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    Em vigor, novo cessar-fogo abre caminho para negociação na Síria

    IGOR GIELOW
    DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

    27/02/2016 02h32

    Basta olhar o quebra-cabeças da presença de combatentes na Síria para entender que o cessar-fogo anunciado para este sábado (26) não tem como ser duradouro, até por não incluir o Estado Islâmico e grupos ligados à Al Qaeda.

    Isso dito, ele sugere a possibilidade de um caminho para alguma acomodação no conflito que destroçou o país.

    O mérito estratégico, para desespero do Ocidente, fica com Vladimir Putin. A opção militar de Moscou, iniciada no fim de setembro, foi a mais ambiciosa jogada do presidente russo desde que chegou ao poder em 2000.

    Enquanto Barack Obama advertia Putin do risco de um "novo Afeganistão" para o Kremlin, o russo buscou ao menos três objetivos centrais.

    Os dois primeiros, estabelecer uma presença militar no Oriente Médio e ser reconhecido como ator para a solução de crises, já foram obtidos pela força.

    O terceiro, fazer desse novo status trampolim para ver derrubadas as sanções que asfixiam sua economia, é mais incerto por elas serem as principais armas diplomáticas contra o russo nas mãos do Ocidente.

    O XADREZ SÍRIO - Quem ganha ou perde com o cessar-fogo

    Em posição de força, Putin pode até abandonar eventuais planos de emancipação das áreas pró-russas na Ucrânia, cerne das sanções juntamente com o fato consumado da anexação da Crimeia, dado o enfraquecimento do governo em Kiev e o consequente afastamento do risco de o vizinho integrar a Otan (a aliança militar ocidental) e/ou a União Europeia.

    Isto é "realpolitik": não é preciso fazer tudo o que se pode para obter um resultado. Sem sanções, Putin tende a satisfazer-se com uma Ucrânia fraca, ainda que nominalmente pró-Ocidente. Foi assim com a Geórgia, com quem guerreou em 2008.

    A divisão dos aliados ocidentais sob o guarda-chuva da Otan joga a favor do russo: eles mal conseguem se entender na crise síria, esbarrando em respostas diversas às ondas de refugiados e ao lidar com a Turquia.

    Ancara reagiu agressivamente à ação russa na Síria, culminando no episódio do abate de um jato de Moscou. Os turcos temem a instabilidade ao sul e a agitação política dos curdos, minoria expressiva em seu território.

    Na Otan, a Turquia contava com mais solidariedade dos parceiros. Não teve apoio para uma ação terrestre e ainda viu os EUA apoiarem os curdos sírios, na esperança de que lutassem contra o governo Bashar al-Assad.

    O ditador sírio, cuja derrocada era iminente antes da ação russa em apoio a seu regime, não só está na ofensiva como já se vê como parte de qualquer negociação sob os auspícios da ONU. Ele pode não permanecer no cargo, mas deve viver para ver suas forças representadas numa eventual transição.

    Ganha também o Irã, aliado de Moscou que apoia Assad com tropas em solo.

    Favorecida pelo acordo nuclear com os americanos, a xiita Teerã se vê em ascensão na disputa regional que trava com o bastião sunita da Arábia Saudita —para temor de Israel, que denuncia o apaziguamento como amador.

    Riad, por sua vez, ensaia entrar na guerra ao enviar aviões e pessoal para a base da Otan em Incirlik (Turquia), mas a expectativa por uma ação terrestre com Ancara desvaneceu.

    Lutando para manter o petróleo barato e presos a um conflito que expôs suas limitações militares no Iêmen, os sauditas parecem em relativo declínio.

    No campo de batalha, o Estado Islâmico em migração para a Líbia, a Al Qaeda e a oposição síria perdem, já que todos seguem na mira russa.

    Por fim, os EUA. Por um lado, Obama ganha tempo para tentar costurar um alívio para a tragédia síria —ou joga o problema para quem o suceder em 2017. Por outro, uma Casa Branca avessa ao confronto abriu espaço para as manobras de Putin, até aqui eficazes e duradouras.

    Se insinua dessa forma o redesenho do mapa da região traçado por França e Reino Unido após a Primeira Guerra Mundial.

    Linhas étnico-confessionais vão ganhando força e a provável maior intervenção turca para tentar conter o Irã e os russos, com auxílio saudita, tende a dar o tom do que será visto em livros de história no futuro.

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