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    Projeto estimula leitura entre crianças refugiadas no Iraque

    DIOGO BERCITO
    NO CAIRO

    07/03/2016 02h00

    Quando trabalhou em Bangladesh e no Líbano, Helen Patuck, 26, notou que os livros lidos por crianças não retratavam as condições de vida delas. Doadas por organizações humanitárias, as obras narravam histórias distantes, protagonizadas por personagens estrangeiros.

    Incomodada com a discrepância entre a literatura e a experiência diária, Patuck escreveu e ilustrou seus próprios livros, contextualizando as narrativas como um espelho. "Toda criança deveria ter um livro para ler com o qual possa se identificar", disse em entrevista à Folha.

    Angus Beaton/Divulgação
    Crianças yazidis durante leitura de livro distribuído por ONG em campo de refugiados no Iraque
    Crianças yazidis durante leitura de livro distribuído por ONG em campo de refugiados no Iraque

    O projeto criado por Patuck, chamado Kitabna ("nosso livro", em árabe), recentemente estabeleceu parceria com outra organização e está distribuindo, nestas semanas, mais de 6.000 volumes entre os refugiados yazidis no norte do Iraque.

    Os yazidis são um grupo étnico-religioso minoritário. Considerados politeístas pelos terroristas do Estado Islâmico, eles são perseguidos e escravizados. As multidões de crianças que chegam aos campos de refugiados vivem em uma situação de trauma.

    ENTRE TENDAS

    Estima-se que 500 mil yazidis tenham deixado seus lares no norte do Iraque e vivam hoje em campos de refugiados na região curda.

    É nesse cenário, entre tendas improvisadas, que os dois novos livros de Patuck são ambientados.

    "É importante que a criança se enxergue dentro da história. Essas são as condições em que elas vivem. Não é ideal, mas é a vida delas", afirma a artista.

    Em uma das histórias, refugiados de dois grupos diferentes montam suas barracas em duas margens distintas de um lago. Os sapos, observando a cena, não entendem por qual razão as pessoas não querem viver juntas. O livro trata, assim, das diferenças entre esses grupos étnicos.

    "Os livros distribuídos entre refugiados são sempre americanos, com crianças brancas com nomes estrangeiros", diz Carmen Little, responsável pelo projeto na organização Amar, que é especializada em trabalho humanitário no Oriente Médio. "Parece que o final feliz não foi escrito para você", afirma.

    A Amar, em parceria com o projeto Kitabna, já distribuiu os livros em dez campos de refugiados no norte do Iraque. "As crianças voltaram a ser crianças. Puderam brincar de novo", diz Little.

    Se houver financiamento, a iniciativa pode expandir-se e incluir uma biblioteca de livros infantis.

    Em um contexto mais amplo, a distribuição de livros faz parte de um trabalho ainda pouco realizado nessas regiões. "As pessoas precisam de abrigo, de remédio, de comida, mas há também necessidade de apoio psicológico", afirma a coordenadora.

    O trabalho dessa organização tem o apoio do especialista Renos Papadopoulos, professor da Universidade de Essex e diretor do Centro para Trauma, Asilo e Refugiados da mesma instituição. Ele falou à Folha diretamente do Chipre, entre seu trabalho com refugiados sírios.

    Papadopoulos contestou, já no início da entrevista, o termo "trauma" –a palavra não descreve, afirma, as particularidades de cada contexto. Por exemplo, as agruras de um refugiado sírio no Chipre são diferentes daquelas que enfrenta um refugiado no norte do Iraque.

    O acadêmico defende que o trabalho humanitário identifique as situações específicas e concentre-se na resiliência dos refugiados.

    Por exemplo, mostrando a uma criança de que maneira ela pode fortalecer-se a partir da grave crise em que vive. "Elas percebem que têm uma força que não conheciam."

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