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    Exigência de monitoramento fez Brasil não aceitar presos de Guantánamo

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    ISABEL FLECK
    DE SÃO PAULO

    22/01/2016 02h00

    O governo brasileiro foi sondado pelo Departamento de Estado dos EUA para acolher prisioneiros iemenitas e sírios da prisão de Guantánamo, mas declinou da oferta diante da exigência de que o grupo fosse monitorado no Brasil e as informações, compartilhadas com a inteligência americana.

    Segundo a Folha apurou, os EUA queriam garantias de que os ex-detentos estariam sob vigilância e não poderiam deixar o país. O governo brasileiro, contudo, considerou que as exigências poderiam violar os direitos dos ex-prisioneiros, já que refugiados têm a permissão, por exemplo, para sair do país.

    Jim Lo Scalzo/Efe
    Manifestantes pedem o fechamento de Guantánamo em frente à Casa Branca, em Washington
    Manifestantes pedem o fechamento de Guantánamo em frente à Casa Branca, em Washington

    O Itamaraty confirma que o Brasil foi sondado, e que a última consulta ocorreu em 2014. "Essas sondagens não evoluíram. O Brasil entende que eventual decisão nesse sentido geraria compromissos e obrigações que devem ser examinadas à luz da legislação brasileira", disse a chancelaria em nota.

    No início de 2014, o então enviado especial do Departamento de Estado para o fechamento de Guantánamo, Clifford Sloan, consultou o então embaixador em Washington e hoje chanceler, Mauro Vieira. Sloan tinha intenção de vir ao Brasil discutir a questão, mas acabou desistindo.

    O clima político na época também não teria ajudado –Brasil e EUA ainda estavam com as relações estremecidas por conta do escândalo de espionagem da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) sobre autoridades brasileiras, ocorrido em 2013.

    Países anfitriões - Número de prisioneiros recebidos por alguns países*

    Na América do Sul, o Uruguai foi o único país que recebeu ex-prisioneiros de Guantánamo, em dezembro de 2014. Como o Brasil tem uma comunidade árabe e muçulmana bem mais expressiva que o vizinho, ativistas pelo fechamento da prisão defendem o país como um bom destino para ex-detentos.

    "A acolhida de homens que ainda estão em Guantánamo seria muito coerente com a política humanitária brasileira e o Brasil estaria contribuindo para solucionar uma crise humanitária na nossa região", diz Laura Waisbich, assessora de Política Externa da Conectas. Ela lembra que o país já facilita a vinda de refugiados sírios.

    Johanna Hortolani, que coordena o programa da ONG britânica Reprieve, de assistência a ex-prisioneiros, reforça: "O Brasil deveria seguir os passos dos países que uniram esforços para fechar Guantánamo, e oferecer abrigo".

    URGÊNCIA

    Um dia antes de a ordem executiva assinada por Barack Obama para fechar Guantánamo completar sete anos nesta sexta (22), o governo americano conseguiu transferir mais dois prisioneiros. Um terceiro decidiu, na última hora, que não queria ser transferido para um país onde não tinha familiares.

    Restam 91 na prisão americana em Cuba –33 deles já tiveram autorização para transferência, mas faltam países dispostos para recebê-los. Por razões de segurança, o governo americano não manda prisioneiros para países instáveis ou em conflito, como Síria e Iêmen, mesmo que sejam os países de origem dos detentos.

    Por isso há um grande número de iemenitas e sírios em busca de países que os aceitem, já que não podem voltar para casa.

    Guantánamo hoje - 91 prisioneiros ainda estão na prisão

    Ante a proximidade do fim do mandato de Obama, em janeiro de 2017, o processo foi acelerado.

    "Depois de um longo período de inatividade, estou vendo um novo sentimento de urgência para transferir presos, e a Casa Branca irá abordar vários países nos próximos seis meses", disse Joy Olson, diretora executiva do Washington Office on Latin America, ONG que faz campanha para que países da região acolham prisioneiros.

    Foram 16 transferências só neste mês e, segundo Olson, a Casa Branca pretende transferir os 33 já liberados até o verão setentrional (junho).

    Para Aliya Hussain, advogada de presos de Guantánamo pela Center for Constitutional Rights, é preciso, porém, mais esforço de Obama para conter a "insubordinação" do Departamento de Defesa.

    "É preciso obrigar o secretário de Defesa a decidir sobre potenciais transferências em, no máximo, 30 dias depois que o pedido chega à sua mesa e assegurar que a Defesa pare de minar as transferências com inação burocrática."

    Hortolani afirma que já há países prontos para receber ex-prisioneiros. "Seria possível transferir uma quantidade considerável de detentos em uma questão de semanas se o governo dos EUA quisesse."

    População carcerária ano a ano* - Quando Obama assume, em 20.jan.2009, a prisão tem 242 detentos

    Para fechar Guantánamo, Obama ainda tem uma batalha com o Congresso sobre os outros prisioneiros, que o governo não considera aptos à libertação. A oposição rechaça enviar detentos de Guantánamo a prisões nos EUA.

    O porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, no entanto, já disse que Obama não descarta o uso de ordem executiva –que equivale a um decreto– para driblar o Congresso.

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