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    Presidente turco pressiona Merkel por poema de comediante alemão

    JULIANO MACHADO
    DE BERLIM

    13/04/2016 02h00

    A pressão do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan contra um apresentador de TV e comediante alemão por um poema satírico gerou um debate sobre a liberdade de expressão na Alemanha.

    A situação levou a chanceler Angela Merkel a se defender, nesta terça-feira (12), de críticas sobre a dependência criada em relação à Turquia após o acordo para conter o fluxo de refugiados.

    Jan Böhmermann, 35, cancelou nesta terça a próxima edição de seu programa "Neo Magazin Royale", do canal público alemão ZDF, que concordou com a decisão.

    O motivo, segundo comunicado divulgado pelo Facebook, é a "massiva exposição midiática" de Böhmermann desde que ele recitou o poema na TV, em 31 de março.

    A polícia alemã decidiu manter um carro na frente da casa do comediante, em Colônia, afirmando que ele poderia ser alvo de ameaças.

    Embora não se mencione a reação de Erdogan, a medida foi tomada logo após o governo turco entrar com uma ação na Procuradoria alemã para processar Böhmermann por injúria, na segunda (11).

    A Turquia se baseou em um artigo do Código Penal alemão que fala de "injúria contra órgãos e representantes estrangeiros", que prevê até cinco anos de prisão.

    O código diz que, nesses casos, cabe ao chefe de governo alemão decidir se o processo pode ser aceito pela Justiça, o que põe Angela Merkel num dilema: se autoriza o andamento do caso, será acusada de se dobrar a Erdogan; se rejeita, pode ser vista como uma líder que interfere no Poder Judiciário.

    Nesta terça (12), ela reafirmou, porém, que a liberdade de expressão é um valor "independente de qualquer problema político que tenhamos", em alusão a uma possível influência do acordo migratório no caso. A decisão da chanceler sobre dar aval ou não ao processo deve sair nos próximos dias.

    De acordo com o porta-voz da chanceler, Steffen Seibert, Merkel telefonou no fim de semana para o premiê turco, Ahmet Davutoglu, e disse que o poema era "conscientemente ofensivo", dando a entender que Böhmermann só o recitara para testar limites.

    Para Ancara, foi um "crime contra a humanidade", que ofendeu não só Erdogan, mas todos os turcos. O texto usa termos chulos e diz, entre outras coisas, que o líder turco tem "pinto pequeno", gosta de fazer sexo com cabras e assiste a filmes de pornografia infantil.

    No dia seguinte à exibição, a ZDF retirou de seus arquivos na internet o vídeo do poema. Para o diretor da emissora, Thomas Bellut, Böhmermann "foi um pouco pesado, um pouco longe demais", mas disse "estar do lado" do comediante.

    Roy Karadag, especialista em Turquia da Universidade de Bremen, afirma à Folha que Erdogan não se preocupa com a liberdade de imprensa em seu país.

    Ele faz referência à prisão de 30 jornalistas turcos e à intervenção estatal no "Zaman", principal jornal crítico ao governo de Erdogan.

    "Ele fez questão de repreender uma opinião no exterior, fosse séria ou satírica. Assim pode usar sua irritação para mostrar a Merkel que ela está dependente dele".

    No fim de março, a Turquia também se queixou de uma paródia satirizando Erdogan, exibida em 17 de março pelo programa "Extra 3", do canal público regional NDR.

    Ancara pediu a retirada do vídeo na internet e convocou para consultas o embaixador alemão na Turquia, Martin Erdmann, mas não entrou na Justiça contra a sátira.

    *

    Leia a íntegra do poema:

    Idiota, covarde e reprimido
    É Erdogan, o presidente
    Seu saco fede a kebab
    Até um peido de um porco cheira melhor
    Ele é o homem que bate em mulheres
    Vestindo máscaras de borracha
    O que ele mais gosta é de foder cabras
    E reprimir minorias
    Chutar curdos, bater em cristãos
    Enquanto vê filmes pornô com crianças
    E à noite em vez de dormir
    Faz sexo oral com centenas de carneiros
    Sim, Erdogan é completamente
    Um presidente com pinto pequeno
    Entre os turcos se comenta
    Que o pobre coitado tem as bolas enrugadas
    De Ancara a Istambul
    Todos sabem que esse homem é viado
    Pervertido, cheio de bichos e zoófilo
    Recep Fritzl Priklopil*
    Sua cabeça é tão vazia quanto seus bagos
    A estrela em todas as festas de gangbang
    Até que o pinto se levante para mijar
    Este é Recep Erdogan, o presidente turco

    • Recep é o primeiro nome do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan; Fritzl é uma referência ao austríaco Josef Fritzl, 81, condenado à prisão perpétua em 2009 por ter mantido a filha por 24 anos presa no porão de casa e por tê-la violentado ao longo desse período (sete filhos nasceram dos estupros); e Priklopil é o sobrenome do também austríaco Wolfgang Priklopil, que em 1998 sequestrou Natascha Kampusch, então com 10 anos, e a manteve em cárcere privado por oito anos. Quando ela conseguiu escapar, ele se sucidou, jogando-se na frente de um trem.
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