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    Lições sobre ebola não foram aprendidas, diz diretor de filme

    ISABEL FLECK
    DE SÃO PAULO

    16/03/2016 02h00

    Quando o belga Peter Casaer encontrou pela primeira vez a jovem Wachen Wilson, em um dos hospitais erguidos para o tratamento de pacientes com ebola em Monróvia, na Libéria, ela logo disse que o diretor e suas câmeras a acompanhariam quando saísse, curada, daquele local.

    A cena que mostra a euforia de Wachen ao deixar a quarentena é uma das mais fortes do filme "Affliction – O Ebola na África Ocidental", que estreia no Brasil no próximo dia 19, bem como a de sua tristeza ao voltar ao vilarejo onde mora, para recomeçar a vida após perder os pais, um irmão e uma irmã grávida de sete meses para a doença.

    Divulgação
    Foto de divulgação do filme "Affliction", produção dos Medicos sem Fronteira, direcao de Peter Casaer
    Wachen Wilson comemora após receber alta em centro para pacientes com Ebola na Libéria

    É sob esse prisma pessoal, mostrando histórias de vítimas do ebola e de profissionais de saúde, que o longa produzido pela organização Médicos Sem Fronteira (MSF) mostra os impactos da epidemia para as populações dos três países mais atingidos: Guiné, Libéria e Serra Leoa.

    "Você nunca se acostuma a ver as pessoas morrendo: pais, filhos. Mas também é muito difícil a volta dos sobreviventes para casa. A história não acabou para eles –na verdade, ela está apenas começando", disse Casaer, por telefone da Bélgica, à Folha.

    Para o diretor, que passou dois meses (entre o fim de 2014 e o início de 2015) documentando esses casos, o fato de a epidemia ter sido praticamente erradicada não significa que autoridades e as populações da África Ocidental estão preparadas para um eventual novo surto.

    "Não acho que todas as lições foram aprendidas. Se acontecer de novo, amanhã ou em um ano ou dois, ainda veremos as mesmas coisas acontecerem", diz Casaer. "As autoridades ainda não conseguiram dar confiança suficiente à população."

    O diretor lembra que ainda há, entre a população, muito medo da doença e até das equipes médicas, além de muitos rumores. "Enquanto as pessoas não acreditarem que foi uma epidemia, elas continuarão se recusando a levar os doentes aos centros, escondendo os corpos, não informando sobre novos casos."

    Em janeiro deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou o fim da epidemia na região da África Ocidental. Nas duas semanas seguintes, porém, dois novos casos foram registrados numa mesma família em Serra Leoa, com uma morte.

    Todos os contatos desse grupo foram monitorados, e, como não houve nenhum novo caso, essa cadeia de transmissão será considerada finalizada nesta quinta (17).

    Entre o início de 2014 e o início de 2016, mais de 28,6 mil pessoas foram contaminadas pelo ebola nos três países. Cerca de 11,3 mil delas morreram.

    ESTIGMA

    Um dos principais desafios de quem sobreviveu ao ebola é carregar o estigma da doença em suas comunidades. "Há a estigmatização dos sobreviventes, da equipe médica, das pessoas que conduziram os enterros, que transportaram os doentes", diz Casaer.

    Para ele, é preciso que haja uma forte ação de promoção de saúde nos três países mais afetados, mas que se invista também em assistência psicológica para os sobreviventes. "Essa é uma experiência muito traumática."

    Casaer diz esperar que o filme sensibilize especialmente autoridades, para que, se um novo surto surgir, não haja "tanta descrença ou falta de interesse em intervir".

    Em março de 2014, a MSF já alertava que o ebola estava fora de controle, mas a OMS só declarou situação de emergência em agosto daquele ano.

    Além do Brasil, o filme já foi ou ainda será exibido nos EUA, na Coreia do Sul, na Bélgica e na África do Sul. Casaer quer levá-lo também aos três países mais afetados pela doença. "Ainda temos que organizar com autoridades lá."

    Em São Paulo, estará em cartaz na Matilha Cultural até 30 de abril. A entrada é gratuita.

    *

    AFFLICTION - O EBOLA NA ÁFRICA OCIDENTAL
    DIREÇÃO Peter Casaer
    QUANDO estreia neste sábado (19)

    Edição impressa

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