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    ANÁLISE

    Referendo na Bolívia mostra um país novamente dividido

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    23/02/2016 17h08

    Desde domingo (21), voltaram a existir duas Bolívias. Após levar quase uma década para construir um consenso que lhe permitiu reeleger-se pela segunda vez com 61% dos votos, Evo Morales se vê obrigado a governar até 2019 (fim do atual mandato) um país novamente dividido.

    Muitos analistas se apressarão em dizer que a vitória do "não" no referendo pela mudança na Constituição é mais um prego no caixão do chamado "bolivarianismo".

    David Mercado - 22.fev.2016/Reuters
    Bolivia's President Evo Morales speaks during a news conference at the presidential palace in La Paz, Bolivia, February 22, 2016. President Morales asked Bolivians on Monday to wait "calmly" for the official result of Sunday's referendum on whether he should be allowed to run for re-election, emphasizing that the outcome could still go either way.REUTERS/David Mercado ORG XMIT: LPZ07
    Evo Morales fala a jornalistas no palácio presidencial, em La Paz, um dia após o referendo

    Mas o que se viu na Bolívia tem mais a ver com o desgaste da imagem de Morales e a perda da confiança por parte considerável de sua base de apoio político: a esquerda e os movimentos indígenas.

    A desaceleração econômica da região ainda não produz efeitos negativos no dia a dia do país, que cresceu a uma média de 5% na última década e viu as taxas de pobreza e desemprego caírem.

    Portanto, não há indício de que a opção pelo "não" seja um pedido de mudança na política econômica ou de redução do papel do Estado.

    A real dificuldade de Morales é não saber lidar com as consequências negativas da não alternância de poder.

    A principal delas é a corrupção, que vem se espalhando em setores estratégicos do governo, como o Fundo Indígena, acusado de destinar fortunas a obras fantasmas.

    O exemplo mais recente, que atingiu o presidente, é a acusação de que ele tenha favorecido uma ex-namorada com um cargo de chefia de uma empresa chinesa a qual o governo confiou mais de US$ 500 milhões para obras.

    Se na eleição de 2014 a oposição se fragmentou, o referendo de domingo possibilitou aos descontentes com Morales se juntarem ao redor de uma só proposta. Mas é equivocado pensar que constituem um plano alternativo monolítico de governo.

    David Mercado/Reuters
    Staff of a computer center of the Pluri-national Electoral Organ collect the reported ballot count of a referendum in La Paz, Bolivia, February 23, 2016. President Evo Morales asked Bolivians on Monday to wait "calmly" for the official result of Sunday's referendum on whether he should be allowed to run for re-election, emphasizing that the outcome was still uncertain despite indications he had lost. REUTERS/David Mercado ORG XMIT: LPZ04
    Equipe de centro de apuração de votos na capital, La Paz

    O voto no "não" reúne parte do empresariado assustado com a crise anunciada e setores de uma esquerda urbana que pede leis de igualdade de gêneros. Reúne dissidentes dos movimento indígenas e parte da elite branca que jamais aceitou um líder de origem aimará.

    Nos últimos tempos, ancorado nos bons resultados nas urnas, Morales se mostrou mais autoritário, o que incomoda parte de seu eleitorado, sobretudo o progressista.

    Na segunda (22), ao responder uma repórter que questionou o que ele faria se deixasse o governo, Morales disse que iria para seu sítio e ofereceu à jornalista um emprego de cozinheira.

    Esse tipo de "piada" machista está longe de ser nova, e as líderes de movimentos feministas veem seu reflexo na ausência de medidas para promover uma sociedade mais igualitária, acabar com a violência doméstica (a Bolívia é campeã latino-americana nesse quesito) e debater sobre o aborto no Congresso.

    Resta saber como se comportarão essas forças políticas no novo cenário.

    Que Morales sozinho tenha o apoio de 48,66% da população (segundo 99,37% dos votos apurados até a conclusão desta edição), diante da oposição fragmentada, não será um dado menor. Sua popularidade segue alta e abre espaço para um sucessor.

    Quem terá mais trabalho será a oposição, que, nas últimas três eleições, não conseguiu se unir sob uma mesma candidatura. Agora, terá estímulo extra do referendo.

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