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    Terror na Europa

    Cientistas especulam por que tantos irmãos realizam atentados juntos

    JIM YARDLEY
    RUKMINI CALLIMACHI
    SCOTT SHANE
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    25/03/2016 16h09

    AFP
    (COMBO) This combination of handout pictures obtained via Interpol on March 23, 2016 shows Khalid (L) and Ibrahim (R) El Bakraoui, the two Belgian brothers identified as the suicide bombers who struck Brussels on March 22, 2016, as a manhunt for a third assailant in Belgium's bloodiest terror assault gained pace. Two suicide blasts hit Brussels' Zaventem airport on March 22, 2016 morning followed soon after by a third on a train at Maalbeek station, close to the European Union's institutions, just as rush-hour commuters were heading to work. The triple blasts that killed some 30 people and left around 250 injured was claimed by the Islamic State jihadist group. / AFP PHOTO / Interpol / - / RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT "AFP PHOTO / INTERPOL- NO MARKETING NO ADVERTISING CAMPAIGNS - DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS
    Os irmãos Khalid e Ibrahim El Bakraoui, apontados como responsáveis pelos ataques em Bruxelas

    A identificação de Khalid e Ibrahim El Bakraoui como homens-bomba nos ataques mortais em Bruxelas impõe aos investigadores e especialistas em contraterrorismo uma pergunta perturbadora e recorrente: por que tantos terroristas são irmãos?

    Os Bakraoui vieram somar-se a uma lista de irmãos envolvidos em quase todos os grandes ataques terroristas em solo ocidental desde que três conjuntos de irmãos sauditas estiveram entre os 19 homens que realizaram os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. Antes disso, o rol dos irmãos terroristas já incluía anarquistas franceses no século 19, militantes no sudeste asiático e extremistas judeus que assassinaram o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin em 1995.

    Para os grupos terroristas, irmãos podem ser recrutas ideais. Eles se radicalizam mutuamente, reforçando seu senso de objetivo e vocação ideológica. Vigiam um ao outro para garantir que um ataque seja realizado. Um novo estudo sugere que até 30% dos membros de grupos terroristas são unidos por laços de família.

    Os irmãos também criam grandes dificuldades para a polícia. Frequentemente moram na mesma casa. Podem comunicar-se facilmente, sem usar celulares, que são vulneráveis ao monitoramento. E os laços de família muitas vezes –mas não sempre– impedem que um membro de uma cela traia a missão para as autoridades.

    "Irmãos provavelmente são expostos a mensagens radicais semelhantes; eles podem discuti-las juntos", disse Audrey Kurth Cronin, autora e estudiosa da George Mason University. "Se você pode incluir um membro da família em seu complô, é pouco provável que ele o denuncie à polícia. É uma questão de segurança e confiança."

    O fato de os ataques em Bruxelas terem sido realizados por irmãos chama a atenção especialmente porque eles parecem ter tido ligação com o ataque terrorista de 13 e novembro em Paris, que deixou 130 mortos. Os Bakraoui são suspeitos de terem feito parte da mesma célula terrorista que Salah Abdeslam, preso na semana passada em Bruxelas e visto como o único participante sobrevivente do ataque em Paris. Seu irmão, Ibrahim, detonou um cinturão de explosivos em um café durante a violência em Paris.

    E a lista continua: em janeiro de 2015 os irmãos Kouachi, Chérif e Said, abateram a tiros 12 pessoas na redação, em Paris, do jornal satírico francês "Charlie Hebdo". Os irmãos Tsarnaev, Dzhokhar e Tamerlan, detonaram bombas na Maratona de Boston em 2013.

    "O extremismo violento se alastra pelo contato social. Para a maioria das pessoas, os irmãos constituem uma parte importante e grande de seu ambiente social", disse J.M. Berger, analista de terrorismo e co-autor de "ISIS: The State of Terror". "Você pode achar que consegue falar com um irmão sobre coisas que não pode discutir com outras pessoas."

    A mesma dinâmica subjacente a qualquer relação entre irmãos está presente entre irmãos que se radicalizam, disseram especialistas. Com frequência é o irmão mais velho que influencia o mais jovem, mas nem sempre: no caso do "Charlie Hebdo", investigadores acreditam que o irmão mais militante tenha sido o mais jovem, Chérif.

    Com relação ao ataque à Maratona de Boston, cujos responsáveis eram de uma família imigrante tchetchena, os investigadores descobriram uma dinâmica complexa. Dzhokhar, estudante universitário, estava muito mais integrado à vida americana e era mais sociável que seu irmão mais velho Tamerlan, fechado e problemático, que morreu em um tiroteio com a polícia depois do ataque.

    Os advogados de defesa de Dzhokhar tentaram retratá-lo como tendo sido dominado por seu irmão mais velho e coagido a participar do complô, mas um júri de Boston rejeitou esse argumento e recomendou a pena de morte.

    Mia Bloom, co-autora de "All in the Family: A Primer on Terrorist Siblings" (Tudo em família: uma cartilha sobre irmãos terroristas), citou pesquisas acadêmicas que mostrariam que até um terço das pessoas que grupos de terror enviam para realizar ataques vêm da mesma família. Há evidências de sobra de jihadistas que casam uma irmã ou filha com um membro de outra família jihadista, com o intuito de construir alianças.

    "Esses grupos sempre estão preocupados com a infiltração", disse Bloom. "Quando um membro familiar procura ingressar neles, o fato de ter um familiar no grupo é um ótimo mecanismo de verificação. O grupo sabe que pode confiar nele."

    Os irmãos às vezes trabalham em duplas na hora de realizar operações. Os irmãos Kouachi invadiram a sede do "Charlie Hebdo" juntos. Em 11 de setembro, os três pares de irmãos sauditas inicialmente se sentaram lado a lado nos aviões que atingiram as torres do World Trade Center e o Pentágono. A comissão nacional do 11 de setembro informou que um deles, Nawaf al-Hazmi, tinha suplicado a Osama bin Laden deixar que seu irmão mais jovem, Salem, participasse da missão. Os dois acabaram se sentando na quinta fileira do voo 77 da American Airlines, com destino a Washington.

    Mas Bloom disse que suas pesquisas revelam que, em muitos casos, os irmãos foram deliberadamente enviados a locais diferentes, como foi o caso dos irmãos Abdeslam em Paris (Salah levou outro participante no complô ao estádio de futebol, enquanto Ibrahim detonava seu cinturão de explosivos em um café).

    "A razão disso é o receio de que, se os irmãos forem enviados ao mesmo local, um deles possa convencer o outro a desistir da missão, por amor pelo irmão", disse Bloom, professora de comunicações na universidade Georgia State. Quando são enviados a locais diferentes, "cada um dos irmãos vai levar a missão a cabo, porque não quer decepcionar seu irmão e não suporta a ideia de continuar a viver sem ele".

    As autoridades belgas disseram na quarta-feira que Ibrahim El Bakraoui, 29, detonou uma das duas bombas que explodiram no aeroporto e que seu irmão Khalid, 27, detonou a bomba na estação de metrô, uma hora mais tarde. Não se sabe ainda se Khalid esteve no aeroporto primeiro.

    Em seu estudo, Bloom identificou um caso semelhante de mulheres-bomba tchetchenas na Rússia em 2004: Amanat Nagayeva se explodiu em um voo de Moscou a Volgogrado, matando todos a bordo do avião, e, uma semana mais tarde, sua irmã Rosa se suicidou e matou dez outras pessoas diante da estação de metrô de Rishkaya, em Moscou.

    As autoridades policiais buscam maneiras de detectar células terroristas em famílias.

    "Nossas capacidades tradicionais de contraterrorismo foram projetadas para capturar as comunicações e interação entre um atacante e a estrutura de comando e controle da organização", disse John Cohen, que até 2014 foi coordenador de contraterrorismo do Departamento de Segurança Interna e é professor de justiça criminal na Universidade Rutgers.

    Psicólogos que estudam o terrorismo dizem que a célula composta de duas pessoas pode ser uma adaptação recente às medidas de segurança intensificadas, quer as duas pessoas sejam irmãos, como em Bruxelas, Paris e Boston, ou marido e mulher, como nos ataques que mataram 14 pessoas em dezembro em San Bernardino, Califórnia.

    "O que essas duplas têm de forte é que elas aumentam a capacidade de causar danos, mas não a vulnerabilidade à detecção, devido ao caráter estreito do vínculo entre as pessoas", disse Clark McCauley, professor-pesquisador do Bryn Mawr College e estudioso de grupos radicais. "É uma solução criativa: o grupo consegue mais mãos para atuar do que teria com um 'lobo solitário', mas conta com o mesmo nível de segurança."

    Ao longo da história sempre houve grupos radicais que incluíram irmãos, amantes e amigos, quer fosse o Exército Simbionês de Libertação, em Washington, o Weather Underground, as marxistas Brigadas Vermelhas, na Itália, ou o bando Baader-Meinhof, na Alemanha.

    Especialistas dizem que, nesses grupos maiores, os membros tentam superar uns aos outros, impelindo o grupo a endossar ações cada vez mais violentas. Essa dinâmica provavelmente não está tão presente entre irmãos ou duplas de familiares, mas o membro mais radical frequentemente arrasta o outro junto, disse McCauley, especialmente se sente uma ameaça iminente.

    Promotores na Bélgica disseram na quarta-feira (22) ter encontrado uma carta suicida, ou testamento, que um dos irmãos, Ibrahim, deixou em seu computador, dizendo que estava "em uma situação ruim" e corria o risco de ser preso, depois de as autoridades terem capturado Salah Abdeslam na sexta-feira. Ariel Merari, estudioso isralense que se acredita que já tenha entrevistado mais terroristas que qualquer outra pessoa, descreveu esse senso de urgência como o "sentimento de dez para a meia-noite" –em outras palavras, o senso de que é hora de agir.

    Especialistas ainda estudam a frequência com que familiares podem não estar envolvidos em complôs terroristas, mas ter conhecimento deles. Um estudo de 2014 publicado no "Journal of Forensic Sciences" analisou o comportamento de 119 terroristas do tipo "lobo solitário" e descobriu que, em quase dois terços dos casos, familiares e amigos sabiam que a pessoa queria cometer um ato de violência.

    Em alguns casos, porém, os parentes faziam oposição forte a isso. Por exemplo, o terrorista americano conhecido como Unabomber, Ted Kaczynski, acabou sendo preso e condenado porque seu irmão, David, alertou as autoridades de suas suspeitas.

    Ainda se sabe pouco sobre a relação entre os irmãos Bakraoui, que eram de origem marroquina e cresceram em Laeken, bairro operário de Bruxelas, a pouca distância do Palácio Real. De acordo com uma vizinha, Marcelline Mertens, o pai deles, Jamal El Bakraoui, é muçulmano devoto e açougueiro aposentado. Mertens recordou os irmãos como adolescentes normais, não especialmente religiosos, que sumiram do bairro cinco ou seis anos atrás. Durante esse período, foram condenados separadamente por crimes que incluíram roubo de carro à mão armada e troca de tiros com a polícia.

    Bloom, a autora que estimou que até 30% dos grupos terroristas têm participantes unidos por laços de família, avisou que extremistas estão tentando recrutar famílias inteiras na Europa, prevendo a possibilidade de mais uma evolução no jihadismo. "No momento estamos vendo muitos irmãos realizando esses ataques", ela disse. "A tendência que prevemos a partir de agora é da participação de pais e filhos."

    Ataques na Bélgica

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