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    Refugiados e migrantes gays sofrem agressões em abrigos na Europa

    KIRSTEN GRIESHABER e MIKE CORDER
    DA ASSOCIATED PRESS (BERLIM)

    23/02/2016 11h56

    Alaa Ammar deixou a Síria para escapar não apenas da guerra civil, mas também do perigo de ser perseguido por ser gay. Mas quando chegou à Holanda, na primavera do ano passado, não encontrou o refúgio seguro que tanto desejava.

    Ele e quatro outros migrantes gays tiveram que enfrentar outros migrantes recém-chegados num centro para refugiados na cidade de Ter Apel, no norte do país.

    "Depois de cinco minutos, começaram a olhar para nós", falou Ammar, homem esbelto de 28 anos que usa jeans justo e um brinco em cada orelha. "Depois de dez minutos, começaram a falar. Depois de uma hora, nos abordaram. Depois de três horas, começaram a brigar conosco."

    Em toda a Europa, refugiados e migrantes gays, lésbicas e transgêneros dizem que sofrem agressões verbais, físicas e sexuais em abrigos; alguns foram obrigados a sair dos locais. A Associated Press tomou conhecimento de dezenas de casos documentados na Holanda, Alemanha, Espanha, Dinamarca, Suécia e Finlândia. As agressões geralmente são cometidas por outros refugiados; ocasionalmente por funcionários de segurança e tradutores.

    Os casos sugerem um possível choque cultural: muitos refugiados vêm de países muçulmanos conservadores onde a homossexualidade é tabu e chegam a sociedades europeias que são mais abertas a ela. Na Síria, por exemplo, onde ser homossexual é ilegal, o grupo militante Estado Islâmico já matou mais de 30 gays na Síria e no Iraque nos últimos dois anos, dizem ativistas.

    Uma discussão semelhante, desta vez sobre atitudes culturais em relação ao gênero, foi provocada depois que homens jovens agrediram e assaltaram centenas de mulheres em várias cidades alemãs na véspera do Ano Novo. A polícia descreveu os homens como sendo de origem árabe e norte-africana.

    Os migrantes acusados de agressão a gays formam apenas uma minúscula parcela das centenas de milhares de refugiados que estão chegando à Europa. Mas a maior parte das agressões provavelmente não chega a ser informada, devido às leis de privacidade europeias e ao estigma sentido pelos migrantes gays; assim, não há uma contagem oficial desses casos em todo o continente.

    Na Alemanha, a Federação Lésbica e Gay contabilizou 106 casos de violência contra refugiados homossexuais e transgêneros na região de Berlim entre agosto e o final de janeiro. A maioria dos casos aconteceu em centros de refugiados, e 13 incluíram abusos sexuais.

    Joerg Steinert, chefe da Federação em Berlim-Brandemburgo, disse que refugiados em todo o país vêm procurando a ajuda de grupos gays. Eles relutam em pedir ajuda à polícia porque temem prejudicar suas candidaturas a asilo. No ano passado a Federação colocou 50 pessoas em residências particulares porque elas corriam demasiado perigo nos centros para migrantes.

    "Esses centros para asilados são áreas sem lei", disse Steinert. "Quando chego ao nosso escritório na manhã de cada segunda, geralmente há um grupo de refugiados à espera no corredor, pessoas que precisam de ajuda imediata."

    Entidades beneficentes e operadores de abrigos particulares dizem que a enxurrada enorme de migrantes superou sua capacidade de atender às necessidades especiais de alguns refugiados. Em muitos lugares, muitas pessoas vivem juntas em um grande galpão ou saguão, sem quartos que possam ser trancados e sem banheiros separados para homens e mulheres.

    Em Berlim, onde quatro hangares do antigo aeroporto de Tempelhof foram convertidos em centro de recepção para 2.100 pessoas, foram denunciados quatro casos de violência contra gays. Maria Antonia Kipp, representante da operadora privada de abrigos Tamaja, disse que é muito difícil criar espaços seguros para homossexuais quando centenas de beliches são separadas apenas por finas tábuas de compensado.

    "Quando vemos uma situação perigosa ou somos informados dela, tiramos as pessoas envolvidas do abrigo e as transferimos para abrigos menores", ela disse.

    A Cruz Vermelha alemã disse que segue um código de conduta que proíbe a violência em seus abrigos. O grupo humanitário Bem-Estar dos Trabalhadores (Arbeiterwohlfahrt, em alemão) informou que está tentando criar espaços seguros em centros novos mas não tem condições de implementar os padrões elevados que gostaria de seguir.

    "A realidade superou nossa capacidade", disse uma porta-voz da entidade, Mona Finder.

    Para alguns críticos, cabe ao governo alemão proteger os migrantes. Mas no mês passado uma proposta de intensificação da segurança dos abrigos para migrantes foi tirada de um projeto de lei do governo, apesar de a Alemanha ter sido repreeendida oficialmente pela Comissão Europeia por não estar implementando as diretrizes de segurança da União Europeia.

    Sem o governo, a proteção dos migrantes gays tem ficado a cargo principalmente das comunidades locais e dos grupos de defesa dos direitos de gays. Na terça-feira (23), um grupo desse tipo, Schwulenberatung Berlin, vai inaugurar um novo abrigo com 122 leitos para refugiados gays, em cooperação com a prefeitura de Berlim, e outro abrigo com dez leitos foi aberto recentemente em Nuremberg. Berlim escolheu um vereador para atuar no registro de migrantes gays e transgêneros.

    Mahmoud Hassino, do Schwulenberatung Berlin, disse que o novo abrigo em Berlim vai melhorar a situação dos refugiados gays, transgêneros e lésbicas.

    "Nos grandes abrigos, os refugiados gays convivem com o medo constante", comentou um refugiado sírio de 40 anos.

    Hassino chegou à Alemanha em 2014 e precisou ele próprio sair de um abrigo berlinense devido à hostilidade de outros refugiados.

    "Mesmo que os gays não sejam agredidos imediatamente, eles vivem com medo de serem identificados como gays, porque então serão atacados", ele disse.

    A situação dos refugiados homossexuais é difícil em toda a Europa. Na Espanha, por exemplo, revelou a organização sem fins lucrativos Pueblos Unidos, dois migrantes de Camarões e um terceiro do Marrocos foram agredidos fisicamente depois que suas orientações sexuais foram descobertas por outros migrantes em abrigos. Eles solicitaram asilo junto ao governo espanhol, citando sua homossexualidade como razão pela qual merecem o status de refugiados, segundo a entidade.

    Na Suécia, no ano passado, um tribunal sentenciou um candidato a asilo a cinco meses de prisão por fazer ameaças de morte a outro refugiado, cuspir em seu rosto e agarrá-lo pelo pescoço. Quando a vítima caiu ao chão, o agressor a chutou até ela desmaiar. As acusações foram confirmadas por testemunhas e um vídeo de vigilância.

    O motivo da agressão foi o fato de a vítima ser homossexual. O agressor teria se sentido "ultrajado porque a Suécia protege a homossexualidade e teria dito que todos os homossexuais devem ser abatidos como animais".

    Na Finlândia, casos de assédio a gays e de agressão física também foram registrados em centros de refugiados, segundo o Seta, grupo nacional que representa lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Por essa razão, alguns dos centros separaram uma área segura para pessoas que temem sofrer assédio sexual.

    Outros migrantes procuraram a Seta depois de fugir, devido a agressões sofridas, dos abrigos em que tinham sido colocados. Este ano um tribunal finlandês sentenciou um candidato a asilo a três anos e meio de prisão por estuprar outro migrante num centro para refugiados no sul da Finlândia.

    Já houve pelo menos dez casos de assédio a migrantes gays na Dinamarca, segundo Mads Ted Drud-Jensen, do Grupo de Asilo LGBT. Ele destacou que esses números representam apenas as vítimas que procuraram o grupo.

    "Além de ser difícil sair do armário, as pessoas a quem recorremos pedindo auxílio não estão falando conosco", ele disse.

    Na Holanda, um grupo de defesa dos direitos humanos denunciou este mês agressões regulares contra gays e lésbicas num campo grande com capacidade para abrigar até 3.000 candidatos a asilo nas proximidades da cidade de Nijmegen. O grupo, The College for Human Rights, disse que um candidato a asilo "já encontrou várias vezes comida e excremento em sua cama. Ele é ameaçado e agredido por outros residentes do campo".

    O candidato a asilo, cuja identidade não foi revelada, disse que teme por sua segurança porque alguns outros refugiados andam armados com facas. De acordo com a denúncia, ele frequentemente encontra em sua cama bilhetes dizendo coisas como "matem os gays" e "não queremos gays no campo".

    Quando Alaa Ammar denunciou os abusos em Ter Apel, ele e outros refugiados gays foram acomodados no chão de um restaurante por uma noite. Depois disso, foram transferidos para outro abrigo em Apeldoorn.
    Ammar contou que também no novo abrigo, três outros refugiados atacaram ele e outro homem no banheiro coletivo e os cortaram com uma faca.

    "Dava para ver pelos olhos deles que queriam me ferir", ele disse.

    Ammar foi transferido novamente, de volta a um trailer em Ter Apel. Funcionários da organização para asilados COA aconselharam a ele e aos outros que fechassem as portas e janelas, mas outros refugiados "abriram as janelas e nos xingaram".

    O porta-voz da COA, Jan-Willem Anholts, disse que a organização não mantém registros de denúncias de agressões a gays mas que adota medidas de proteção para pessoas em risco. Ele levantou a preocupação de que criar refúgios para grupos específicos possa levar a uma espécie de segregação na sociedade holandesa.

    Foi apenas depois de Ammar receber asilo e ir viver com um indivíduo que se ofereceu para hospedá-lo em Amsterdã, algumas semanas atrás, que ele começou a se sentir em segurança.

    "Quem pode deixar de gostar de Amsterdã?", falou Ammar, olhando cuidadosamente para os dois lados antes de atravessar a rua, já acostumado a ficar de olho nas bicicletas que percorrem a capital holandesa em alta velocidade. "Aqui as pessoas não ligam se sou gay ou não. Posso berrar alto 'sou gay!' e elas dirão 'seja bem-vindo!'."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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