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    Lobby pode ajudar democracia e deve ser legal, diz cientista político

    DANIEL BUARQUE
    DE SÃO PAULO

    04/05/2016 02h00

    O ex-presidente da Assembleia Estadual de Nova York Sheldon Silver, um político democrata com mais de 20 anos de carreira, foi condenado a 12 anos de prisão nesta terça (3) por corrupção.

    Ele estava envolvido em um esquema de troca de favores que resultou em enriquecimento ilícito. Segundo promotores, Silver teria recebido US$ 4 milhões (cerca de R$ 14 milhões) em propina de empresas imobiliárias e de pesquisas sobre o câncer.

    O caso é parte de uma crescente investigação sobre corrupção no Estado americano em que são questionadas as relações dos políticos com empresas privadas. O poder financeiro do interesse privado ameaça o equilíbrio de um sistema político em que o lobby é atividade legal, e que, se feito de forma transparente, pode fortalecer a democracia.

    Eduardo Muñoz Alvares/Getty Images/AFP
    Condenado, Sheldon Silver, ex-presidente da Câmara estadual de NY, deixa tribunal
    Condenado, Sheldon Silver, ex-presidente da Câmara estadual de NY, deixa tribunal

    "O poder dos negócios está se sobrepondo ao poder do governo de regular essa economia. Isso é ruim para as empresas, pois acabamos tendo mercados que não são realmente competitivos", disse à Folha o cientista político americano Lee Drutman.

    Ele é autor de "The Business of America is Lobbying" ("O negócio da América é fazer lobby"), obra em que analisa a atividade nos EUA.

    Além dos significados populares ligados a escândalos ilegais, o lobby é a atividade de pressão de um grupo organizado sobre políticos e poderes públicos —e pode ser legítimo e regulamentado.

    A descrição de uma pessoa como "lobista" geralmente aparece no noticiário brasileiro quando há denúncias de desvios de interesse político, manipulação e corrupção.

    Na concepção internacional, porém, a associação entre o lobby e a prática de crimes é um erro e pode dificultar o funcionamento da democracia, afirma Drutman.

    EQUILÍBRIO

    O autor defende que políticos podem ser honestos, e não agir como "máquina de pedidos" de empresas. O importante, diz, é buscar equilibrar a relação entre capitalismo e democracia.

    "A democracia é boa em controlar os abusos do capitalismo, e o capitalismo é bom em limitar excesso do governo. Quando um dos dois se torna muito poderoso, vira um problema", afirma.

    "A democracia precisa ser pensada como forma de ter diferentes grupos de pessoas resolvendo conflitos e buscando consenso. Assim, é preciso que as políticas sejam discutidas envolvendo as pessoas que têm interesses em todos os lados de uma mesma questão —o que acontece por meio do lobby", afirma.

    Apesar dos desequilíbrios, Drutman diz que proibir o lobby, ou mantê-lo sem regulamentação como no Brasil, é um risco, pois a atividade faz parte do funcionamento de instituições políticas e vai acontecer de qualquer forma.

    Sendo assim, o ideal é que aconteça de forma pública e transparente.

    "O lobby deveria ser legal. Se alguém tem interesse em uma decisão política, ele ou ela tem direito de buscar convencer os políticos, que precisam ouvir todos os envolvidos, mas têm que fazer isso de forma aberta e pública."

    Para Drutman, excluir empresas de debates políticos por desconfiar delas é criar um sistema contraproducente. "Quando você tenta proibir o lobby, as pessoas encontram caminhos para contornar a lei. É preciso haver regulamentação, transparência e abertura para que todos os interessados possam participar do debate político."

    A solução, entre a proibição da atividade e o desequilíbrio econômico registrado nos EUA, pode estar no exemplo na União Europeia, diz.

    "A UE tem um modelo em que grupos que fazem lobby precisam se posicionar de forma pública, a fim de abrir espaço para opiniões divergentes. A UE então subsidia grupos de interesse público que querem participar do debate político, o que é bom, e equilibra o debate."

    A pesquisa de Drutman indica que empresas americanas gastam oficialmente US$ 2,6 bilhões (quase R$ 9 bilhões) com lobby por ano.

    O valor é mais alto de que a soma da verba destinada ao Senado e à Câmara do país, que juntas chegam a pouco mais de US$ 2 bilhões, e é mais de 30 vezes o valor gasto por sindicatos e grupos independentes com a defesa de seus interesses, diz o autor.

    Esse desequilíbrio leva ao favorecimento aos grupos de interesse com mais dinheiro, que conseguem se fazer ouvir com mais pelos políticos.

    Drutman admite, porém, que em situações de desequilíbrio há uma linha tênue entre o lobby legal e atividades ilegais, mas defende que, no equilíbrio, o lobby pode ajudar a democracia ao dar voz a interesses divergentes em uma disputa política.

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