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    ANÁLISE

    Visita de Obama é mais do que iniciativa para remendar laços

    DO "FINANCIAL TIMES"

    21/03/2016 07h00

    Pela primeira vez, a palavra "histórico" não é uma hipérbole.

    A visita de Barack Obama a Havana, que começou neste domingo (20), é a primeira viagem de um presidente dos Estados Unidos a Cuba em mais de 88 anos.

    De forma mais significativa, tem por objetivo consolidar sua política de aproximação e envolvimento com a ilha, iniciada há 15 meses. Ao reverter mais de meio século de táticas de intimidação, isso também fortalece a posição dos EUA na região.

    Por meio de uma ordem executiva, Obama já permitiu várias brechas no embargo, embora ele só possa ser totalmente levantado pelo Congresso.

    Os EUA retiraram Cuba da sua lista de Estados que patrocinam o terror. Voos comerciais foram estabelecidos —até 110 foram permitidos por dia. Restrições de viagem a visitantes norte-americanos foram eliminadas.

    Nesta semana, entre outras medidas, o uso do dólar foi descriminalizado, eliminando a necessidade de Cuba realizar operações complexas com uma terceira moeda e, portanto, facilitando negócios. Na medida em que isso também ajuda cubanos comuns a sobreviverem sem depender apenas do Estado, a decisão deve ser celebrada.

    De forma mais dramática, a "mudança de regime" não é mais um objetivo. O futuro da ilha, como Obama afirmou, é algo que os cubanos devem decidir.

    PARALELOS

    Isso também permite o único paralelo plausível entre a viagem de Obama e a de Calvin Coolidge em 1928. Naquela época, Coolidge procurava retirar os EUA da gestão íntima de assuntos da ilha a partir da base de que, se os cubanos querem criar dificuldades para eles mesmos, não seria mais justo deixá-los fazer isso?

    A visita de Obama, no entanto, é mais do que uma iniciativa para remendar laços e recuperar influência com um velho inimigo da Guerra Fria com o qual os EUA têm poucos laços e menos influência. É uma peça essencial da visão mais ampla dos EUA para a região.

    Enquanto o Oriente Médio e a orla mediterrânica podem ser uma bagunça, a política externa dos EUA em seu próprio hemisfério está quase prosperando. A lição geral aqui é a importância da visão de longo prazo.

    Há cerca de 30 anos, grande parte da América Latina —dos conflitos civis na América Central à guerra das drogas na Colômbia— parecia estar composta de uma série de situações difíceis. Não mais.

    As guerrilhas marxistas da Colômbia, tacitamente encorajadas por Havana, estão preparadas para abaixar suas armas. A aproximação com Cuba também puxa o tapete retórico dos pés do governo raivoso da Venezuela, que já não pode xingar o imperialismo de forma convincente.

    Enquanto isso, as forças da gravidade econômica estão afetando outros países com má gestão na região.

    No Brasil, o governo, dividido pela corrupção, está a ponto de entrar em colapso.

    O presidente recém-eleito da Argentina, Mauricio Macri, um centrista pró-negócios, disse que quer voltar a estabelecer relações com os EUA. Obama vai viajar para lá amanhã. Outra viagem histórica: será a primeira visita bilateral EUA-Argentina em quase 20 anos.

    É muita coisa para fazer com que avancem os interesses dos EUA. E os de Cuba?

    INTERESSES CUBANOS

    Críticos reclamam que Obama deu mais para Havana do que Havana ofereceu. Talvez. Mas uma negociação na base do "toma lá dá cá" com os líderes comunistas de Cuba não levaria a lugar nenhum, como sempre aconteceu.

    De qualquer forma, agir unilateralmente coloca os holofotes em Cuba e elimina suas desculpas tradicionais para a intransigência e os abusos dos direitos humanos. Obama deve pressionar sobre essas preocupações, assim como outros líderes.

    Mudanças estão chegando a Cuba. A morte de seus líderes revolucionários originais faz com que isso seja inevitável, de alguma forma.

    Quando o Air Force One sair de Havana, 11 milhões de pessoas ainda voltarão a uma rotina monótona, ainda que lentamente mutante, de planejamento centralizado e estado policial.

    Mas, mesmo que isso exija uma paciência de Jó, suas vidas agora têm uma chance maior de melhorar também.

    Obama em Cuba

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