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    Terror na Europa

    Depoimento

    Segurança total não existe, e o jeito é levar a vida adiante

    RODRIGO ALBEA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BRUXELAS

    23/03/2016 02h00

    Quando me mudei para Bruxelas, há 13 anos, vinha de Paris e achei a cidade calma e pacata. Descobri aos poucos seu charme e as vantagens de viver em uma capital internacional e multicultural, onde as pessoas respeitam as diferenças —há flamengos, francófonos e mais de 130 nacionalidades só no meu bairro.

    Os ataques terroristas desta terça (22) não vão mudar essa geografia urbana e social, mas com certeza abalaram de maneira marcante o cotidiano de todos.

    Logo depois da explosão no metrô, as estações de toda a rede foram fechadas, inclusive as de trem. Esse é meu meio de transporte para ir trabalhar em Ghent, cidade a 54 km de Bruxelas. Eu estava decidido a passar um dia normal de trabalho, porque o medo e o pânico são também armas dos terroristas. Mas o governo e os canais de informação foram claros: a ordem era para ficar em casa.

    Por telefone e redes sociais, amigos começaram a testemunhar: ninguém entra nem sai das escolas. Mas a que horas poderemos buscar as crianças? Administrações públicas próximas às estações de trem foram evacuadas. Em uma empresa com 400 funcionários, uma amiga recebeu a ordem de não sair do prédio.

    SIRENES

    Com pouco mais de 1 milhão de habitantes, "todo mundo se conhece" em Bruxelas. O marido de uma colega estava no metrô atingido por uma das bombas, mas, felizmente, saiu sem ferimentos de um vagão que permaneceu intacto. Os túneis que contornam o centro, normalmente engarrafados, ficaram vazios. Ouviam-se sirenes da polícia e de ambulâncias que transportavam feridos e bolsas de sangue para hospitais.

    Eu tinha que comprar um remédio e algo para comer. Moro num bairro calmo e sabia que no centro o comércio estava fechado. Perto de casa, os feirantes da praça em frente à igreja não estavam lá. Vi algumas lojas fechadas, outras abertas, e pouca gente na rua. Farmácia e mercadinho estavam abertos.

    Na volta, cruzei com dois policiais verificando a mochila de um passante. Educadamente, pediram desculpas pelo transtorno. No dia seguinte aos ataques na França, em novembro, cheguei a Bruxelas de avião, após uma viagem profissional. O nível máximo de alerta havia sido decretado, com militares e tanques nas ruas desertas, a cidade em estado apoplético.

    O aeroporto estava vazio, mas estranhamente sem maiores precauções de segurança. Por quê? Surrealismo belga: Zaventem, subúrbio onde fica o aeroporto, fica numa outra região administrativa, e ali o nível de alerta era menor, ninguém sabe exatamente como. Ontem a situação era outra.

    Desde a operação que prendeu Salah Abdeslam, o nível de proteção é máximo. A segurança total, no entanto, não existe —ministros e chefes da polícia repetem a máxima de sempre. O jeito é levar a vida adiante. Amanhã vou viajar à França para reuniões, como estava previsto. Aos poucos, o metrô voltou a circular.

    Pais foram pegar os filhos nas escolas. Minha amiga saiu do trabalho e decidiu voltar para casa à pé. No meio do caminho, parou na esplanada de um bar com a irmã e pediram uma cerveja.

    O selfie desse dia triste e com um solzinho fraco veio com legenda típica do humor belga —"Bxl-hell yeahhhh!" misturando a abreviação do nome da cidade (Bxl) e a palavra inferno em inglês (hell) que foi esse dia.

    Radicalização europeia

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