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    Terror na Europa

    Suicídio ou sobrevivência indicam como células terroristas funcionam

    LORI HINNANT E JOHN-THOR DAHLBURG
    DA ASSOCIATED PRESS, EM BRUXELAS

    29/03/2016 11h25

    O fabricante de bombas, o transportador, o senhorio e o incógnito. Os quatro escaparam depois dos ataques de 13 de novembro em Paris e todos, exceto um, reapareceram como figuras chave na célula do Estado Islâmico (EI) que viria a atacar Bruxelas.

    Dois deles estão mortos, um está preso e o destino do quarto continua a ser um mistério.

    Quem morre e quem sobrevive em um ataque pode oferecer pistas cruciais sobre a maneira pela qual células terroristas são estruturadas, mostrando quem é visto como descartável e quem tem papel crucial no próximo atentado. O status pode ser transitório, como os dois ataques demonstram: alguém antes considerado vital em uma operação pode não ser mais na seguinte.

    Segundo Nicolas Henin, jornalista que passou dez meses como refém do EI, algumas das figuras nos ataques de Paris já haviam se tornado descartáveis no momento dos ataques em Bruxelas.

    "Assim que executaram seu trabalho em Paris, eles passaram a ser considerados como sacrificáveis", ele escreveu. "É assim que [o EI] trabalha, em termos de recursos humanos".

    O FABRICANTE DE BOMBAS

    Depois de se formar em engenharia mecânica, Najim Laachraoui partiu para a Síria em fevereiro de 2013 – relativamente cedo em comparação a outros belgas que viajaram como voluntários para combater ao lado dos extremistas.

    Reuters
    Foto divulgada pela polícia da Bélgica mostra Najim Laachraoui, homem-bomba no ataque em Bruxelas
    Foto divulgada pela polícia da Bélgica mostra Najim Laachraoui, homem-bomba no ataque em Bruxelas

    Ele voltou para casa dois anos e meio mais tarde como especialista em explosivos urbanos, portando falsos documentos belgas e sob o pseudônimo Soufiane Kayal. Em 9 de setembro de 2015, policiais na fronteira entre Áustria e Hungria pararam o Mercedes-Benz em que ele viajava, mas logo permitiram que seguisse. No carro também estavam Salah Abdeslam e outro recruta do EI que portava falsa identidade belga.

    Nenhum dos três disparou um tiro nos ataques em Paris na noite de 13 de novembro, mas todos desempenharam papel chave para que pudessem acontecer.

    O trabalho de Laachraoui era fabricar o triperóxido de triacetona (TATP), utilizado como explosivo, e os coletes usados pelos homens-bomba. Seu DNA foi encontrado em um dos que foram detonados dentro da casa noturna parisiense Bataclan, bem como em outro usado em ataque próximo ao estádio nacional francês. Laachraoui era dado como desaparecido.

    Treze dias mais tarde, o mesmo DNA foi encontrado em uma casa usada como refúgio pelos terroristas na cidade belga de Auvelais, e as autoridades do país logo vincularam o codinome Kayal a outro apartamento em Charleroi, uma cidade próxima, onde alguns dos participantes do ataque de novembro ficaram hospedados antes de viajarem em comboio a Paris. As autoridades, porém, não associaram o codinome a Laachraoui.

    A célula, enquanto isso, parece ter encontrado outro local para o mal cheiroso e perigoso processos de produção de TATP: um apartamento no piso superior de um edifício no bairro de Schaerbeek, Bruxelas. Escondido, pelo menos um fabricante de bombas experiente se manteve ocupado.

    Criminosos gostam de trabalhar com TATP pois os ingredientes são relativamente fáceis de adquirir, mas o processo de produção é volátil. Em 1995, um complô para assassinar o papa João Paulo 2º e o presidente dos EUA Bill Clinton saiu pela culatra quando um laboratório improvisado de produção de TATP em Manilha pegou fogo, atraindo a atenção das autoridades.

    Sem laboratório real, o fabricante de bombas precisa de extremo cuidado e nervos firmes e quantidades imensas de gelo para refrigerar uma solução nociva e propensa a se incendiar, além de manter as janelas bem abertas para que os vapores não causem desmaios.

    A célula parece ter estado à altura da tarefa. No apartamento de Schaerbeek havia TATP suficiente para três grandes bombas em tamanho mala – 15 a 20 quilos cada, segundo os especialistas. Também sobraram outros 15 quilos de explosivos e materiais básicos para a produção de mais 100 quilos de TATP, de acordo com Jimmy Oxley, professor de química da Universidade de Rhode Island e especialista em explosivos.

    "Um mestre na fabricação de bombas pode estar operando, nesses casos", disse Oxley.

    Quando chegou a hora de executar o plano, porém, a carreira de Laachraoui como fabricante de bombas chegou a um abrupto fim. Ele foi um dos três homens que chegou ao saguão de embarque do aeroporto de Bruxelas com malas repletas de explosivos – e cometeu o atentado suicida.

    Laachraoui e seu companheiro usavam preto e uma única luva usada na mão esquerda, ao que se sabe para ocultar os detonadores. O terceiro conspirador usava branco, e um chapéu peculiar meio torto, enquanto ele arrastava a única carga que não causaria mortes.

    Por que Laachraoui passou de fabricante de bombas a terrorista suicida é uma pergunta sem resposta. Será que o grupo encontrou um substituto? Teria ele se tornado um risco grande demais, por ter a polícia em seu encalço? A resposta continua a ser um mistério.

    "É estranho", disse Patrick Skinner, antigo agente da Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana e hoje funcionário do Soufran Group, uma empresa de segurança.

    "Eles não têm falta de pessoal disposto a morrer em atentados, mas há sempre uma escassez de talentos. É como colocar o general Eisenhower à frente do desembarque no Dia D: possível, mas parece uma supremo desperdício de talento".

    O TRANSPORTADOR

    Salah Abdeslam dirigiu milhares de quilômetros pela Europa ao longo dos meses, recrutando cúmplices, visitando locais e adquirindo equipamento. Ele alugou apartamentos e carros e, na noite de 11 de novembro, viajou a Paris em companhia de outro criminoso e amigo de infância, Mohamed Abrini. Os dois foram vistos juntos em um Renault Clio em um posto de gasolina na estrada que liga Bruxelas a Paris.

    Abdeslam abandonou o carro no norte de Paris e se acredita que tenha descartado ao sul da cidade o colete explosivo que não usou. Ele ligou para dois amigos do bairro de Molenbeek, Bruxelas, pedindo que fossem apanhá-lo de carro em plena madrugada. A essa altura, Brahim, o irmão mais velho de Abdeslam, já estava morto, a única vítima fatal de uma explosão suicida que devastou um bar no centro de Paris.

    "Ele tem uma personalidade mais complexa do que a de um terrorista sem consciência, que está lá apenas para se explodir", disse Marc Trevedic, magistrado francês envolvido no combate ao terrorismo, à rede de TV BFM.

    "Não frágil, mas complexo", Trevedic completou.

    Mas o que manteve Abdeslam vivo naquela noite e pelos quatro meses que passou escondido entre amigos pode ter sido outra coisa que não uma "dúvida pessoal" em participar dos ataques a Paris.

    "Creio que ele não tinha vontade de morrer, além de ter outras coisas a fazer", disse Nathalie Goulet, senadora francesa que co-preside uma comissão de estudos sobre as redes jihadistas que hoje aterrorizam a Europa.

    "Eles escapam, voltam a se reunir em casa, e retomam o trabalho, porque isso para eles é um trabalho".

    Abdeslam foi forçado a fugir em 15 de março, quando a polícia estava tentando revistar um apartamento que se acreditava que estivesse vazio, no bairro de Forest, Bruxelas. Ao invés disso, os policiais foram recebidos com tiros. Um homem, empunhando um fuzil de assalto Kalashnikov, manteve os policias ocupados enquanto dois outros escapavam pelos telhados. Um dos fugitivos era Abdeslam e o outro continua não identificado.

    Pelo menos um deles era considerado importante o bastante para que o companheiro continuasse a resistir à polícia até ser morto por um atirador de elite. Dentro do apartamento – alugado pelo mesmo homem que exatamente uma semana mais tarde detonaria seu colete explosivo no metrô de Bruxelas, havia uma bandeira do EI, projéteis explosivos e um livro sobre o salafismo, a versão severa do islamismo que o grupo favorece.

    Os dias de liberdade de Abdeslam, porém, estavam contados. Em 18 de março, a polícia o rastreou em outro esconderijo - este bem perto de seu lar de infância, em Molenbeek. Ele foi ferido na perna ao tentar escapar novamente.

    Nos quatro dias entre sua captura e as explosões que abalaram Bruxelas, ele não deu indicações de que havia um novo complô em curso e tampouco explicou seu papel nos ataques a Paris. De acordo com as mídias belga e francesa, ele se limitou a negar completamente sua responsabilidade pelos ataques assim como quaisquer ligações estreitas com os outros terroristas.

    O SENHORIO

    Khalid el-Bakraoui era mais um homem dotado de pseudônimo e procurado pela polícia. Ele e o irmão Ibrahim eram criminosos notórios, assaltantes de bancos e ladrões de carros, condenados por diversos crimes.

    AFP
    Os irmãos belgas Khalid e Ibrahim el-Bakraoui, que promoveram ataques suicida em Bruxelas
    Os irmãos belgas Khalid e Ibrahim el-Bakraoui, que promoveram ataques suicida em Bruxelas

    A Interpol emitiu um mandado internacional de prisão contra El Bakraoui em dezembro – pouco depois da descoberta de que ele havia alugado o apartamento em Charleroi, usado como ponto de partida por alguns dos terroristas de Paris.

    Os investigadores só descobriram o apartamento em 9 de dezembro – tempo suficiente para que Kalhid mais uma vez recebesse a missão de identificar locais para a crescente rede de cúmplices da rede terrorista, e possivelmente para um novo ataque. A mídia belga afirma que os irmãos tinham vídeos da casa de um importante dirigente de uma instalação de processamento de resíduos nucleares na região da Flandres.

    Foi Khalid quem alugou o apartamento de Forest e foi visto deixando o apartamento em Schaerbeek, usado para armazenar os explosivos para os ataques em Bruxelas.

    Ele aparentemente cuidou para que sua casa não contivesse qualquer traço de conexão com o EI ou os ataques. Na manhã de quarta-feira, os investigadores revistaram as casas dos irmãos El Bakraoui e nada encontraram.

    Os dois já estavam mortos àquela altura – Khalid na estação de metrô de Maelbeek e o irmão no aeroporto. Quando lhe foi exibida uma foto dos dois irmãos, Abdeslam disse não conhecê-los.

    O INCÓGNITO

    Mohamed Abrini, 31, pequeno criminoso belga e amigo de infância dos irmãos Abdeslam, ao que se sabe viajou na metade do ano passado para a Síria, em uma curta visita ao país no qual seu irmão mais novo morreu em 2014 como parte da notória brigada francófona do EI.

    Divulgação/Police Fédérale Belge
    Mohamed Abrini, 30, ainda foragido
    Mohamed Abrini, 30, ainda foragido

    Essa não foi sua única viagem internacional. Abrini foi muitas vezes a Birmingham, na Inglaterra, onde se reuniu com diversos homens suspeitos de atividades terroristas, de acordo com um agente de segurança europeu que falou anonimamente por não ter autorização para revelar detalhes sobre a investigação. Segundo ele, as reuniões, uma das quais no terceiro trimestre do ano passado, aconteceram em diversos locais, como cafés e apartamentos.

    O papel de Abrini nas semanas e meses subsequentes jamais foi esclarecido. Ele está foragido desde os ataques à capital francesa e não voltou a surgir desde que câmeras de vigilância o mostraram viajando no comboio terrorista a caminho de Paris. Como Abdeslam, ele tinha vínculos com Abdelhamid Abaaoud, o carismático líder dos ataques na França, que morreu em tiroteio com a polícia em 18 de novembro.

    Ele é o último suspeito identificado dos ataques de novembro que continua foragido.

    OUTROS SUSPEITOS

    Outros suspeitos dos ataques em Bruxelas ainda estão foragidos – o homem de chapéu que estava em companhia dos atacantes do aeroporto e outro homem que levou Khalid ao metrô e depois saiu dirigindo um Audi cinza identificado pelas câmeras de vigilância do local, de acordo com agente de segurança europeu que se pronunciou anonimanete. A mídia belga reportou que o homem foragido do aeroporto está entre os detidos da sexta – um novo nome em uma teia que parece crescer a cada dia.

    AFP
    Imagem da câmera de segurança do aeroporto Zaventem mostra suspeito de participar dos ataques
    Imagem da câmera de segurança do aeroporto Zaventem mostra suspeito de participar dos ataques

    "O que há de interessante aqui é a presença de vigias – o homem de branco ao lado dos dois atacantes do aeroporto e o motorista do terrorista do metrô", disse o agente.

    Ele acredita ser significativo que ninguém dotado de vínculos operacionais ou conhecimento da cadeia de comando ainda esteja vivo, ao que se sabe.

    Mas, segundo Skinner, antigo agente da CIA, essa interpretação pode ser otimista.

    "Eles são mais persistentes do que gostaríamos ou esperaríamos, e entre eles há pessoas que sabem o que estão fazendo", afirmou.

    Claude Moniquet, antigo agente de inteligência francês que trabalha em Bruxelas, disse que existem duas possibilidades para os foragidos. A primeira é a de que sejam os restos de uma célula que perdeu acesso a explosivos e armas, e não dispõem mais de contatos com outros operadores do EI na Europa. A segunda é mais ameaçadora.

    "Eles podem tentar contactar as outras células, e voltaremos a encontrá-los um dia em outras ações terroristas em algum lugar da Europa", disse Moniquet.

    Pouco depois que as bombas foram detonadas em Bruxelas, as autoridades francesas renovaram seu mandado de prisão contra Abrini. Traços de identificação: desconhecidos. Vestimenta: desconhecida. Veículo: desconhecido.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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