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    Equipe de jornal fechado pela Turquia ressuscita e abre unidade clandestina

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    ENVIADA ESPECIAL A ISTAMBUL

    14/03/2016 17h05

    Em uma sala de 90 metros quadrados no segundo andar de um prédio velho em Istambul, cerca de 35 jornalistas se apertam em uma redação clandestina para produzir o jornal Özgür Dusünce - "Livre Opinião", em turco.

    O Özgür é a nova encarnação do jornal Bugün (Hoje), que foi fechado pelo governo do presidente Tayyip Recep Erdogan no dia 28 de outubro do ano passado, sob a acusação de irregularidades financeiras e financiamento ao terror.

    Flavio Forner
    A capa do jornal turco "Bugün", fechado pela polícia, foi substituído pelo recém-criado "Özgür"
    A capa do jornal turco "Bugün", fechado pela polícia, foi substituído pelo recém-criado "Özgür"

    O novo jornal foi fundado um dia após a polícia invadir a redação do Bugün, algemar funcionários e colocar um interventor mandando no jornal. Um vídeo que foi transmitido ao vivo pelo aplicativo Periscope mostra o interventor com o Bugün na mão, dizendo aos jornalistas: "vocês não vão mais fazer esse jornal porcaria".

    O Bugün foi fechado junto com um jornal e duas TVs do grupo Koza Ipek, do empresário Akın İpek, que faz oposição a Erdogan e é ligado ao líder religioso Fethullah Güllen. Güllen é acusado pelo governo de tentar criar um "Estado paralelo" na Turquia usando sua influência no Judiciário e na polícia.

    O movimento de Güllen foi aliado de Erdogan até 2013, quando os veículos de imprensa ligados ao líder religioso se somaram às vozes que acusavam o então primeiro-ministro de corrupção. Desde então, pessoas e empresas ligadas a ele são acusadas de terrorismo.

    O Bügun existia há 10 anos, tinha circulação de 110 mil e publicava reportagens investigativas que desagradavam o governo, como a matéria mostrando, com fotos, o fornecimento de armas para o Estado Islâmico em uma cidade turca. Depois da intervenção, passou a ser governista e ficou com apenas 4 mil leitores. Fechou três meses depois.

    O novo jornal tem circulação de 70 mil – grande parte dos assinantes migraram. Não tem nenhum anúncio, porque as estatais boicotam e anunciantes privados temem represálias de Erdogan. Mas consegue se financiar, porque aumentou um pouco o preço, diminuiu o número de páginas e funcionários e passou a usar papel mais barato. Foi fundado com as economias do editor-chefe – 12,5 mil liras turcas (cerca de US$ 4350) – e não está mais ligado ao grupo Koza Ipek.

    Usame Ari - 28.out.2015/AFP
    Polícia turca entra em confronto com apoiadores do jornal "Bugün" e do canal de televisão Kanalturk
    Polícia turca entra em confronto com apoiadores do jornal "Bugün" e do canal de televisão Kanalturk

    "Este jornal é um símbolo da luta da sociedade civil pela democracia na Turquia", diz Yilmaz.

    Mas o editor-chefe sabe que o novo jornal está ameaçado.

    A empresa que distribuía o Özgür Dusünce foi fechada pelo governo turco nesta sexta-feira (11). Só sobraram duas distribuidoras, uma é ligada ao governo e a outra é do grupo Dogan, que tenta evitar intervenção estatal.

    "Estamos negociando, tentando convencê-los a entregar nosso jornal." No sábado, eles conseguiram convencer a distribuidora e o jornal foi entregue. Mas o editor-chefe teme que Erdogan vá pressionar a distribuidora.

    Yilmaz também sabe que, a qualquer momento, a polícia pode voltar com gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral e fechar o jornal.

    "Se isso acontecer, pego meu paletó, vou embora e fundo outro jornal", diz.

    A jornalista viajou a convite do Centro Cultural Brasil-Turquia, ligado à oposição turca.

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