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    análise

    Venezuela decide retornar para socialismo do século 20

    CLÓVIS ROSSI
    COLUNISTA DA FOLHA

    15/01/2016 20h06

    O presidente Nicolás Maduro trocou o socialismo do século 21, a caminho de estrepitoso fracasso, para voltar ao socialismo do século 20, que já fracassou até mesmo em Cuba, o modelo em que se baseia o bolivarianismo venezuelano.

    O decreto de emergência econômica editado nesta sexta-feira (15) dá um gigantesco passo para estatizar meios de produção de bens de primeira necessidade –característica central do velho socialismo– ao autorizar a intervenção do Executivo no setor privado, em seus "canais de distribuição, centros de armazenamento, beneficiadoras, matadouros, bens e demais estabelecimentos para garantir o abastecimento oportuno de alimentos aos venezuelanos assim como outros bens de primeira necessidade".

    Marco Bello/Reuters
    Pessoas fazem fila em frente a supermercado em Caracas; Nicolás Maduro decretou emergência econômica
    Pessoas fazem fila em frente a supermercado em Caracas; presidente decretou emergência econômica

    Ou, como simplifica Asdrubal Oliveros, da consultoria Ecoanalítica: "Estamos falando de que o Estado pode fazer o que lhe der vontade".

    Já Shannon O'Neil, especialista em América Latina do Council on Foreign Relations, vê no decreto o dedo do novo ministro de Economia, o jovem marxista Luis Salas, 35, "mais rígido ideologicamente e mais dogmático" que seus antecessores.

    Salas acredita piamente na tese de que os problemas da Venezuela decorrem da "guerra econômica" que o setor privado moveria contra o governo. Nada mais natural que, ao assumir o comando da Economia, declare guerra ao setor privado.

    Shannon vê também um lado populista no decreto, na medida em que promete a intervenção do Estado para garantir o abastecimento, cujas carências brutais foram claramente um dos motivos pelos quais o eleitorado deu folgada vitória à oposição nas eleições de 6 de dezembro.

    A propósito: nesta mesma sexta-feira, o Banco Central finalmente revelou dados sobre a economia do país, entre eles o de que o desabastecimento afeta até 87% dos produtos.

    A ameaça de volta ao socialismo do século 20, no entanto, parece mais um gesto desesperado do que um programa articulado.

    Começa pelo fato de que a emergência durará 60 dias. É pouquíssimo provável que os bens essenciais voltem ao mercado nesse período, até porque a intervenção anterior do Estado —na forma de criação de mercados populares— fracassou: até neles falta muita coisa, como se evidencia pelos dados do BC.

    O novo pacote, de todo modo, é um desafio à oposição, que prega exatamente o contrário, ou seja, o levantamento dos controles sobre preços, sobre importações e sobre o câmbio.

    Dará certo agora uma radicalização de um modelo até aqui fracassado?

    "O modelo é insustentável", responde Shannon O'Neil. Completa: "A economia está afundando (retrocedeu 8,2% em 2015, segundo o Banco Mundial), a inflação está fora de controle (de fato os dados desta sexta do BC mostram inflação anualizada, até setembro passado, de 141,5%)".

    Mas o pacote tem também um desafio à oposição, já que será enviado à nova Assembleia Nacional, com prazo de oito dias para ratificá-lo. Diz Asdrubal Oliveros: "A Assembleia poderia rechaçar o decreto ou tentar modificá-lo, e a resposta do governo seria dizer que a maioria oposicionista não quer corrigir a crise. Parece que buscam o confronto total e, ademais, desviar a atenção da crise."

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