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    Síria que buscou refúgio em São Paulo vive de doações e apoio de mesquita

    DIOGO BERCITO
    NO CAIRO

    15/03/2016 02h00

    RESUMO Razan Suliman, 26, nasceu na Síria, onde vivia até que a guerra civil lhe tomou a casa, a água, a luz e a comida. Nesta terça (15), completam-se cinco anos dos conflitos entre governo e oposição que levaram à guerra. Razan hoje mora em São Paulo. Seu filho nasceu no Brasil.

    *

    Nasci em Aleppo, norte da Síria. Sou muçulmana sunita. Estudei computação na universidade e trabalhava como professora de inglês para crianças. A vida era muito boa antes da guerra.

    Mas a situação ficou muito ruim em Aleppo, com os bombardeios do regime sírio. Não havia água, luz, comida. Tínhamos medo. Nem quero me lembrar de como vivíamos, porque meu pai ainda está lá. Não conseguiu sair do país.

    Refúgio no Brasil

    Em 2014, eu e meu marido decidimos deixar a Síria. Pagamos US$ 100 para viajar entre Aleppo e Damasco (300 km). A viagem demorou um dia inteiro, pois há muitas paradas para checar o carro, a bagagem, os papéis.

    Levamos uma semana para viajar de Aleppo até Beirute, no Líbano. Vivemos por três meses em Beirute, mas era muito difícil. Precisávamos de muito dinheiro, e não havia trabalho para o meu marido, um mecânico.

    Então pedi um visto para morar na França. Quando tentei embarcar, não deixaram. Sabiam que eu queria ficar lá, e não permitiram.

    Depois decidi pedir um visto para o Brasil. Não tinha nenhum outro país que nos aceitasse. Todos se fecharam. Nenhum país árabe queria receber refugiados: Jordânia, Arábia Saudita, Egito. A França também não. O que podíamos fazer? Ficar na guerra? No Líbano, sem dinheiro?

    Não sabia nada sobre o Brasil. Só sabia que é bom de futebol. Cheguei em agosto de 2014 sem falar português. Aprendi sozinha. Meu filho, Adam, nasceu em fevereiro de 2015. É brasileiro.

    Pensávamos que a guerra ia durar algumas semanas ou meses. Chegamos ao Brasil pensando que ia ser por pouco tempo. Mas estávamos errados. Vai demorar muito para podermos voltar para casa.

    Agora existem os terroristas do Estado Islâmico, e há muitas pessoas envolvidas na guerra. Tanto o regime de Bashar al-Assad quanto a oposição quebraram o meu país. Agora ninguém tem dinheiro, casa, família.

    Minha tia morreu durante os ataques. Meu pai e minha irmã foram feridos por estilhaços e não puderam se tratar, porque não há hospitais.

    Todo o restante da família foi para a Turquia, menos meu pai. Falo todos os dias com a minha mãe. Ela quer vir ao Brasil, mas precisa de dinheiro para comprar o bilhete aéreo, e não temos.

    Não temos mais casa em Aleppo. Foi destruída pelas bombas. Meu pai mora em uma escola, como refugiado. Todos nós somos refugiados.

    Não estou feliz no Brasil. Quero minha família. Quero uma vida melhor. Meu marido tem problemas de saúde. Ele não ouve bem por causa de uma bomba que caiu perto da nossa casa, em Aleppo.

    Vivemos com a ajuda da Mesquita Brasil. Mas só podemos viver nesta casa até julho. Depois, vamos para a rua. Precisamos de ajuda. Também queremos ajuda para tirar meu pai de Aleppo.

    Me deram móveis. Fogão, geladeira. Peço ajuda pelo Facebook, para mim e também para outros refugiados.

    Não tenho muitos amigos brasileiros. Conheço pessoas no Facebook, mas ninguém vem aqui em casa. Eu conheço outros sírios também.

    Não estou trabalhando. Quero, mas não há emprego. A situação está muito difícil no Brasil. Uso o véu e roupas compridas. Não existe nenhum preconceito nas ruas.

    Gosto muito do meu país, e voltaria a Aleppo assim que a guerra terminasse. Mas voltaria também ao Brasil. Meu filho, afinal, é brasileiro.

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