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    Suécia é pressionada a fazer testes para conceder refúgio a adolescentes

    ALISTAIR SCRUTON
    SVEN NORDENSTAM
    DA REUTERS, EM ESTOCOLMO

    05/02/2016 12h12

    Sob forte desgaste devido a um fluxo de crianças desacompanhadas em busca de asilo, o governo da Suécia está enfrentando pressão política para realizar testes médicos, por exemplo exames de raio-X, para verificar a idade de jovens refugiados, apesar da oposição de médicos e advogados.

    A controvérsia reflete as tensões quanto à disparada na imigração para o país nórdico de 10 milhões de habitantes, depois de reações adversas da opinião pública que resultaram na reativação dos controles na fronteira entre o país e a Dinamarca, país do qual a maior parte dos refugiados ingressa na Suécia.

    Jessica Gow - 8.jan.2016/Reuters
    Crianças sírias são cobertas à espera de atendimento no centro de imigração em Marsta, na Suécia
    Crianças sírias são cobertas à espera de atendimento no centro de imigração em Marsta, na Suécia

    No ano passado, a Suécia aceitou 163 mil pessoas em busca de asilo, a maior proporção per capita na Europa. Esses refugiados são parte do total estimado em um milhão de pessoas que acorreram ao continente fugindo de conflitos e privações no Oriente Médio, África e Ásia.

    Mais de um quinto —35 mil— dos que chegaram à Suécia eram crianças desacompanhadas, o que superlotou serviços como as escolas.

    Casos de violência e agressões nos centros que recebem menores agravaram a inquietação do público e endureceram a rejeição aos imigrantes, em um país renomado por sua política humanitária e pelas portas abertas aos perseguidos de todo o planeta.

    Muitos dos refugiados chegam sem documentos de identidade, o que deixa para a Suécia a tarefa de verificar suas idades reais a fim de garantir que adultos —definidos como pessoas maiores de 18 anos— não estejam se passando por menores para conseguir asilo.

    Preocupados com a possibilidade de que jovens com mais de 18 anos estejam engrossando as fileiras dos refugiados, muitos dos partidos oposicionistas suecos estão apelando por testes médicos.

    Mesmo o governo apelou por mais testes não médicos, enquanto espera que se resolva o impasse legislativo quanto a propostas de reforma apresentadas pelas autoridades em abril.

    Existe grande incentivo para que um refugiado se declare menor de idade. Os menores têm maior chance de acesso a habitação e a escolas, e a probabilidade de deportação é menor.

    "No momento, a avaliação de idade acontece em poucos, se algum, casos", disse Fredrik Beijer, diretor de assuntos judiciais da Agência de Migração Sueca, à Reuters.

    Adam Ihse - 11.set.2015/Reuters
    Crianças esperam entre imigrantes e refugiados que chegam ao terminal marítimo de Gotemburgo
    Crianças esperam entre imigrantes e refugiados que chegam ao terminal marítimo de Gotemburgo

    Os esforços para confirmar idades foram prejudicados pela restrição a que as autoridades realizem testes médicos —por exemplo exames de raio-X das mãos e dentes.

    O governo sueco declarou em novembro que desejava testes médicos. Mas embora esses testes não sejam ilegais, os médicos se recusaram a aplicá-los, declarando que são imprecisos.

    "Acreditamos que para uma decisão que tem tamanhas consequências para a vida de um indivíduo, é necessária maior precisão", disse Andres Hjern, porta-voz da Sociedade Pediátrica da Suécia.

    Mas as dúvidas não impediram que o Partido Moderado, de centro-direita, o maior da oposição sueca, apelasse que a agência de migração contratasse médicos para conduzir exames, em um esforço para reduzir o número de crianças que chegam ao país desacompanhadas de suas famílias.

    "Menores desacompanhados respondem por 20% das pessoas em busca de asilo, e consomem cerca de metade do orçamento do departamento", disse Hanif Bali, nascido no Irã, naturalizado sueco, e legislador pelo Partido Moderado.

    Bali mesmo chegou à Suécia como menor desacompanhado, aos três anos de idade. "Com base em minha experiência pessoal, o ambiente se torna muito mais pesado quanto há pessoas mais velhas morando no local. As regras passam a ser como as de uma prisão e muitas crianças se veem apanhadas em encrencas criadas pelos mais velhos".

    Muitos outros países da União Europeia conduzem testes médicos. A Áustria, por exemplo, permite que médicos conduzam "exames de verificação de idade" que incluem verificações de dentes e de desenvolvimento genital. Na Itália, avaliações de idade, como exames de raio-X, podem ser executadas por ordem judicial.

    CHOQUE

    A questões dos menores refugiados é especialmente delicada na Suécia. Relatórios de agressões em centros de menores superlotados —o que inclui a morte a facadas de uma sueca de 22 anos que trabalhava em um desses centros— contribuíram para a sensação de que as autoridades não sabem o que fazer.

    "O risco de disputas e descontentamento é evidente, e um pequeno detalhe pode deflagrar um conflito", disse Thomas Svensson, diretor de assuntos sociais no município de Emmaboda, no sudeste da Suécia, onde a equipe de um centro que recebe menores desacompanhados se trancou em uma sala enquanto 19 jovens imigrantes depredavam o local.

    O fluxo de menores também acarreta custos fiscais elevados. A Suécia no ano passado teve de encontrar 70 mil vagas adicionais em suas escolas para as crianças em busca de asilo, além dos 100 mil alunos que entram na escola no país a cada ano.

    Metade dos menores desacompanhados foi registrada como tendo 16 ou 17 anos de idade, o que muitas vezes dificulta a confirmação de idade e gera acusações de grupos como os Democratas Suecos —de extrema-direita, e o terceiro maior partido no Legislativo— de que adultos estão tirando vantagem dos controles frouxos para entrar no país.

    Mesmo sem testes médicos, cerca de 667 menores tiveram suas idades "ajustadas" entre janeiro e novembro do ano passado, de acordo com o Ministério da Justiça. Os dados não demonstram se o ajuste foi para mais de 18 anos. Isso se compara a 363 casos para 2014 como um todo.

    Orgulhoso das décadas de reputação da Suécia como "superpotência humanitária", um termo que o país emprega para se definir, o governo considera a maioria dos menores refugiados como crianças que estão legitimamente fugindo de guerras.

    As pessoas favoráveis à imigração dizem que os suecos se deixaram influenciar indevidamente por um frenesi de mídia que vinculava imigrantes a crimes e pouco tinha a ver com a realidade.

    Por exemplo, a despeito das afirmações de que refugiados estão associados a agressões sexuais, o número de estupros denunciados caiu em 12% no ano passado na Suécia. Os roubos caíram em 2%.

    O debate é parte de uma crise que reduziu a aprovação ao primeiro-ministro Stefan Lofven, de centro-esquerda, a um recorde de baixa nas pesquisas de opinião pública.

    A queda é atribuída devido à sensação popular de que o governo é incapaz de deter um fluxo de imigrantes visto como ameaça ao generoso Estado de bem-estar social sueco e à muito alardeada estabilidade social do país.

    Em sinal da crescente frustração política, Morgan Johansson, ministro da Migração, pediu no domingo (31) à agência de migração que conduza mais testes não médicos, como por exemplo entrevistas com as crianças.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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