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    Terapia para 'conversão de gays' encontra acolhida em Israel

    DANIEL ESTRIN
    DA ASSOCIATED PRESS, EM JERUSALÉM

    05/02/2016 07h00

    Uma organização judaica americana importante que promove uma terapia supostamente capaz de converter gays em heterossexuais foi fechada em dezembro por um tribunal de Nova Jersey, em meio a esforços crescentes nos EUA para frear a prática amplamente desacreditada.

    Mas terapeutas ligados ao grupo fechado disseram ter encontrado acolhida para seu trabalho em Israel.

    O Ministério da Saúde israelense desaconselha a chamada terapia de "conversão de gays" ou "reparadora", qualificando-a de cientificamente dúbia e potencialmente perigosa, mas não há leis que a limitem.

    Os terapeutas que trabalham com isso em Israel dizem que seus serviços são muito procurados, principalmente por homens judeus ortodoxos que querem reduzir a atração que sentem por outros homens para que possam se casar com mulheres e criar famílias tradicionais, como exigem seus valores religiosos conservadores.

    Os clientes também incluem adolescentes judeus dos Estados Unidos e de outros países que participam de programas de estudos pós-secundários em seminários ortodoxos em Israel.

    Metade desses jovens estudam em seminários que exigem que jovens que admitem ter sentimentos homossexuais consultem profissionais que fazem a terapia reparadora. A informação é do Yeshiva Inclusion Project, grupo que orienta possíveis estudantes gays.

    Os proponentes da terapia em Israel dizem que ela não "converte" os pacientes, mas reforça sua autoestima e masculinidade, algo que, para eles, pode reduzir a homossexualidade. Os terapeutas dizem que existe aceitação maior de seu trabalho em Israel que nos EUA.

    "Como existe uma presença religiosa tão forte aqui, e acho que a correção política não é tão prevalente, há mais abertura para este tipo de terapia aqui", disse Elann Karten, psicólogo formado nos EUA e judeu ortodoxo.

    Desde que ele abriu seu consultório em Jerusalém, oito anos atrás, já atendeu cerca de cem pessoas com tendências homossexuais.

    Alguns Estados americanos proibiram esse tipo de terapia para menores de idade.

    A organização Jonah (siga em inglês de Judeus que Oferecem Novas Alternativas de Cura) foi fechada por infringir as leis de Nova Jersey sobre fraude aos consumidores, pelo fato de afirmar que a terapia que oferecia podia curar a homossexualidade.

    Estimados 20 a 30 psicólogos e assistentes sociais licenciados e 50 terapeutas não licenciados praticam alguma forma de terapia de conversão em Israel, disse o rabino Ron Yosef, da organização ortodoxa gay Hod, que pede a adoção de leis contra essa terapia.

    Os gays em Israel que procuraram a Jonah foram encaminhados a alguns desses terapeutas.

    "Estou extremamente preocupado", comentou Chaim Levi, ex-cliente da Jonah nos Estados Unidos e um dos autores de uma ação judicial aberta contra ela em Nova Jersey. "Essa organização está exportando ódio e falsa ciência a Israel. As pessoas precisam tomar conhecimento disso."

    Grandes organizações médicas dos EUA dizem que não há provas de que os esforços para mudar a orientação sexual sejam eficazes. Para elas, essa terapia pode reforçar o ódio do paciente por ele mesmo, a depressão e a automutilação.

    A Associação de Psicólogos de Israel chegou a conclusão semelhante em um documento de 2011 em que se posicionou sobre o assunto, documento que foi adotado pelo Ministério da Saúde israelense no final de 2014.

    Mas a associação também endossou uma alegação dos terapeutas: de que a "correção política" provavelmente impede o financiamento e a publicação de estudos que examinem a potencial eficácia da terapia de reversão.

    O psicoterapeuta Adam Jessel, de Jerusalém, que já trabalhou com centenas de pessoas que querem superar sua homossexualidade, diz que pelo menos quatro grupos de apoio para homens realizam reuniões semanais em Jerusalém. Algumas organizações israelenses também promovem a terapia.

    O grupo americano People Can Change (As Pessoas Podem Mudar) promove em Israel, nos EUA e na Europa um seminário intitulado Jornada para a Masculinidade, que, afirma, ajuda homens a "resolver atrações homossexuais indesejadas".

    Cerca de 50 homens participaram de um seminário no mês passado num local mantido em sigilo, no norte de Israel.

    Kobi - 30.jul.2015/AFP
    UNCROPPED VERSION Yishai Shlissel (C), an ultra-orthodox Jew, raises a knife as he unleashed on an attack stabbing six people taking part in a Gay Pride parade in central Jerusalem on July 30, 2015, seriously wounding two, Israeli police and health services said. Shlissel was released from jail three weeks ago after having served his sentence for a similar attack a decade ago when three marchers were wounded, a police spokesman said. AFP PHOTO / KOBI ORG XMIT: MK4297
    Judeu ultraortodoxo ataca pessoas com faca durante a parada gay em Jerusalém em julho de 2015

    Um estudante judeu ortodoxo de 23 anos vindo dos Estados Unidos comentou que o retiro foi "uma das melhores coisas que já me aconteceram. Sinto que comecei a viver minha vida, em vez de apenas sobreviver a ela".

    O estudante pediu anonimato porque disse que, se sua homossexualidade viesse a público, isso prejudicaria suas chances de se casar e ser aceito em sua comunidade ortodoxa.

    Ele disse que assinou um acordo de confidencialidade que o proíbe de falar sobre as atividades do seminário para não estragar a experiência de participantes futuros.

    Mas um judeu ortodoxo americano de 20 anos que participou do retiro em Israel em 2013 considerou algumas das atividades desenvolvidas "impróprias".

    Ele disse que os participantes foram incentivados a participar de exercícios ditos de "toque saudável", incluindo um chamado "posição de motocicleta", em que um homem se sentava no chão com as pernas abertas e outro se sentava atrás dele na mesma posição, abraçando o primeiro.

    A entidade People Can Change diz que a finalidade desses exercícios é destituir o contato físico entre homens de sua conotação sexual.

    Numa reunião de um grupo de apoio em Jerusalém orientada por um voluntário da Jornada para a Masculinidade foi tocada música de estilo africano; os homens foram vendados e orientados a tirar a roupa, se quisessem.

    Falando anonimamente, porque, afirmou, as sessões do grupo são confidenciais, o orientador disse que o exercício tinha por objetivo ajudar os homens a sentirem-se à vontade com eles mesmos sem que outros os vissem e que alguns dos participantes tiraram apenas a camisa.

    "Quando penso naquilo fico chocado", disse o participante, aludindo aos anos que passou fazendo terapia de conversão.

    Ele disse que na época as atividades do grupo lhe davam uma comunidade que o apoiava, mas que os terapeutas o levaram a pensar que havia algo de errado com ele, ideia que ele hoje rejeita.

    O paciente exigiu anonimato porque disse que seu pai, rabino ortodoxo, enfrentaria polêmica se seu filho se identificasse publicamente como gay.

    Nos últimos anos, foram criadas em Israel organizações de judeus ortodoxos gays, defendendo a aceitação da homossexualidade e mobilizando-se contra as terapias de conversão. Hoje, muitos rabinos em Israel rejeitam as terapias, e menos gays as procuram, disse Yosef, da Hod.

    A advogada Neta Patrick coescreveu um artigo jurídico ainda inédito que tem o objetivo de incentivar ações litigiosas em Israel contra a prática.

    Ela acha que existem bases legais para destituir profissionais de suas licenças se eles não informarem seus clientes sobre a posição do governo israelense em relação à terapia.

    Karten diz que fala a seus pacientes que não pode garantir que a terapia terá êxito, mas que não faz parte normal de sua terapia discutir as posições do governo com seus pacientes.

    "Digamos que um paciente me procura e ele é uma pessoa religiosa. Ele pode abrir a declaração de posição da Associação de Psicólogos de Israel ou pode abrir a Torá", ele disse.

    "Provavelmente olhará para o que diz a associação e dirá 'tudo bem, mas ainda preciso enfrentar este problema. Tenho o sonho de ser marido e pai'."

    Karten apontou para uma gaveta em seu consultório onde guarda convites de casamento de antigos pacientes –"vários", falou.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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