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    Com prazo expirado, Colômbia e Farc tentam superar impasses para a paz

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    15/05/2016 02h00

    Falta pouco, mas o que falta é delicado e tem travado a negociação entre Bogotá e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

    Passado o prazo para assinarem o acordo de paz, do qual tratam desde 2012, negociadores de ambos os lados estão outra vez em Havana para tentar por um ponto final nas negociações.

    Raul Arboleda - 9.abr.2016/AFP
    Vítimas do conflito armado colocam fotos de civis e militares mortos em uma praça de Medellín
    Vítimas do conflito armado colocam fotos de civis e militares mortos em uma praça de Medellín

    O objetivo é o consenso sobre os últimos dois pontos em aberto do tratado: como encerrar operativamente o conflito e como aprová-lo com a participação popular.

    "A guerra une, a paz divide. É mais fácil pegar em armas do que por todos de acordo sobre como conviver sem violência. Mas as negociações avançam", disse à Folha María Victoria Llorente, da ONG Fundación Ideas para la Paz, que acompanha o processo.

    PROCESSO DE PAZ NA POLÍTICA COLOMBIANA - Prolongamento das negociações desgasta presidente Santos

    As tratativas buscam encerrar um embate que já dura mais de 50 anos e deixou mais de 250 mil mortos, 45 mil desaparecidos e 7 milhões de deslocados internos.

    Depois de ter fechado quatro dos seis pontos do acordo (reforma agrária, justiça e reparação a vítimas, participação política e erradicação do cultivo de coca e maconha), falta destravar os restantes.

    "É como se os dois lados jogassem xadrez em vários tabuleiros ao mesmo tempo: uns avançam, outros estão num impasse. E, enquanto não chegarem ao final todas as partidas, não há acordo", diz o analista Juan Gabriel Tokatlian, da Universidade Torcuato Di Tella (Buenos Aires).

    Um dos temas em aberto é a logística do encerramento do conflito. Neste item, entram o desarmamento da guerrilha, o estabelecimento de áreas em que ex-guerrilheiros continuarão vivendo e o cessar-fogo bilateral.

    DESARMAMENTO

    "As Farc têm razão de se preocupar com a entrega de armas, pois há outros grupos armados e rusgas entre eles. Os guerrilheiros temem ser dizimados se as entregarem de uma vez", disse Llorente.

    Desde que o paramilitarismo —recurso usado nos anos 80 e 90 no combate à guerrilha— foi desmembrado, muitos ex-integrantes formaram as bacrim ("bandas criminales"), grupos criminosos que se dedicam, entre outras coisas, ao narcotráfico e à extorsão; portanto, rivais das Farc.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Analistas temem que, se o acordo de paz não vier acompanhado de uma política para combater as bacrim, os ex-guerrilheiros estarão em sua mira ou passarão a integrar essas facções criminosas.

    As pesquisas de opinião adicionam um complicador. Mais de 70% dos colombianos se opõem a julgamentos especiais e garantias exclusivas de segurança a ex-guerrilheiros. "Por que o governo tem de firmar compromisso de proteger mais a um ex-guerrilheiro do que um cidadão comum?" é uma questão recorrente em Bogotá.

    O segundo ponto é político. O governo colombiano já decidiu que haverá um referendo para validar o acordo. Na semana passada, o ministro do Interior, Juan Francisco Cristo, disse que o plano é realizar a votação em setembro. Até lá, ambos os lados confirmam, a ideia é estar com o acordo fechado.

    Na última semana, as Farc aceitaram o referendo, embora prefiram uma Assembleia Constituinte que inclua ex-guerrilheiros. Falta estabelecer como será a campanha para a votação e o mínimo de votos para aprovar o acordo.

    Em avanço paralelo, as partes concordaram em converter o acordo em tratado internacional. Assim, o que for firmado será selado e não poderá ser alterado, nem antes nem depois do referendo.

    POPULARIDADE

    O atraso na assinatura do acordo de paz e dificuldades econômicas vêm abalando a popularidade de Santos, que atingiu seu índice mais baixo desde que assumiu o cargo, em 2010. Segundo o Instituto Gallup, ele tem hoje 21%.

    "É uma dessas situações em que várias coisas convergem, mas, mesmo assim, é difícil explicar como Santos pode estar com a popularidade ainda mais baixa do que a de Nicolás Maduro (26%)", diz Juan Gabriel Tokatlian.

    Presidencia - 30.mar.2016/AFP
    O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, no anúncio do acordo provisório com as Farc em março
    O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, no anúncio do acordo provisório com as Farc em março

    Para o analista, o atraso em finalizar o conflito é o grande responsável. Santos jogou todas as fichas de sua reeleição, em 2014, nesse acordo de paz e, para isso, fez alianças com partidos de diferentes matizes políticos.

    Com o tempo e a falta de resultados, esse apoio popular começa a se diluir. "O tempo político do presidente está se esvaindo, e ele precisa de um resultado rápido. Mas ele também sabe que, se acelerar demais o processo, pode colocar tudo a perder", diz María Victoria Llorente.

    Os fatores econômicos também jogam contra. Embora com melhores perspectivas para 2016 do que outros países da região (o FMI prevê um crescimento do PIB de 2,5%), a Colômbia assiste a uma lenta, porém contínua alta da inflação.

    O índice encerrou 2015 com 5%, mas deve fechar este ano com 7,5%. O país também passou pela disparada do dólar. A moeda americana subiu 59% em dois anos em relação ao peso colombiano.

    Enquanto isso, a queda do preço do petróleo, a desaceleração da China e as dificuldades econômicas de dois vizinhos importantes, o Brasil e a Venezuela, também desenham um cenário de incertezas para o comércio internacional.

    Segundo a mesma pesquisa Gallup, 82% dos colombianos têm a sensação de que a economia do país vem piorando.

    Enquanto isso, o mais ferrenho adversário e ex-aliado de Santos, o ex-presidente Álvaro Uribe, mantém seu impressionante nível de aprovação de 56% (também Gallup).

    Percebendo o momento de fragilidade do rival, Uribe lançou uma campanha de coleta de assinaturas, chamando a uma resistência civil ao acordo de paz, por considerar que o governo está "entregando o país às Farc", ao qual chama de grupo terrorista.

    *

    CRONOLOGIA DO CONFLITO
    Governo colombiano e Farc combatem há 51 anos

    1964
    A origem das Farc
    Nasce do Bloque Sur, de Manuel Marulanda, com inspiração marxista; anos depois, alia-se com o narcotráfico

    1984
    Primeira negociação de paz
    Farc assinam cessar-fogo e fundam o partido União Patriótica com outras guerrilhas; pacto fracassa por violações da trégua

    1998
    Segunda negociação de paz
    Conduzido por Andrés Pastrana, levou a trégua, mas a guerrilha se rearmou e faturou mais com o tráfico de drogas

    Raul Arboleda - 2.fev.2014/AFP
    O ex-presidente e agora senador colombiano Álvaro Uribe, durante campanha para eleições de 2014
    O ex-presidente e agora senador colombiano Álvaro Uribe, durante campanha para eleições de 2014

    2002
    Retomada da guerra
    Farc sequestram políticos, encerrando trégua; na posse, Álvaro Uribe promete acabar com guerrilha, escalando conflito

    2012
    Terceiro processo de paz
    Ex-aliado de Uribe, Juan Manuel Santos faz nova tentativa de paz; após quatro anos, conflito chega perto do fim

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