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    Documentários forçam Indonésia a encarar massacre, afirma diretor

    FERNANDA EZABELLA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
    DE LOS ANGELES

    01/03/2016 18h30 - Atualizado às 02h00

    Joshua Oppenheimer passou 11 anos filmando as vítimas e os criminosos responsáveis pelo massacre de comunistas na Indonésia na década de 1960. Seu trabalho gerou dois documentários chocantes, que forçaram o país asiático a rever o próprio passado.

    O Peso do Silêncio, indicado ao Oscar deste ano e sem data de lançamento no Brasil, segue um oftalmologista que, durante suas consultas médicas, confronta os homens que mataram seu irmão em 1965, após militares derrubarem o governo e começarem uma caça aos comunistas, deixando cerca de 1 milhão de mortos.

    Mario Anzuoni -9.fev.2016/Reuters
    Joshua Oppenheimer, diretor do documentário 'O Peso do Silêncio
    Joshua Oppenheimer, diretor do documentário 'O Peso do Silêncio'

    O trabalho não seria possível sem sua obra anterior, "O Ato de Matar" (disponível no Netflix), que também concorreu à estatueta em 2014, na qual Oppenheimer filma os criminosos —alguns deles no poder até hoje—, dando detalhes dos assassinatos que cometeram e fazendo reconstituições dramatizadas como em filmes hollywoodianos.

    Quando voltou ao país para gravar "O Peso do Silêncio", o primeiro filme ainda não havia sido lançado e, portanto, o diretor ainda era conhecido como um amigo de militares e poderosos, com carta branca para se aproximar deles outra vez.

    Hoje, Oppenheimer não voltaria ao país. "Não sairia vivo", disse à Folha o americano de 41 anos, que vive em Copenhague, na Dinamarca.

    Embora tenha perdido o Oscar para Amy no domingo (28), Oppenheimer coleciona prêmios e quer aprofundar o debate.

    Ele tem visitado membros do Congresso americano e da Casa Branca para quebrar o sigilo de documentos que mostram o envolvimento dos EUA no massacre, obrigando o governo a reconhecer seu papel. Leia trechos editados da entrevista.

    *

    IMPACTO DOS FILMES NO PAÍS
    Os filmes levaram a uma transformação no jeito como a mídia e o público falam sobre o passado. A mídia silenciava sobre o massacre ou havia até mesmo uma celebração. Já as pessoas tinham medo de falar em público, e os criminosos sabiam que a ostentação era ameaçadora.

    O segundo filme foi lançado pelo próprio governo, pela Comissão Nacional de Direitos Humanos, embora, depois, tenha sido banido no país, por pressão dos militares, por meio de outra parte do governo. É um Estado esquizofrênico, e o Exército está acima das leis.

    'O PESO DO SILÊNCIO'
    Em 2010, quando terminei "O Ato de Matar", dei uma câmera a Adi Rukun [oftalmologista] e fui embora para Londres montar o documentário.

    Quando voltei em 2012 para fazer "O Peso do Silêncio", Adi me disse que queria se encontrar com os criminosos, ver se eles se responsabilizariam pela morte de seu irmão.

    Imediatamente eu disse não, era muito perigoso. Nunca houve um filme em que sobreviventes confrontassem perpetradores que ainda têm monopólio do poder.

    Ele então me mostrou um vídeo de seu pai doente, que já não reconhecia ninguém da família, mas tinha ataques de pavor de apanhar. Adi não queria que seus filhos e sua mãe vivessem nessa prisão do medo.

    AMEAÇAS REAIS
    Adi queria falar com líderes regionais, e estes sabiam que eu era próximo de poderosos em nível nacional devido à minha aproximação ao filmar "O Ato de Matar".

    Como eles não queriam problemas com seus superiores, havia uma certa segurança, mas tínhamos medo e estávamos preparados para o pior.

    Tínhamos um carro sempre pronto para tirar Adi após as entrevistas, e sua família ficava no aeroporto, de malas prontas, esperando para comprar um bilhete e ir embora do país caso algo desse errado.

    HUMANIZANDO MONSTROS
    A primeira vez que encontrei Anwar Congo [ex-líder de esquadrão da morte e hoje político influente], ele me levou para o topo de uma casa para me mostrar o local onde ele tinha matado muitas pessoas. Depois me falou que tinha pesadelos, que saia para beber e tomar drogas para esquecer e não enlouquecer.

    Tive este impulso então de humanizar todo mundo. A ostentação é apenas uma máscara, algo para se entorpecer. Ele ostentava não por orgulho, mas para expelir sua dor.

    PRESIDENTE JOKO WIDODO
    Tínhamos esperança de que Widodo [eleito em 2014] traria mudanças. É o primeiro presidente que não vem da elite ou do Exército. Fazia parte de seu manifesto nas eleições abordar violações de direitos humanos do passado. Mas ele não fez nada.

    Seu poder depende de oligarcas e generais aposentados que têm bastante sangue nas mãos. Seria necessário um movimento popular para criar uma fonte alternativa de poder político para ajudar Widodo. Teria que ser um movimento mais robusto do que aquele que o elegeu. Os filmes ajudaram a energizar este movimento, mas certamente precisa crescer muito mais.

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