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    EUA fariam ataque cibernético em caso de conflito com o Irã

    DAVID E. SANGER
    MARK MAZETTI
    DO "NEW YORK TIMES", EM BERLIM

    18/02/2016 07h02

    Nos primeiros anos do governo Obama, os Estados Unidos desenvolveram um elaborado plano para um ataque cibernético contra o Irã caso os esforços diplomáticos para limitar o programa nuclear do país fracassassem e levassem a um conflito militar, segundo um documentário que estreou nesta quarta-feira (17) e entrevistas com militares e agentes de inteligência envolvidos no esforço.

    O plano, com o codinome Nitro Zeus, tinha por objetivo desabilitar as defesas antiaéreas, sistemas de comunicações e porções essenciais da rede de energia do Irã e foi abandonado, pelo menos para o futuro previsível, depois do cumprimento dos termos do acordo nuclear assinado entre o Irã e seis outros países na metade do ano passado.

    O Nitro Zeus era parte de um esforço para garantir que o presidente Obama tivesse alternativas menos drásticas que uma guerra total, caso o Irã atacasse os Estados Unidos ou seus aliados na região.

    Em seu momento mais intenso, o planejamento para o Nitro Zeus envolveu milhares de militares e agentes de inteligência norte-americanos, custou dezenas de milhões de dólares e envolveu a instalação de implantes eletrônicos em redes iranianas de computação a fim de "preparar o campo de batalha", no jargão do Pentágono.

    As Forças Armadas dos Estados Unidos desenvolvem planos de contingência para toda espécie de conflito, como um ataque da Coreia do Norte contra a Coreia do Sul, a perda de controle sobre armas nucleares no sul da Ásia ou levantes na África ou na América Latina.

    A maioria desses planos fica armazenada e passa por atualizações a intervalos de uns poucos anos.

    Mas o Nitro Zeus tinha caráter mais urgente, em parte porque funcionários da Casa Branca acreditavam existir uma boa possibilidade de que o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, decidisse atacar o Irã, e os Estados Unidos se vissem arrastados às hostilidades assim iniciadas.

    Enquanto o Pentágono realizava esses preparativos, as agências de inteligência dos Estados Unidos desenvolviam um plano cibernético separado, de foco muito mais estreito, para desabilitar a central de enriquecimento nuclear de Fordo, que o Irã construiu nas profundezas de uma montanha perto da cidade de Qom.

    O ataque teria sido uma operação clandestina, que o presidente tem direito de autorizar mesmo que não exista um conflito em curso.

    Fordo sempre foi considerado um dos alvos mais difíceis do Irã, já que a central está enterrada a profundidade tão grande que só as mais poderosas bombas de penetração norte-americanas teriam condições de atingi-la.

    A operação de inteligência proposta teria inserido um "worm", um tipo de vírus de computação, nas redes da instalação a fim de destruir seus computadores –o que na prática causaria atrasos ou mesmo destruiria a capacidade de as centrífugas iranianas enriquecerem urânio no local.

    O plano deveria se seguir aos "Jogos Olímpicos", codinome de um ataque cibernético dos Estados Unidos e Israel que destruiu mil centrífugas e desabilitou temporariamente a produção em Natanz, uma central de enriquecimento nuclear iraniana muito maior mas menos bem protegida.

    ACORDO

    Sob os termos do acordo nuclear com o Irã, dois terços das centrífugas de Fordo foram removidas nos últimos meses, bem como todo o material nuclear lá armazenado.

    A instalação está proibida de realizar qualquer trabalho relacionado à energia nuclear e está sendo convertida para outros usos, eliminando a ameaça que justificava o plano de ataque, ao menos pelos próximos 15 anos.

    Kevin Lamarque-16.jan.16/Reuters
    John Kerry, secretário de Estado dos EUA, conversa com o chanceler iraniano, Mohammad Zarif, após a Agência Internacional de Energia Atômica verificar que Irã cumpriu sua parte no acordo nuclear
    John Kerry, secretário de Estado dos EUA, conversa com o chanceler iraniano, Mohammad Zarif, após a Agência Internacional de Energia Atômica verificar que Irã cumpriu sua parte no acordo nuclear

    O desenvolvimento dos dois programas secretos sugere a seriedade com que o governo Obama encarava a possibilidade de fracasso em suas negociações com o Irã. Também demonstra o papel crítico que as operações cibernéticas agora desempenham tanto no planejamento militar quanto no de operações clandestinas de inteligência.

    Os generais dos Estados Unidos começaram a incorporar armas nucleares aos seus planos de guerra contra a União Soviética nos anos 50, e nos últimos 15 anos fizeram de drones (aeronaves de pilotagem remota) armados uma parte central dos esforços militares de seu país no Paquistão, Afeganistão e outros teatros.

    Da mesma forma, a guerra cibernética se tornou elemento padrão do arsenal para conflitos hoje definidos como "híbridos".

    A existência do Nitro Zeus foi descoberta no curso das pesquisas para "Zero Days", um documentário que estreou nesta quarta-feira no Festival de Cinema de Berlim, dirigido por Alex Gibney, conhecido por outros documentários –como "Um Táxi para a Escuridão", premiado com o Oscar, sobre o uso de tortura pelos interrogadores norte-americanos, e "We Steal Secrets: The Story of WikiLeaks".

    Seu novo trabalho descreve a escalada no conflito entre o Irã e o Ocidente nos anos que precederam o acordo, a descoberta do ataque cibernético à central de enriquecimento de Natanz e os debates no Pentágono sobre a viabilidade da doutrina dos Estados Unidos quanto ao uso de uma nova forma de armamento cujos efeitos finais são apenas vagamente compreendidos.

    Gibney e sua equipe de pesquisadores, comandada por Javier Botero, entrevistaram atuais e antigos participantes de um programa iraniano que revelou detalhes sobre o esforço para instalar nas redes de computação iranianas "implantes" que poderiam ser usados para monitorar as atividades do país e, caso Obama ordenasse, atacar sua infraestrutura.

    (Sob as normas estabelecidas por diretrizes presidenciais, algumas delas expostas três anos atrás por Edward Snowden, antigo prestador de serviços da Agência de Segurança Nacional, só o presidente está autorizado a autorizar uma operação cibernética ofensiva, da mesma forma que só o presidente pode aprovar o uso de armas nucleares.)

    CASA BRANCA

    O jornal "The New York Times" conduziu entrevistas separadas para confirmar as linhas gerais do programa.

    Saul Loeb-17.jan.2016/AFP
    Presidente dos EUA, Barack Obama, durante discurso na Casa Branca
    Presidente dos EUA, Barack Obama, durante discurso na Casa Branca

    As descobertas do jornal foram reveladas nas duas últimas semanas à Casa Branca, ao Pentágono e ao gabinete do diretor nacional de Inteligência, todos os quais se recusaram a fazer comentários sobre elas, apontando que não era prática do governo discutir planejamento para contingências militares.

    O Comando Cibernético das Forças Armadas, criado sete anos atrás e que ainda está montando suas "forças especiais" cibernéticas e as posicionando em todo o planeta, teve no projeto do Irã talvez o mais desafiador dos programas que já conduziu.

    "Era um programa enorme e extremamente complexo", disse um participante, que solicitou que seu nome não fosse revelado por estar discutindo um programa sigiloso. "Antes que fosse criado, os Estados Unidos jamais haviam desenvolvido um plano combinado de ataque cibernético e cinético dessa escala".

    O Nitro Zeus tem origem no governo Bush, mas ganhou vida nova em 2009 e 2010, quando Obama solicitou ao general John Allen, do Comando Central das Forças Armadas norte-americanas, que desenvolvesse um plano militar detalhado para o caso de fracasso na diplomacia com o Irã.

    Era um momento de tensão extraordinária, porque os iranianos haviam acelerado sua produção de centrífugas e produzido combustível com grau de pureza quase suficiente para uma bomba; as agências de inteligência ocidentais temiam que Teerã estivesse a ponto de desenvolver uma arma nuclear.

    O período também era de extraordinária tensão com Israel, em parte por conta do suposto envolvimento israelense no assassinato de cientistas nucleares iranianos e em parte por conta dos indícios de que Netanyahu estava preparando um ataque preventivo contra o Irã, a despeito das advertências norte-americanas em contrário.

    Naquele momento, os assessores de Obama consideravam que ele não tinha um programa militar de contingência confiável.

    Em seu livro de memórias, "Duty", o então secretário da Defesa, Robert Gates, descreve suas preocupações –expostas em um memorando altamente sigiloso que ele encaminhou à Casa Branca em janeiro de 2010– de que o alto comando da segurança nacional dos Estados Unidos não havia nem começado a debater como deveria ser conduzida uma reação rápida a uma agressão iraniana.

    O Nitro Zeus rapidamente emergiu como uma possível resposta para Obama, uma maneira de desativar elementos cruciais da infraestrutura iraniana sem disparar um tiro.

    Embora operações cibernéticas viessem sendo contempladas havia muito tempo em outros cenários de guerra, o Neutro Zeus "assumiu nível novo", conta um participante.

    No entanto, os planejadores alertaram para o fato de que, a depender de como o conflito se desenvolvesse, havia possibilidade de efeitos consideráveis sobre os civis, especialmente se os Estados Unidos desativassem vastas porções das redes de eletricidade e comunicação do Irã.

    O programa para criar um "worm" que seria usado no ataque a Fordo parece ter sido inicialmente desenvolvido na época em que Obama e outros líderes revelaram a existência da central subterrânea, em uma conferência em Pittsburgh em 2009.

    Não se sabe como os espiões norte-americanos planejavam penetrar a instalação nuclear subterrânea (se fisicamente ou de modo remoto) nem se os Estados Unidos ou um aliado como Israel teriam de usar fontes humanas no interior do Irã para conduzir o ataque contra as redes.

    Os documentos expostos por Snowden revelaram diversas tecnologias que podem ser usadas para inserir programas remotamente em um sistema desconectado da internet.

    Isso foi realizado repetidamente em Natanz, com um software cada vez mais refinado e versões que manipulavam sutilmente os controles computadorizados das centrífugas, para que as gigantescas máquinas giratórias escapassem ao controle e se destruíssem.

    O ataque a Fordo parece ter sido concebido para ser mais direto e óbvio –uma operação sem disfarce para destruir os circuitos que conduzem energia às centrífugas e os seus controladores.

    Não se sabe que grau de sucesso esse tipo de ataque teria conquistado. Embora esforços semelhantes costumem ser testados em instalações simuladas, quase certamente haveria surpresas caso fossem usados contra Fordo.

    Tampouco se sabe que grau de colaboração existiu entre as agências de inteligência norte-americanas e israelenses no projeto, especialmente depois do surgimento de recriminações, em 2010, a Israel por ter corrido para desenvolver uma versão do "worm" Stuxnet (usado no ataque a Natanz) sem os devidos testes, o que levou à sua exposição.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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