• Mundo

    Wednesday, 01-May-2024 20:08:27 -03

    Terror na Europa

    depoimento

    Atentados terroristas ferem essência da minha vida cotidiana

    NOAM PONDÉ
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    22/03/2016 12h27

    Eu estava dentro do metrô, quase chegando ao trabalho nesta manhã, quando descobri que terroristas explodiram bombas no aeroporto de Zaventem. Minha primeira reação foi ter medo, embora eu estivesse dentro de um alvo sobre trilhos.

    Rapidamente passou pela minha mente a possibilidade de que, se alguém estava atacando o aeroporto, outro membro da célula poderia atacar o metrô, mas é difícil imaginar que mesmo em um momento como esse minha vida poderia ser tocada pelo terrorismo.

    Olhei em volta, e ninguém parecia ter medo. O trem estava cheio, como sempre ocorre no horário próximo das 9h. Uma parte de mim quis acreditar que, como em outras tantas vezes, o terrorismo seria algo a que eu assistiria pela televisão, como quando morava no Brasil –nosso país, que parece neste momento ter agrupado todos os problemas possíveis e imagináveis, ao menos de terrorismo não padece.

    Foi no trabalho, cercado de colegas que olhavam as telas dos computadores e trocavam comentários nervosos, que percebi que desta vez eu não passaria completamente incólume. Um colega recebeu uma ligação de seus pais, desesperados, porque uma bomba acabara de explodir na estação Maelbeek. Foi a senha para que todos corressem para seus celulares em busca de pais, cônjuges, filhos, amigos e colegas, todos potencialmente no metrô naquele horário.

    Maelbeek não significa nada para 99,9% dos brasileiros. Mas para mim é um nome que vejo todo dia de dentro de um vagão de metrô lotado. Quase sempre –mas não hoje– com minha filha de 8 meses no colo a caminho da creche. A bomba explodiu por volta das 9h, apenas 15 minutos após eu passar pela estação. Desta vez, se meu corpo não foi atingido, minha vida não passou incólume.

    Todo o brasileiro está habituado a conviver com níveis elevados de violência potencial no dia a dia. Mas o terrorismo é diferente. Contra a violência "comum" existem formas reais de se proteger, de reduzir o risco. O terrorismo não, ele é aleatório, imprevisível, e nos força a entrar em contato com a realidade de que o mal existe dentro de nós.

    Trata-se de uma força que é capaz de convencer alguém de que a saída para melhorar o mundo é se matar, levando consigo seus inimigos –pessoas que estão indo ao trabalho, crianças indo para a escola, pais levando seus bebês para a creche. Uma força capaz de convencer um país a transformar seu Estado em uma máquina desenhada para matar uma parte da população. A Europa venceu o nacionalismo se dedicando à tolerância depois de muito sofrimento. Espero que seja necessário menos sofrimento para que a Europa entenda que nem tudo deve ser tolerado.

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024