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    Governo chinês planeja proibir arquitetura-ostentação

    JOHANNA NUBLAT
    DE SÃO PAULO

    27/03/2016 02h00

    Encravada às margens de um importante anel viário de Pequim está uma torre imponente e atípica, na forma de um grande "M": é a sede da CCTV, a TV estatal chinesa.

    O prédio, que já foi apelidado maldosamente de "calças" ou "shorts" pelos chineses, tem uma origem nobre.

    O projeto é da OMA, do holandês Rem Koolhaas, ganhador do prêmio Pritzker. O complexo custou US$ 735 milhões e foi entregue em 2012.

    A obra é, hoje, símbolo da polêmica determinação do governo da China de banir futuros "prédios estranhos".

    Com uma diretriz sobre planejamento urbano divulgada no mês passado, o governo diz tentar combater o que vê como chagas urbanas: poluição, trânsito, condomínios fechados, poucas áreas verdes e prédios esquisitos.

    A preocupação com a forma já havia sido mencionada pelo próprio presidente Xi Jinping, em 2014, sem detalhes ou menções a torres específicas. Talvez por ser a mais proeminente, a CCTV passou a ser vista como alvo.

    Pelo país, há muitos exemplos de construções inusitadas. Foram erguidos nos últimos anos uma enorme moeda em Guangzhou, um bule de chá em Wuxi, formas sinuosas que lembram uma nave na capital do país, além de réplicas de ícones internacionais, como a torre Eiffel.

    Lang Lang - 21.mar.2014/Reuters
    Torre Eiffel foi erguida em um condomínio residencial, em Hangzhou
    Torre Eiffel foi erguida em um condomínio residencial, em Hangzhou

    A GRANDE CHINA

    Um boom de prédios de destaque, incluindo muitos assinados por renomados arquitetos estrangeiros, ocorreu em meados da década passada, na preparação para as Olimpíadas de Pequim (2008) e a Expo Xangai (2010).

    Esses prédios, dizem especialistas, são símbolos de um período em que a China se projetava para o mundo.

    "É irônico que os prédios que eram celebrados como monumentos do sucesso da China agora sejam rejeitados como estranhos e esquisitos", diz Bianca Bosker, autora do livro "Original Copies", sobre projetos arquitetônicos famosos copiados pelos chineses.

    24.set.2013/Reuters
    Edifício comercial lançado em 2013, na cidade de Guangzhou
    Edifício comercial lançado em 2013, na cidade de Guangzhou

    Para Bosker, dois fatores podem explicar essa mudança. Primeiro, a campanha do presidente Xi contra a corrupção e a favor da frugalidade, que vai de encontro a extravagâncias arquitetônicas.

    E a onda nacionalista que o país vive de forma geral.

    "A China buscou esses arquitetos ocidentais para usar o poder do nome e o design de destaque deles para anunciar sua chegada entre as potências. Agora usa a arquitetura para dizer que vai encontrar seu jeito próprio de mostrar o líder que é", avalia.

    CRIATIVIDADE

    Em uma entrevista divulgada na plataforma Vimeo em 2014, o autor do prédio que se assemelha a uma moeda, em Guangzhou, diz temer o veto como trava à criatividade. "Dizer não a prédios estranhos é muito perigoso. O que é estranho? O que quer dizer? Pode ser um limite à criatividade", argumentou o italiano Joseph di Pasquale.

    É possível que as diretrizes tenham um impacto imediato em novas obras públicas, mas projetos experimentais de menor escala e o setor privado possivelmente não sejam prejudicados, diz Aric Chen, ex-diretor criativo da semana de design de Pequim e agora curador para design e arquitetura do museu dedicado à cultura visual que vai abrir em Hong Kong em 2019.

    Chen faz questão de defender o projeto da CCTV. Para o curador, trata-se de uma das construções mais importantes das últimas duas décadas.

    Gong Dong, arquiteto de prédios modernos na China, também é defensor da CCTV.

    "[Rem] Koolhaas pesquisa o contexto urbano e a influência cultural, que se tornam a base da sua lógica no processo do design. Ele pode usar formas arrojadas, mas elas são o reflexo de seus pensamentos e conceitos", diz.

    Beleza à parte, o plano do governo chinês toca num ponto crucial para o país: amenizar os problemas da rápida urbanização chinesa.

    Em 1984, 23% da população estava em áreas urbanas da China. Trinta anos depois, esse percentual beirava 55%.

    ESTRANGEIROS

    O escritório OMA, do arquiteto holandês ganhador do Pritzker Rem Koolhaas, foi escolhido para projetar a sede da CCTV, em Pequim. Já o Guangzhou Circle, no sul do país, veio da prancheta do italiano Joseph di Pasquale.

    Aproveitando o gosto chinês por grifes estrangeiras, condomínios residenciais ganham um quê "internacional", como a torre Eiffel no leste do país.

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