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    Mães de vítimas negras emergem como força na campanha de Hillary

    AMY CHOZICK
    DO "NEW YORK TIMES"

    14/04/2016 07h00

    O Sweet Maple Cafe, em Chicago, famoso por seu queijo quente e por seus biscoitos de leite, tipicamente fecha depois da correria da hora do almoço, a cada dia.

    Mas certa noite de novembro, ele manteve as portas abertas a fim de receber convidados para um jantar privativo incomum.

    As mães de Michael Brown, Travyon Martin, Eric Garner e Tamir Rice, e meia dúzia de outras mulheres negras que perderam filhos em confrontos com a polícia ou tiroteios, foram levadas para Chicago, de todo o país, como convidadas a um jantar.

    Kena Betancur - 11.abr.2016/AFP
    A pré-candidata democrata Hillary Clinton discursa em evento sobre violência contra negros em NY
    A pré-candidata democrata Hillary Clinton discursa em evento sobre violência contra negros em NY

    O evento contou com a presença de Hillary Clinton, que pediu a cada uma delas que contasse sua história.

    "Ela apanhou seu caderno, sua caneta tinteiro, fez suas anotações, e nos perguntou o que precisávamos", disse Maria Hamilton, cujo filho, Dontre, foi morto por um policial branco de Milwaukee que disparou 14 tiros contra ele em 2014.

    Hillary parecia "visivelmente comovida" enquanto ouvia as mães, disse Lucia MacBath, cujo filho, Jordan Davis, 17, foi morto a tiros em 2012, depois de um confronto causado por ele estar ouvindo música alta em seu carro.

    Desde o encontro, essas mães, muitas das quais não se conheciam antes que a organização de campanha de Hillary as levasse a Chicago para o jantar, estão percorrendo os Estados onde acontecem as prévias, e aparecem em companhia da candidata em igrejas, barbearias e outros locais, do Ohio à Carolina do Sul.

    Elas estrelaram um comercial veiculado em Cleveland, Chicago e St. Louis. E a organização de campanha vem pagando suas despesas de viagem para que possam participar dos debates presidenciais democratas.

    "Lá estava eu, sentada atrás de Donna Brazile e na frente de Cornel West", disse Geneva Reed-Veal, mãe de Sandra Bland, que morreu quanto estava sob custódia da polícia no Texas, em 2015, depois de uma altercação com um policial estadual. "Ninguém sabia que estávamos lá".

    MÃES DO MOVIMENTO

    A campanha de Hillary chama essa irmandade forjada pela perda que todas essas mulheres têm em comum de "as mães do movimento", e elas se tornaram um elemento inesperadamente crucial para o sucesso da candidata nas primárias democratas.

    Nas viagens de campanha, Hillary as apresenta como "um grupo de mães que são parte de um clube ao qual ninguém desejaria aderir". As mães chegarão a Nova York esta semana para ajudar Hillary a disputar a primária de 19 de abril.

    Ter essas mulheres ao seu lado oferece à candidata testemunhas de caráter fortes e capazes de despertar grande empatia, quando ela fala aos eleitores negros. E deram à sua campanha, que costuma ser muito cautelosa e operar com base em pesquisas, um lado emocional, cru, humano, às vezes muito dolorido.

    A presença das mães também influenciou líderes e legisladores negros a declararem apoio a Hillary.

    "As pessoas que não a apoiam relutam em enfrentá-la, porque lideramos as marchas e comícios sobre essas coisas e trabalhamos em contato muito estreito com as mães", disse o reverendo Al Sharpton, líder da Rede de Ação Nacional.

    Ele receberá Hillary e seu oponente nas primárias, o senador Bernie Sanders, de Vermont, para uma discussão sobre questões de direitos civis em sua conferência anual, esta semana em Nova York.

    "Isso certamente influenciou como nos relacionamos com a campanha dela", acrescentou Sharpton, que não declarou apoio a qualquer candidato.

    SANDERS

    Sanders tem o apoio da filha de Eric Garner, Erica; do cineasta Spike Lee; de Cornel West; e de outras figuras proeminentes do movimento negro, e fala frequentemente sobre ter sido preso nos anos 60 em uma manifestação pelos direitos civis.

    Mas as mães permitiram que Hillary "realmente tomasse o pulso da comunidade negra", disse a deputada federal Yvette Clarke, democrata de Nova York, que apoiou Clinton.

    "O outro candidato do lado democrata não se esforçou para falar conosco", disse Annette Nance-Holt, cujo filho, Blair Holt, 16, foi morto em um ônibus de Chicago em 2007, em um evento de campanha no mês passado.

    Ela explicou, sem medir palavras, que a promessa de ensino superior gratuito feita por Sanders não a afeta "porque meu filho está morto".

    O esforço de Hillary para se aproximar dessas mulheres começou cedo, ainda antes que ela anunciasse oficialmente sua candidatura à presidência, e prosseguiu ao longo da campanha.

    Para muitas das mães, apoiar Hillary significa absolvê-la pela dor causada por políticas implementadas na presidência de seu marido, Bill Clinton.

    Dentre eles, está uma lei penal, de 1994, que resultou na construção de mais prisões, colocou 100 mil policiais adicionais nas ruas e aumentou as sentenças para crimes não violentos relacionados às drogas.

    "Ela não é como seu marido", disse Nance-Holtt em entrevista. "Tem ideias próprias".

    As mães também precisam enfrentar os críticos que afirmam que o esforço de Hillary para inclui-las em sua campanha desde cedo é só uma manobra cínica para conquistar o voto negro, e que isso é que virou as primárias em seu favor.

    "As pessoas saem dizendo que a secretária [Hillary Clinton foi secretária de Estado no governo Obama] está nos tratando como se fosse nossa cafetina", disse Reed-Veal. "Mas quem diabos vai querer nos explorar?"

    Hillary mostra um lado diferente de sua personalidade em seus contatos com as mães. Fala menos e parece mais maternal, exibindo olhos marejados de lágrimas e citando a Bíblia em resposta à dor daquelas mulheres.

    "Não nos cansemos de fazer o bem, porque chegará o tempo da colheita, se mantivermos nosso foco", ela disse parafraseando um versículo (Gálatas 6:9).

    "Ninguém pode negar que Bernie Sanders demonstra a mesma simpatia e a mesma compaixão, mas nos Deus nos coloca em toda espécie de pacote", disse o deputado federal Charles Rangel, democrata de Nova York, que apoia Hillary. "Ele não parece compassivo. Parece mais um cara enfezado comprando briga na TV".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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