviar um jovem soldado à guerra, permitir outro desastre econômico ou fazer retroceder os direitos e os direitos de voto iguais que gerações de americanos lutaram e até morreram para conquistar.

    À medida que cresce a frustração, haverá vozes nos incentivando a retroceder para tribos, a fazer de bodes-expiatórios outros cidadãos cuja aparência é diferente da nossa, ou que não oram como nós, ou que não votam como nós ou não têm os mesmos antecedentes que nós.

    Não podemos ceder à tentação de seguir esse caminho. Ele não nos levará à economia que desejamos ou à segurança que queremos, mas, acima de tudo, ele contradiz tudo que nos faz ser objeto de inveja do mundo.

    Assim, meus concidadãos americanos, independentemente de suas crenças, quer vocês prefiram um partido ou partido nenhum, nosso futuro coletivo depende de sua disposição de cumprir suas obrigações como cidadãos. De votar. De se manifestar. De defender outros, especialmente os fracos, especialmente os vulneráveis, cientes de que cada um de nós só está aqui porque alguém, em algum lugar, nos defendeu. A obrigação de permanecer ativos em nossa vida pública, para que ela reflita a bondade, a decência e o otimismo que enxergo no povo americano todos os dias.

    Não será fácil. Nosso tipo de democracia é difícil. Mas posso lhes prometer que daqui a um ano, quando eu não estiver mais na Presidência, estarei ao seu lado como cidadão, inspirado pelas vozes de justiça e de visão, de garra, bom humor e bondade que ajudaram a América a percorrer um caminho tão longo. Vozes que nos ajudam a enxergar a nós mesmos não primeiramente como negros, brancos, asiáticos ou latinos, não como gays ou héteros, imigrantes ou nascidos na América; não como democratas ou republicanos, mas como americanos em primeiro lugar, unidos por uma crença comum. Vozes que o Dr. King acreditava que teriam a palavra final —vozes da verdade desarmada e do amor incondicional.

    Elas estão aí fora, essas vozes. Elas não recebem muita atenção, nem a buscam, mas estão ocupadas fazendo o trabalho que este país precisa que seja feito.

    Eu as enxergo em toda parte quando viajo por este nosso país incrível. Eu vejo vocês. Sei que vocês estão aí. Vocês são a razão por que sinto confiança tão incrível em nosso futuro. Porque eu enxergo sua cidadania discreta e forte o tempo todo.

    DISCURSOS DO ESTADO DA UNIÃO DE OBAMA - O que o presidente dos EUA prometeu nas seis vezes que falou no Congresso

    Vejo isso no trabalhador da linha de montagem que fez turnos extras para manter sua empresa funcionando e no patrão que lhe paga um salário mais alto para mantê-lo no emprego.

    Vejo-o na sonhadora que fica acordada até tarde para terminar seu trabalho de ciências, no professor que chega cedo ao trabalho porque sabe que algum dia essa sonhadora pode encontrar a cura de uma doença.

    Vejo-o no americano que cumpriu sua pena de prisão e sonha em recomeçar a vida —e no empresário que lhe dá uma segunda chance. No manifestante determinado a provar que a justiça tem importância, no policial jovem que faz sua ronda, tratando a todos com respeito, fazendo o trabalho corajoso e discreto de nos manter em segurança.

    Vejo-o no soldado que dá quase tudo para salvar seus irmãos, na enfermeira que cuida dele até ele ter condições de correr uma maratona, e na comunidade que sair às ruas para aplaudir e incentivá-lo.

    É o filho que encontra a coragem para sair do armário e anunciar quem é realmente e o pai cujo amor por seu filho fala mais alto que tudo que lhe foi ensinado.

    Vejo isso na mulher idosa que aguarda numa fila para depositar seu voto na urna, enquanto ainda tem condições; no cidadão novo que vai votar pela primeira vez; nos voluntários nas eleições que acreditam que cada voto precisa contar, porque cada um deles, de maneiras diferentes, sabe o quanto vale esse direito precioso.

    Essa é a América que conheço. É o país que amamos. De olhar direto. De coração grande. Otimista, acreditando que a verdade desarmada e o amor incondicional terão a palavra final. É isso que me faz sentir tanta esperança em nosso futuro. Por causa de vocês. Acredito em vocês. É por isso que estou aqui, confiante em que o Estado de nossa União é forte.

    Obrigado. Deus os abençoe e Deus abençoe os Estados Unidos da América.

    Tradução de Clara Allain

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