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    Sem solução, morte de promotor evidencia frágil Justiça argentina

    LUCIANA DYNIEWICZ
    DE BUENOS AIRES

    18/01/2016 02h00

    Enrique Marcarian/Reuters
    Manifestantes seu reúnem, em ato protesto para exigir respostas do governo na misteriosa morte do promotor Alberto Nisman, no icônico Plaza de Mayo, em Buenos Aires (Argentina). *** Protesters hold a banner during a silent march to honor late state investigator Alberto Nisman in Buenos Aires February 18, 2015. Tens of thousands of Argentines are expected to march in silence through Argentina's capital, Buenos Aires, on Wednesday evening to honor Nisman, a state investigator who was poised to detail evidence behind his accusations that Argentine President Cristina Fernandez plotted to cover up his investigation into a 1994 bombing. Nisman was found dead with a single bullet to the head on January 18. The banner reads, "Homage to investigator Nisman. March of Silence." REUTERS/Enrique Marcarian (ARGENTINA - Tags: POLITICS CIVIL UNREST CRIME LAW) ORG XMIT: TBR01
    Manifestantes se reúnem em protesto para exigir respostas do governo sobre a morte do promotor Alberto Nisman

    A morte do promotor Alberto Nisman completa um ano nesta segunda-feira (18) sem solução e evidenciando a fragilidade do Poder Judiciário argentino.

    Nisman foi encontrado morto quatro dias após denunciar a ex-presidente Cristina Kirchner por supostamente encobrir o envolvimento do Irã no atentado contra a entidade judaica Amia (Associação Mutual Israelita).

    Seu corpo, com um tiro na cabeça, estava no banheiro de seu apartamento no bairro nobre de Puerto Madero, em Buenos Aires.

    A morte de Nisman e o ataque, que ele investigava como promotor oficial desde 2004, permanecem sem provas concretas e esclarecimentos.

    As provas foram um dos grandes problemas das duas investigações. No caso de Nisman, um vídeo vazado em maio de 2015 mostra peritos limpando com papel higiênico a arma disparada contra a cabeça do advogado.

    As imagens também mostram técnicos caminhando sobre poças de sangue, adulterando a cena do crime.

    Marcos Brindicci - 29.mai.2013/Reuters
    Argentine prosecutor Alberto Nisman, who is investigating the 1994 car-bomb attack on the Argentine Israelite Mutual Association (AMIA) Jewish community center, speaks during a meeting with journalists at his office in Buenos Aires, in this file picture taken May 29, 2013. Nisman, who had accused Argentine President Cristina Fernandez of orchestrating a cover-up in the investigation of Iran over the 1994 bombing, was found dead in his apartment, authorities said on January 19, 2015. REUTERS/Marcos Brindicci/Files (ARGENTINA - Tags: POLITICS CRIME LAW HEADSHOT OBITUARY) ORG XMIT: SIN800
    O promotor argentino Alberto Nisman, 51, morto em janeiro deste ano

    Já as investigações do caso Amia se baseavam no testemunho de Carlos Telleldín. Fornecedor da caminhonete que explodiu, o argentino disse que entregara o veículo a policiais. Mais tarde, porém, descobriu-se que o juiz do caso, Juan Galeano, pagou Telleldín para acusar a polícia.

    O atentado aconteceu em 1994, quando a explosão da caminhonete em frente da associação deixou 85 mortos e cerca de 300 feridos.

    Para o kirchnerista Eugenio Raúl Zaffaroni, ministro da Suprema Corte até 2014, esse caso nunca será resolvido. "Duvido que tenhamos capacidade para isso. Fomos vítimas de um conflito estranho para nós, do Oriente", afirmou à Folha.

    "Há suspeitas de que [a motivação] tenha sido a interrupção da colaboração argentina no programa nuclear do Irã. Mas não há provas."

    Um dos críticos das teorias de Zaffaroni, o jurista Roberto Gargarella, professor da Universidade de Buenos Aires, discorda. "[A falta de solução para os dois casos] é mais um sintoma da deficiência estrutural do sistema judiciário do país", disse.

    Um dos principais problemas, afirma, é a conexão "imprópria" da Justiça com o mundo político.

    Nesse ponto, Zaffaroni converge. "Os políticos interferem nas promoções dos juízes, e uma minoria destes adota posições políticas [nas decisões], mas escondem suas ideologias, maculando o Judiciário."

    FUTURO

    Um decreto publicado na sexta (15) pelo novo presidente, Mauricio Macri, poderá dar novos rumos aos processos. O mandatário ordenou o fim da confidencialidade para toda documentação relacionada à morte do promotor.

    A mudança da classificação pode ter duas consequências. A mais provável é o avanço nas investigações no caso Nisman. Outra, mais remota, é o desarquivamento do processo contra Cristina.

    Após a morte de Nisman, outro promotor assumiu as denúncias que apontavam que a ex-líder havia supostamente fechado um pacto com o Irã. O acordo eximia os responsáveis iranianos pelo atentado terrorista em troca de uma aproximação comercial entre os países, na qual haveria o intercâmbio de petróleo por produtos agrícolas argentinos.

    A Justiça, no entanto, rejeitou duas vezes a acusação no ano passado. Essa postura, porém, pode mudar, segundo Gargarella. "Cada novo governo segue fazendo o possível para tomar o controle do Poder Judiciário."

    ENTIDADE JUDAICA

    "Pensar que não há relação [entre a morte do promotor Alberto Nisman e o atentado à Amia] seria muito ingênuo. Há uma linha condutora entre os casos", disse à Folha Ariel Cohen Sabban, presidente da Daia (Delegação das Associações Israelitas Argentinas).

    Sabban, porém, rejeita afirmar que Nisman foi assassinado. "Quem deve dar essa resposta é a Justiça."

    Para o presidente da entidade, a solução sobre a morte do promotor esclareceria o que aconteceu no atentado de 1994.

    A Daia, que representa politicamente a comunidade judaica na Argentina, defende um julgamento à revelia, no qual os réus não precisam estar presentes.

    O governo de Mauricio Macri deu sinais de que seria favorável a uma lei que permita esse modelo de julgamento. A ferramenta é criticada por juristas por não permitir defesa nem garantir que uma eventual condenação seja cumprida.

    Há oito iranianos suspeitos pelo ataque e considerados foragidos pela Argentina, incluindo o ex-chanceler Ali Akbar Velayat.

    Sobre os negócios bilaterais entre Argentina e Irã, o presidente da Daia diz que o governo de seu país precisa ser cauteloso ao ter "relações comerciais com um país terrorista."

    A Daia organiza nesta segunda-feira (18) um ato para pedir o esclarecimento da morte do promotor Nisman. (L.D.)

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