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    Terror na Europa

    'Só pensei que precisava registrar', diz sobrevivente de ataque em Bruxelas

    JULIANO MACHADO
    ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS

    27/03/2016 02h00

    Assim que o segundo homem-bomba se explodiu na área de check-in do aeroporto internacional de Bruxelas, o belga David Crunelle, 36, percebeu que não havia se ferido, mesmo a menos de 20 metros de distância, pegou seu celular e gravou o primeiro vídeo que se tem registro do atentado. É possível ver a fumaça ainda subindo, pedaços do teto se precipitando e outros sobreviventes atônitos, sem saber para onde ir.

    Diretor de arte e fotógrafo, Crunelle foi testemunhando em imagens tudo o que aconteceu em seguida, mesmo sob uma situação extrema. "Sabia que aquilo era um atentado e só pensei que precisava registrar tudo para explicar depois o que aconteceu. Eu me desconectei emocionalmente", disse à Folha o belga, que pediu para não ser fotografado.

    Crunelle lembra com precisão dos momentos antes do atentado. Com voo para o Japão, onde iria a trabalho, chegou de táxi e entrou pela porta do meio entre as três entradas do saguão para o check-in. Viu dois policiais no acesso da direita, por onde entram passageiros de voos com destino aos EUA. "Os terroristas certamente entraram por lá. Fiquei pensando como esses agentes acabaram sendo inúteis."

    Como o voo era às 10h10, ele se programou para chegar duas horas antes. Às 7h58 (3h58 de Brasília), já estava diante do guichê da Etihad Airways (o voo tinha conexão em Abu Dhabi), aguardando na fila. Veio a primeira explosão.

    David Crunelle/Reuters
    Pessoas do lado de fora do aeroporto Zaventem, perto de Bruxelas, pouco após ataque
    Pessoas do lado de fora do aeroporto Zaventem, perto de Bruxelas, pouco após ataque

    Uma parede separa o ckeck-in de voos internacionais gerais, onde ele estava, da área de partidas para os EUA, onde os terroristas se explodiram —não por acaso, diz Crunelle, quase todas as vítimas já confirmadas estavam indo para algum destino americano. "Essa parede me salvou", afirma.

    Alguns metros à sua frente, uma mulher que não estava protegida pela parede foi jogada para frente com o deslocamento de ar e ficou ferida, mas conseguiu sair dali.

    Quase simultaneamente, o segundo homem-bomba se explodiu. "Aí senti um zunido nos tímpanos, uma dor forte no ouvido, mas só isso. Estava vivo." Então, gravou o primeiro vídeo, cujos direitos foram vendidos à CNN, e registrou em sua conta no Twitter, às 08:00: "2 explosions à BXL airport" Às 08:03, mandou uma mensagem de sms para os pais e a irmã: "Tt va bien" (Tudo está bem, em francês abreviado).

    Enquanto ele saía de perto do local, fotografava os demais sobreviventes. Alguns caminhavam; outros, muito ensanguentados, se examinavam para saber onde estavam feridos. "Vi seis ou sete pessoas caídas no chão, não sei se mortas. Mas preferi não fotografá-las." Crunelle e os outros passageiros, então, saíram do saguão e ficaram no estacionamento, à espera de alguma orientação. Segundo ele, passaram-se quase 20 minutos até que chegasse a primeira ambulância.

    Às 9h10, Crunelle recebeu a mensagem de um amigo avisando da explosão no metrô de Maelbeek. Pouco depois, policiais orientaram os sobreviventes no aeroporto a não usar transporte público para ir embora.

    Como tampouco podiam pegar seus carros no estacionamento, começaram a andar no meio da estrada com suas malas —e Crunelle, claro, registrou esse momento. Andaram por cerca de 500 metros até o centro de Zaventem, a pequena cidade vizinha a Bruxelas onde fica o aeroporto. Moradores se solidarizaram com o grupo, e numa das fotos de Crunelle uma mulher aparece oferecendo uma bandeja de chá e café.

    Em seguida, os passageiros foram para um ginásio de Zaventem, que funcionou como um "centro de crise". De lá, Crunelle pediu a um primo que o levasse de volta para casa.

    David Crunelle/Reuters
    Fumaça no aeroporto de Zaventem pouco após duas explosões no local
    Fumaça no aeroporto de Zaventem pouco após duas explosões no local

    Chegou às 14h30, mas só foi comer algo às 23h. "Passei o dia vendo tudo sobre o atentado." Naquela noite, dormiu só três horas, assim como nas duas noites seguintes.

    Na quinta-feira (24), pegou metrô pela primeira vez após os ataques. Mesmo sem ter presenciado a explosão de Maelbeek, sentiu-se inseguro de entrar no vagão. "Hoje [sexta-feira] eu me considero ok, mas já avisei à minha família que posso ter estresse pós-traumático, alguma consequência de tudo o que eu vi."

    Mas Crunelle já sabe o que fará quando o aeroporto reabrir: "Faço questão de ir exatamente no ponto onde eu estava aquele dia. Preciso disso para poder superar."

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