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    Curitiba relembra crianças vítimas de Tchernóbil nos 30 anos da tragédia

    JULIANA COISSI
    DE CURITIBA

    24/04/2016 02h00

    Sempre rígido com os três filhos, o administrador Antonio Komarcheuski Sobrinho, 56, agiu diferente com Dmitriy, 7, e Maxim, 12. Liberou o sorvete, vetado por médicos.

    Quis ser "mais mole", nas próprias palavras. Afinal, os pequenos ucranianos não estavam no Brasil a passeio, mas em tratamento por serem vítimas de uma das maiores tragédias nucleares do mundo.

    Dmitriy e Maxim fizeram parte do grupo de 15 crianças da Ucrânia que moraram por alguns meses em Curitiba entre 1999 e 2011, em residências como a de Sobrinho, para tratamento médico.

    Todas desenvolveram leucemia, um tipo de câncer, em decorrência da exposição à radiação liberada pela explosão na usina nuclear de Tchernóbil, em 1986. O acidente na Ucrânia completa 30 anos na terça-feira (26).

    Onde fica - Tchernobil

    Mesmo décadas após a explosão e morando em cidades distantes da usina, muitos ucranianos ainda assim foram afetados com a radiação.

    O Paraná, com a maior comunidade de descendentes ucranianos do Brasil, foi o único Estado do país a receber uma leva das vítimas de Tchernóbil. Outros países, como Cuba, também ajudaram no tratamento das vítimas.

    Em Curitiba, a comunidade ucraniana organizou jantares e pediu doações para pagar as passagens aéreas.

    Voluntários se tornaram "pais adotivos" para hospedar os garotos e levá-los para as sessões de quimioterapia no Hospital Evangélico, que custeou o tratamento.

    Além de casa, comida e transporte, os descendentes de ucranianos quiseram mostrar o lado brasileiro da hospitalidade. Idas à praia, passeios de trem pela serra do mar, visitas ao zoológico e brincadeiras no clube fizeram parte do esforço para minimizar o peso do tratamento.

    "A sociedade se envolveu. Até mesmo no aeroporto os policiais federais pegavam as crianças no colo e se emocionavam", conta José Welgacz Junior, então presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira e um dos responsáveis pela iniciativa.

    Dmitriy foi um dos mais sortudos. Ganhou festa de aniversário de 8 anos com cachorro-quente, refrigerante e bolo.

    "Nós chamamos as outras crianças ucranianas aqui em casa. Aí era o ambiente deles, né? Eles ficaram muito à vontade", lembra Rosângela Scuissiatto Komarcheuski, 54.

    Ao lado da timidez dos visitantes, a língua foi uma das maiores barreiras. Os pais adotivos sabiam o básico em ucraniano, mas algumas das crianças só falavam russo —situação comum na época.

    A família usava gestos e até desenho no papel para entender os pedidos dos visitantes. O arroz e feijão não lhes interessou, e Rosângela demorou para entender que eles pediam pratos da terra deles, como um a base de beterraba e sardinha e outro uma espécie de toucinho cru.

    O tratamento durava no máximo um ano e todos retornavam para suas famílias, na Ucrânia. A despedida foi sentida pelos dois lados.

    "LEMBRA PELA FOTO?"

    A maioria perdeu contato com os hóspedes ucranianos, e não se sabe ao certo quantas crianças sobreviveram à leucemia. Mas há surpresas.

    Há cinco anos, Welgacz Junior visitou a Ucrânia e deu entrevista a uma TV local. A família de uma das 15 crianças viu. "Eu estava no hotel quando bateram à porta. Era um dos meninos com o pai. Eles viajaram 400 km de trem só para me trazer um travesseiro típico bordado pela avó, como agradecimento."

    O Facebook ajudou no reencontro de Dmitriy com os Komarcheuski. "Olá, não lembra pela foto?", perguntou o ucraniano numa mensagem. "Eu vi aquele rostinho redondo, na hora pensei: é o Dima", conta o administrador.

    "Sim, sou eu! Parece difícil esquecer as crianças que sobreviveram, mas ainda bem que você se lembra de mim", respondeu Dmitriy.

    Via Facebook, os dois puderam atualizar as novidades. Dmitriy estudou engenharia mecânica e é gerente de projetos em uma empresa.

    Nem todos tiveram um desfecho como o dele. Maxim, o garoto de 12 anos também acolhido pelos Komarcheuski, morreu por causa da doença anos depois de retornar.

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