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    análise

    Em exortação, papa propaga rumo de que realidade é superior à ideia

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    08/04/2016 12h55

    Uma frase que vive aparecendo nos textos do papa Francisco, "a realidade é superior à ideia", não está presente em sua exortação apostólica dedicada ao tema da família, mas o conceito por trás dela permeia todo o documento.

    Em vez de bancar o comentarista de futebol e simplesmente reiterar que "a regra é clara", o pontífice decidiu retratar dilemas como a participação dos divorciados na Igreja ou as uniões estáveis como fenômenos complicados, que exigem do catolicismo uma resposta igualmente complexa.

    Max Rossi /Reuters
    O papa Francisco chega para sua audiência semanal na praça São Pedro, no Vaticano, na manhã desta quarta-feira
    O papa Francisco chega para audiência semanal na praça São Pedro, no Vaticano

    No fundo, trata-se de uma opção pelo caminho do meio. Ao recapitular os debates acirrados sobre esses temas que caracterizaram os sínodos (reuniões de bispos do mundo todo) de 2014 e 2015, o papa criticou tanto "o desejo desenfreado de mudar tudo sem suficiente reflexão ou fundamento" quanto "o comportamento de quem pretende resolver tudo aplicando normativas gerais".

    Em vez de aderir a um desses extremos, o pontífice produziu um documento que não esboça nenhuma alteração da doutrina católica tradicional, mas defende uma interpretação flexível quando se trata de acolher os fiéis que não a seguem e, o que é igualmente importante, acena para o fato de que os debates devem continuar.

    Nesse sentido, alguns termos-chave da exortação, que podem parecer grego para quem não está acostumado a acompanhar esse debate, são "discernimento" e "foro interno". O primeiro diz respeito ao contínuo exame de consciência que deve caracterizar a vida cristã, enquanto o segundo se refere ao relacionamento próximo entre os fiéis e um sacerdote de confiança.

    É considerando esses elementos que o papa deixa aberta a possibilidade de que os divorciados que voltaram a se casar possam receber a comunhão. Um ponto importante é que isso ocorreria caso a caso –para o papa, há uma diferença teológica clara entre um fiel que, em sua segunda união, esforça-se por levar uma vida cristã irrepreensível e aqueles que saltam de um parceiro para outro sem se preocupar com o bem-estar e a formação dos filhos, por exemplo.

    POLÍTICA OU CONVICÇÃO?

    Para quem ainda deseja ver Francisco como um revolucionário "puro-sangue", o impacto prático da "Amoris Laetitia" talvez seja uma grande decepção. É possível ver as conclusões moderadas do documento como mero reconhecimento, por parte do papa, das realidades políticas no interior da hierarquia da Igreja –afinal de contas, todas as propostas mais ousadas dos sínodos, em geral capitaneadas por cardeais alemães, como Walter Kasper, enfrentaram resistência encarniçada e não foram aprovadas pela assembleia sinodal.

    Como o próprio papa tem sido responsável por promover a ideia de um catolicismo com mais "colegialidade" (grosso modo, mais "democrático"), seria contraditório da parte dele ir frontalmente contra as recomendações dos bispos.

    Por outro lado, pode muito bem ser que Francisco esteja seguindo seus próprios instintos moderados, permitindo que a colegialidade seja exercida também na maneira como cada bispo lida com as situações familiares concretas de seus fiéis.

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