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    Casa Branca abandonou reivindicação de US$ 10 mi em negociação com Irã

    JOEL SCHECTMAN
    YEGANEH TORBATI
    DA REUTERS, EM WASHINGTON

    28/01/2016 07h00

    Nader Modanlo estava diante de mais cinco anos em uma penitenciária federal dos EUA quando recebeu uma proposta extraordinária: o presidente Barack Obama estava disposto a comutar sua sentença como parte do acordo histórico, então ainda secreto, de troca de prisioneiros entre os EUA e o Irã, concretizado neste mês. Ele recusou.

    Para adoçar a oferta, o governo norte-americano decidiu abandonar uma reivindicação de ressarcimento de US$ 10 milhões que pendia contra o engenheiro aeroespacial iraniano, quantia que um júri em Maryland havia caracterizado como pagamento ilegal recebido por ele do Irã, de acordo com entrevistas com Modanlo, advogados envolvidos e autoridades norte-americanas informadas sobre o caso.

    O abandono da reivindicação americana não havia sido reportado anteriormente e pode resultar em escrutínio ainda mais severo sobre o que o governo Obama teve de fazer para fechar um acordo que atraiu críticas dos candidatos à Presidência e legisladores republicanos.

    Um porta-voz do Departamento da Justiça, em Washington, se recusou a comentar sobre o assunto dos US$ 10 milhões, que o júri decidiu serem um pagamento a Modanlo por sua ajuda ao Irã no lançamento do primeiro satélite do país, em 2005.

    Modanlo afirma que o dinheiro era um empréstimo de uma companhia suíça para uma transação de telecomunicações.

    Na troca de prisioneiros, cinco americanos detidos no Irã foram libertados ao mesmo tempo em que sete iranianos acusados ou encarcerados nos EUA recebiam perdões ou comutações de sentença.

    A troca foi executada durante a implementação do histórico acordo de restrição ao programa nuclear iraniano em troca de redução das sanções ao país, em 16 de janeiro.

    Kevin Lamarque/Reuters
    O engenheiro aeroespacial iraniano Nader Modanlo dá entrevista à agência Reuters após sua libertação
    O engenheiro aeroespacial iraniano Nader Modanlo dá entrevista à agência Reuters após sua libertação

    Mesmo depois de receber a oferta mais generosa, em 15 de janeiro, o engenheiro disse que inicialmente não se deixou convencer. Queria a oportunidade de limpar seu nome no tribunal, afirmou.

    "Fiquei decepcionado por ter de abrir mão de meu direito a recorrer", disse Modanlo, 55, à Reuters, em uma de suas primeiras entrevistas depois de ser libertado. "Se eles acreditam em seu sistema de Justiça, por que me privar de acesso a ele? Que provem que eu errei".

    Como parte dos acordos de clemência, os iranianos precisam renunciar a quaisquer reivindicações contra o governo dos EUA. Todos, exceto um, foram acusados de violar as sanções econômicas que os norte-americanos têm em vigor contra o Irã há décadas.

    COMPLICAÇÃO DE ÚLTIMO MINUTO

    A relutância de Modanlo em aceitar a oferta de Obama se tornou uma complicação de último minuto em um acordo no geral muito bem orquestrado com o Irã, negociado em segredo durante meses pelo secretário de Estado norte-americano John Kerry e pelo ministro do Exterior iraniano.

    Modanlo só aceitou a oferta de clemência no sábado, dia 16 de janeiro, quando o relógio se aproximava do prazo definido como final pelas autoridades norte-americanas, de acordo com ele e com funcionários do governo dos EUA.

    O engenheiro foi libertado no dia seguinte de uma penitenciária federal perto de Richmond, Virgínia.

    A libertação marcou uma conclusão abrupta de seu caso, depois de uma ampla investigação, que durou uma década, sobre o papel de Modanlo em intermediar o acesso do Irã à tecnologia espacial. Agentes federais dos EUA recolheram provas relacionadas ao caso dos subúrbios de Washington até a Suíça e a Rússia.

    Modanlo estava cumprindo a mais longa sentença entre os sete iranianos condenados e tinha as conexões mais extensas e estabelecidas com o governo do Irã.

    Ele também foi o único dos prisioneiros a rejeitar inicialmente a oferta de Obama, de acordo com entrevistas com os advogados dos presos.

    Um oficial na seção de interesses iranianos em Washington, que serve como embaixada do país, depôs pela defesa no julgamento de Modanlo, em 2013.

    O mesmo representante iraniano, Fariborz Jahansoozan, teve papel crucial na intermediação da troca de prisioneiros nos últimos meses, disseram os advogados dos prisioneiros.

    "Essa história já está encerrada", disse Jahansoozan, quando contatado pela Reuters, recusando-se a discutir detalhes do caso. "Melhor deixar que a vida siga".

    Depois de dois anos de prisão, o engenheiro afirma que para ele é difícil seguir esse conselho. "Sei que essa nuvem penderá por sobre minha cabeça para sempre", ele disse.

    O AMARGO SONHO AMERICANO

    Modanlo cresceu no norte do Irã, filho de um agricultor rico. Lembra-se de ter assistido, quando criança, à missão Apollo 11, em 1969, que levou astronautas norte-americanos à Lua, e diz que isso o inspirou a se tornar engenheiro espacial.

    Décadas mais tarde, depois de se mudar para os EUA e adquirir cidadania norte-americana, Modanlo se tornou empreendedor no setor aeroespacial, dono de uma companhia avaliada em US$ 500 milhões.

    Ele ajudou a lançar um satélite norte-americano com um foguete russo, em 1995. Sua companhia, Final Analysis, tinha por foco o campo emergente de satélites de órbita baixa para serviços de dados.

    Mas uma série de equívocos de gestão levou à concordata da empresa em 2001, e Modanlo foi processado por um antigo sócio, que o acusou de vender tecnologia para mísseis ao Irã.

    O engenheiro diz que as autoridades norte-americanas usaram essa acusação sobre os mísseis para obter assistência da Suíça na busca de provas contra ele.

    A casa e o escritório de Modanlo em Maryland foram revistados pelas autoridades, que confiscaram um volume imenso de documentos e 120 discos rígidos de computador, mas nenhuma prova que sustentasse a acusação, segundo ele.

    "Eles sabiam que era falso. Sabiam que eu não tinha tecnologia de mísseis", disse.

    A investigação subsequente revelou documentos que a Promotoria afirmava provarem que Modanlo intermediou acordo entre o Irã e a Rússia para o lançamento do satélite e recebeu honorários de US$ 10 milhões.

    Um júri de Maryland o condenou por violação de sanções, depois de seis semanas de julgamento. Modanlo foi sentenciado a oito anos de prisão.

    Em seu recurso, os advogados do engenheiro argumentavam que comunicações privadas entre o juiz e os promotores do caso haviam excluído provas que poderiam ter mudado o veredicto.

    Robert King, um dos juízes que estavam julgando o recurso de Modanlo, advertiu os promotores por essas práticas em uma audiência em outubro.

    O promotor público federal Rod Rosenstein afirmou que as provas contra o engenheiro haviam sido exibidas no tribunal e "confirmavam, para além de qualquer dúvida, que Modanlo ajudou secretamente o Irã a lançar um satélite, por US$ 10 milhões".

    Modanlo se declarou convencido de que o recurso teria sido decidido em seu favor. Mas seu advogado informou que ele teria de abrir mão do recurso e aceitar o confisco dos US$ 10 milhões se optasse por aceitar a oferta de clemência.

    "Tenho de abrir mão do meu direito de processar alguém, mas esse alguém pode manter uma acusação contra mim pelo resto da vida?", indagou o engenheiro. "Depois de uma série de ofertas e contraofertas, eles concordaram em abrir mão do confisco dos US$ 10 milhões."

    Depois que telefonemas de seus advogados e de representantes do Irã não o convenceram a aceitar a oferta de clemência, um apelo choroso e emocionado de sua irmã no Irã o levou a enfim mudar de ideia, diz Modanlo.

    "Se dependesse de mim, jamais teria aceitado o acordo", disse.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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