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    Países vizinhos que antes recebiam refugiados sírios agora os devolvem

    PHILIP ISSA
    DA ASSOCIATED PRESS, EM BEIRUTE

    14/01/2016 13h22

    Após receber um milhão de refugiados sírios, o Líbano discretamente mudou de rumo nos últimos meses, forçando refugiados a regressar à Síria —onde se encontram em risco de perseguição ou morte— ou a permanecer de forma ilegal, deixando-os vulneráveis a explorações e abusos.

    A situação está chamando a atenção em um momento em que a Turquia e a Jordânia também apertaram suas políticas de admissão. Um relatório da Human Rights Watch (HRW) publicado na terça-feira (12) advertiu que as novas normas do Líbano "prepararam o terreno para uma situação potencialmente explosiva".

    Patrick Baz - 12.jan.2016/AFP
    Menino refugiado sírio pede esmola a motoristas no bairro de Jdeideh, na zona norte de Beirute, no Líbano
    Menino refugiado sírio pede esmola a motoristas no bairro de Jdeideh, no norte de Beirute, no Líbano

    Apesar de as condições na Síria se deteriorarem em um quinto ano de guerra, o Líbano na semana passada repatriou à força 407 sírios que ficaram detidos no aeroporto de Beirute depois que a Turquia aumentou suas restrições de vistos com pouco aviso prévio. Foi, de longe, o maior repatriamento forçado desse estilo até o momento.

    A ONG Anistia Internacional considerou a ação "uma violação ultrajante das obrigações internacionais do Líbano", que estabelecem não devolver pessoas vulneráveis a uma zona de conflito.

    "Os sírios não têm nenhum valor aqui. Eles fecharam a porta para nós", disse um refugiado de 34 anos de Raqqa, a capital de facto do Estado Islâmico no nordeste da Síria, que agora vive e trabalha como porteiro em Beirute. Ele se recusou a ser identificado por medo de expulsão.

    Em 2015, o Líbano reverteu uma política de portas abertas para sírios de longa duração, que lhes permitia entrar no país e residir ali de forma relativamente livre.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Agora, no mínimo eles têm que pagar US$ 200 (R$ 804) por adulto para obter uma autorização que dura entre seis e 12 meses, concedida através de um caro processo burocrático que acompanha cada pedido.

    Nadim Houry, diretor interino de Meio Oriente da Human Rights Watch, disse que a maioria dos refugiados perdeu seu status legal ao longo do ano passado por causa das novas normas.

    "Essa não é só uma noção abstrata. Se você não tem a condição de legal, basicamente não pode passar por nenhum posto de controle. Então os homens não podem sair de casa", disse Houry.

    Os postos de controle de segurança se acumulam o Vale do Bekaa e o norte libanês, onde está vivendo a maioria dos sírios que chegam ao país vizinho.

    "Isso significa que você tem que mandar as crianças para o trabalho, porque elas não são paradas. Também significa que, se uma mulher é atacada sexualmente, ela não pode recorrer à polícia, porque será presa", disse Houry.

    A situação é similar na Jordânia, que insiste em dizer que manteve suas fronteiras abertas aos refugiados sírios desde o início do conflito em 2011, mas que restringiu de forma crescente sua política de admissão.

    Uma remota faixa de terra no deserto entre a Síria e a Jordânia vem sendo a única rota de acesso por terra para os refugiados sírios desde meados de 2013. Nos últimos meses, um crescente número de refugiados se concentrou em uma área perto de um terreno, aguardando entrada no país.

    O porta-voz do governo, Mohammed Momani, disse no início desta semana que cerca de 16 mil refugiados estão reunidos ali. Ele disse que entre 50 e cem entram diariamente, e que a prioridade é dada a mulheres, crianças, idosos e doentes, além de acrescentar que "a segurança é a prioridade número um".

    O Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) alertou em dezembro que as condições no terreno estão se deteriorando e que a maioria dos que esperam por admissão, geralmente por meses, é composta por mulheres e crianças.

    O comissariado diz que a Jordânia abriga cerca de 630 mil refugiados. Nos últimos meses, milhares deixaram o país de avião para a Turquia e daí para a Europa, enquanto outros voltaram à Síria.

    O êxodo foi detonado, em parte, pelos novos cortes na assistência para refugiados, por agências humanitárias sem dinheiro.

    A Turquia, que tem mais de dois milhões de refugiados, começou na semana passada a implementar restrições de visto para sírios que entrem no país, como parte dos seus esforços para deter o fluxo de imigrantes rumo à Europa.

    Essa decisão, que se aplica aos sírios que chegam à Turquia por via aérea ou marítima vindos de terceiros países, reverteu um acordo de longa data, que permitia aos sírios a entrada sem visto. Não se aplica a sírios que cruzam a fronteira para fugir do conflito.

    Os sírios no Líbano agora devem contar com o precário estado de refugiados registrados pela ONU, ou encontrar um cidadão libanês que os patrocine.

    A Human Rights Watch (HRW) disse que os obstáculos no caminho da ONU estavam empurrando os sírios cada vez mais para o obscuro negócio do patrocínio, que Houry disse ser uma "receita para abusos".

    Dos 40 refugiados entrevistados para o relatório da HRW, apenas quatro conseguiram renovar sua residência desde janeiro de 2015.

    recorde de refugiados

    Mais de um milhão de sírios estão registrados como refugiados pela Acnur no Líbano —o equivalente a um quarto da população residente—, apesar de que o número diminuiu ao longo do ano passado, já que famílias voltaram à Síria ou tentaram uma arriscada fuga para a Turquia ou para a Europa.

    Mais de 90% dos refugiados estão afundados em dívidas e 70% deles vivem abaixo da linha de pobreza, de acordo com um estudo recente da ONU.

    OPOSIÇÃO

    O sentimento contrário aos refugiados se instalou na frágil ordem política libanesa à medida que a guerra na Síria prossegue.

    Em outubro de 2014, meses antes de as novas normas de residência entrarem em vigor, o governo votou a interrupção do recebimento de refugiados, e em janeiro proibiu a Acnur de continuar com os registros.

    A ONU estima que cerca de metade da população da Síria foi deslocada, talvez o indicador mais extremo da brutalidade da guerra.

    Outro refugiado sírio em Beirute, que se identificou como de Abu Ali para manter seu anonimato às autoridades libanesas, disse que chegou ao Líbano em 2012 e que neste ano perdeu sua residência por causa das novas normas.

    "Não posso colocar minha filha na escola porque agora nós somos ilegais que moram no país", ele disse, em entrevista dada em uma lanchonete de Beirute, onde trabalha.

    Sem opções no Líbano, algumas famílias juntaram recursos para mandar um marido ou filho à Turquia, onde podem rumar à Europa, em busca de asilo.

    Uma autoridade do departamento de Segurança Geral do Líbano, responsável pelo controle de fronteiras e imigração, negou que as novas restrições tenham por objetivo forçar os sírios a voltar de onde vieram.

    "Houve muita pressão na nossa fronteira e tivemos que organizar nossos critérios de entrada", disse o funcionário, que falou sob a condição de anonimato, de acordo com as normas. "Não é para forçar as pessoas a sair."

    Tradução de DENISE MOTA

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