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    'Precisamos mudar nosso conceito de paz', afirma escritor israelense

    DIOGO BERCITO
    NO CAIRO

    30/04/2016 02h00

    Quando um ônibus explodiu em Jerusalém no dia 18, o jornalista israelense Ari Shavit lembrou-se do medo.

    Do medo vivido nos anos 2000, quando a revolta da população palestina levou a diversos atentados a bomba. Mas também de um receio mais antigo. Suas lembranças mais remotas, Shavit escreve no livro "Minha Terra Prometida", incluem o temor.

    Vassar College/Flickr
    O jornalista e escritor Ari Shavit, autor de "Minha Terra Prometida", livro publicado pela Três Estrelas
    O jornalista e escritor Ari Shavit, autor de "Minha Terra Prometida", publicado pela Três Estrelas

    Best-seller nos EUA, a obra foi lançada neste mês em português pelo selo Três Estrelas, do Grupo Folha. Nela, o jornalista narra a história do Estado de Israel, do início do projeto sionista até eventos políticos recentes.

    "O medo está no centro da história israelense", disse Shavit em entrevista à Folha.

    Shavit é elogioso ao sionismo, um projeto hoje mal visto em alguns setores dentro e fora de Israel. Mas é também crítico ao governo israelense.

    Para ele, a solução é um processo de paz gradual, liderado por um país liberal que o mundo nem sempre vê. Um processo em que não se pode falhar. "Você conhece a região. Não há misericórdia no Oriente Médio."

    *

    Folha - O sr. afirma que suas lembranças mais remotas incluem o medo. Qual é o papel do medo, na história de Israel?

    Ari Shavit - O medo está no centro da história israelense, mas tentamos escondê-lo. Não sou dos que centram tudo no Holocausto, e ele não justifica tudo que Israel faz, mas é relevante. Nenhum povo experimentou isso na história. Para o processo de paz, temos que reconhecer que esse medo é legítimo.

    O sr. escreve que não há esperança para a paz. Por quê?

    Deveríamos promover outro conceito de paz. Tentamos em 1993 [nos Acordos de Oslo], mas houve uma onda de terror. Tentamos com Ariel Sharon, que em 2005 desmontou os assentamentos em Gaza, mas isso resultou em um território dominado pelo Hamas. Tentamos de tantas formas, mas falhamos.

    Isso indica que há um problema com o conceito.

    Há debilidade política em ambos os lados para implementar qualquer acordo. A Autoridade Palestina não controla o povo palestino.

    Precisamos de uma nova maneira, sem o conceito antigo de "tudo ou nada". A ocupação é imoral e nos destrói. Não há outra maneira que não seja a solução de dois Estados. Mas tentar isso de uma forma rápida falhou.

    Qual seria esse novo conceito?

    A "paz como processo".Congelar assentamentos. Dar auxílio econômico a Gaza, para que passe a funcionar como um Estado árabe moderno. Injetar estabilidade na região e tentar lidar com a questão palestina. Lançar uma dinâmica de dois Estados, um processo gradual.

    A cada recuo, os palestinos construirão uma cidade como Rawabi [empreendimento modelo na Cisjordânia]. Quero que Israel trabalhe com pessoas construtivas como [o empresário] Munib al-Masri e [o ex-premiê] Salam Fayyad. O maior erro de Israel foi não ter sido generoso o suficiente com pessoas assim. Ao não alimentarmos o processo liderado por eles, eles foram enfraquecidos.

    O sr. escreve que, se os primeiros sionistas tivessem prestado atenção aos palestinos, voltariam à Europa. Por quê?

    O movimento sionista foi um movimento de libertação. Estávamos fugindo porque estávamos prestes a ser mortos. Foi um dos projetos mais audaciosos já imaginado.

    Por outro lado, meus ancestrais não viram que os palestinos viviam nesta terra. Falharam em lidar com o significado disso. Caso contrário, acho que não teriam o fôlego para fazer tudo o que fizeram, sabendo que viveriam um século de guerras.

    A cegueira foi mútua?

    Os palestinos nos viam como se viéssemos de outro planeta, não como pessoas com necessidade de construir um lar e com um vínculo histórico com a terra. O conflito vem dessa cegueira.

    O senhor descreve o sionismo com elogios. Em geral, o projeto não é tão bem visto.

    É inaceitável que ocupemos outro povo, mas também é inaceitável que vivamos uma ameaça existencial.

    Israel é um país democrático e liberal, mas as pessoas só enxergam colonos e extremistas. Só que o mundo não pode lidar com outra catástrofe envolvendo os judeus.

    Como lidar com essa situação?

    É nossa obrigação mostrar que estamos no caminho certo. Mas peço às pessoas, como os brasileiros, sobretudo à esquerda, que se lembrem que somos um pequeno povo que contribuiu para a humanidade e foi tratado mal.

    Peço que vejam que há distorção na mídia e na academia. As coisas ruins que Israel faz devem ser corrigidas. Mas, se há demonização, você sabe que algo está errado.

    *

    MINHA TERRA PROMETIDA
    QUANTO: R$ 79,90 (496 PÁGS.)
    AUTOR: ARI SHAVIT
    EDITORA: TRÊS ESTRELAS

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