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    Lição da Primavera Árabe foi trazer protagonismo à população

    FERNANDO BRANCOLI
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    28/01/2016 17h48

    É difícil apontar quando uma revolução começa. Para muitos, a Primavera Árabe teria iniciado em dezembro de 2010, quando um jovem tunisiano, Mohamed Bouazizi, colocou fogo no próprio corpo, desesperado com o desemprego e a violência policial em seu país.

    Por mais simbólica que seja tal ação, os protestos nos países árabes efetivamente começaram um pouco adiante, em 25 de janeiro de 2011.

    Há cinco anos, completos essa semana, multidões iniciaram protestos maciços no Egito, marcando a gênese das movimentações políticas que iriam, meses depois, derrubar o ditador Hosni Mubarak.

    Apesar da dianteira da Tunísia, foi no Egito que os protestos ganharam ampla escala transnacional. A cidade do Cairo —então a capital política, econômica e cultural do etéreo 'mundo árabe'— gerou imagens, estratégias e ideias poderosas que se espalharam rapidamente, modificando todo o norte da África e o Oriente Médio.

    A despeito dos protestos nos distintos países possuírem dinâmicas bastante diferentes —muitos não clamavam por democracia, por exemplo— as manifestações no Egito são emblemáticas pelos seus resultados.

    Após o sucesso em depor Mubarak, há décadas acampado no poder, o país teve um pequeno período de governo democraticamente eleito.

    Passados pouco mais de seis meses, o presidente recém-eleito, Mohammed Mursi, foi derrubado pelas Forças Armadas. A ditadura vivida hoje no país é, em diversos aspectos, ainda mais brutal que a anterior.

    Observando a região, as consequências das revoltas não parecem ter trazido melhorias: a Líbia, após intervenção autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU, se encontra dividida por diversos grupos armados, dentre eles o Estado Islâmico.

    O Bahrein teve seus manifestantes massacrados com ajuda militar da Arábia Saudita. A Síria, que tardiamente registrou protestos, é palco de uma das maiores crises humanitárias da história, com centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados e deslocados internos.

    Esse trágico cenário pode gerar um falso dilema: tais países não estariam prontos para a democracia e apenas governos ditatoriais conseguiriam manter a ordem na região.

    A afirmação, pobre intelectualmente, ignora as múltiplas variáveis sociais e políticas que há décadas assolavam tais países.

    Falta de liberdade política, crise econômica, perseguição de minorias e opressão em diversos graus, galvanizados por tais governos autoritários, foram justamente os principais catalisadores para as manifestações.

    Os protestos, além disso, não ocorreram em um vácuo internacional. Países europeus e os Estados Unidos atuaram de maneira expressiva em todos os casos.

    Na Líbia, como citado, uma intervenção militar derrubou o governo apenas para se retirar posteriormente, deixando o país sem instituições sólidas que garantissem sua estabilidade.

    A Síria é ainda mais emblemática: o país se tornou o campo em que a Rússia tenta sustentar antigas áreas de influência, enquanto Washington articula o apoio contra Bashar Al-Assad sem se comprometer com o envio de tropas.

    Muitos criticam o termo 'Primavera Árabe' para descrever as manifestações. Apontam que foi cunhado por acadêmicos ocidentais, o que denotaria um sequestro do que seria o real significado dos protestos. Essas críticas esquecem que ativistas árabes abraçaram o conceito, apontando novas valorações e sentidos.

    Modificações profundas no tecido social de sociedades não são feitas em pouco tempo. Não será diferente com o caso desta região. Talvez esteja aí a lição da inacabada e ainda em curso primavera: que a população árabe deva ser vista como protagonista do seu futuro e não replicadora passiva de ideias externas.

    FERNANDO BRANCOLI é professor de segurança internacional no curso de defesa e gestão estratégica internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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