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    análise

    'Panama Papers' joga foco de luz sobre o capitalismo nas sombras

    CLÓVIS ROSSI
    COLUNISTA DA FOLHA

    04/04/2016 17h31

    Os chamados "Panama Papers" jogam um potente foco de luz sobre o capitalismo nas sombras, praticado em paraísos fiscais, pudicamente chamados de offshore, e revelam uma sujeira ecumênica: não poupa capitalistas e anticapitalistas, a realeza e os políticos de sangue menos azul, direita e esquerda.

    É só pro forma a ressalva de que nem todas as companhias descobertas pela papelada cometeram ilegalidades. O fato, como diz a reportagem do "Süddeutsche Zeitung", o jornal alemão que foi o primeiro a receber a documentação, é que "os dados fornecem uma rara visão interna de um mundo que só pode existir nas sombras".

    Tanto é assim que o mecanismo agora posto a nu se assemelha a uma matriosca, aquelas bonequinhas russas que se escondem uma dentro da outra. Em muitos casos, uma empresa se escondia em várias outras, de forma a tornar ainda mais difícil chegar ao verdadeiro titular.

    Panama Papers

    As sombras servem, acima de tudo, para fugir dos impostos e, por extensão, são um roubo à mão desarmada de dinheiro público.

    Roubo praticado por regimes que se dizem revolucionários e anticapitalistas, como, para ficar em um exemplo das vizinhanças, é o caso da Venezuela.

    Na papelada, surgem nomes como o do ex-chefe da escolta de Hugo Chávez, Adrián Velásquez, e do chefe do Programa Bolívia 2000 de assistência social, Víctor Cruz Weffer, além de diversas autoridades da estatal petrolífera PDVSA.

    Mas mais importante que fulanizar os dados, é ressaltar, como o fazem os repórteres venezuelanos que mergulharam na papelada, que "os dados obtidos oferecem exemplos notáveis sobre o que ocorreu nos últimos 15 anos [de reinado chavista] com o destino dos imensos fluxos de ingressos petrolíferos que o Estado manejou".

    Antes que se aponte o dedo apenas para um regime supostamente esquerdista, é bom notar que aparece também o mais recente inimigo dos bolivarianos, caso do presidente da Argentina, Maurício Macri.

    De novo, o mais relevante não são os nomes mas a exposição de um capitalismo nas sombras, que as grandes economias, reunidas no G20, há anos tentam controlar e não conseguem ou por inapetência ou por impotência.

    O Panamá está longe de ser o único centro desse capitalismo nas sombras. Nas Bermudas, por exemplo, multinacionais com sede nos Estados Unidos declararam, em 2012, lucros de impressionantes US$ 80 bilhões (R$ 284 bilhões) nessas ilhas de escassos 66 mil habitantes, mais do que lucraram na soma de suas atividades no Japão, China, Alemanha e França.

    É o que se chama, no jargão do G20, de BEPS, sigla em inglês para Erosão da Base (fiscal) e Desvio do Lucro. Em português comum e corrente: evasão legalizada (ou nem tanto).

    A perda total com esse tipo de engenharia tributária é estimada, conservadoramente, em algo entre US$ 100 bilhões (R$ 355 bilhões) e US$ 240 bilhões anuais (852 bilhões), o que representa entre 4% e 10% do total de arrecadação do imposto sobre corporações.

    Agora, é preciso ver se há vontade política, nos diferentes países, para distinguir sombras ilegais das legais, mas, acima de tudo, para eliminar umas e outras.

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