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    China usa funcionários públicos para elogiar governo em redes sociais

    PAUL MOZUR
    DO "THE NEW YORK TIMES"
    EM HONG KONG (CHINA)

    24/05/2016 07h00

    A China já é conhecida por censurar sua internet, limitando o que a população pode ver ou dizer a canais controlados pelo governo.

    Mas a ingerência de Pequim não termina aí. O governo também usa um número incalculável de pessoas para aplaudir sua atuação em fóruns e redes sociais. Agora, um novo estudo mostra que elas estão mais próximas do governo do que se imaginava.

    Segundo a pesquisa, as legiões de comentaristas on-line não são indivíduos que ganham por postagem. Na verdade, a maioria é formada por funcionários do governo que devem pregar os princípios do Partido Comunista Chinês em redes sociais enquanto desempenham suas funções no departamento de impostos local ou em uma seção da prefeitura.

    Eles também são incrivelmente prolíficos. O estudo, divulgado neste mês por Gary King, de Harvard, Jennifer Pan, de Stanford, e Margaret E. Roberts, da Universidade da Califórnia em San Diego, estima que o governo chinês fabrica e publica por ano cerca de 488 milhões de posts nas redes sociais do país, ou cerca de uma em cada 178 postagens em redes sociais em sites comerciais.

    As mensagens geralmente são escritas em torno de fatos políticos delicados, como protestos ou eventos políticos nacionais, e muitas vezes se destinam a distrair o público das más notícias.

    GRANDE FIREWALL

    O estudo pôde esclarecer uma parte obscura, mas ativa, do complexo sistema chinês de ferramentas usadas para conduzir a opinião pública on-line no país. Sua ferramenta mais conhecida é o Grande Firewall, sofisticado sistema de filtros e bloqueios na internet que impede que a população tenha acesso a Facebook, Twitter e Google, assim como a fontes de mídia estrangeiras como o "The New York Times".

    No entanto, existem outras ferramentas cuja gestão depende do poder e das verbas do país. Instigar pessoas a escrever comentários on-line representa o antigo esforço do Partido Comunista de canalizar a opinião pública, disse David Bandurski, editor do China Media Project na Universidade de Hong Kong, "sendo toda a premissa que o partido precisa ser mais informado e inteligente ao conduzir a agenda".

    O principal monitor da internet no país, a Administração do Ciberespaço da China, não respondeu imediatamente a um pedido de comentário para essa reportagem.

    XI JINPING

    O esforço da China para polir sua imagem interna e no exterior ganhou novo impulso com o presidente Xi Jinping. No plano doméstico, a China endureceu as restrições à internet e limitou as críticas. Também melhorou o perfil de Xi na rede e dirigiu seus esforços de propaganda digital. Os canais de propaganda chineses, como o "Diário do Povo" do Partido Comunista, hoje estão presentes em redes sociais proibidas na China, como Facebook e Twitter.

    Em certos casos, isso levou as companhias americanas a enfrentar contradições desconfortáveis. Por exemplo, o Twitter é bloqueado na China e usado por uma grande e veemente comunidade de dissidentes chineses. No entanto, no mês passado, seu novo diretor no país disse no Twitter à Televisão Central da China, a emissora oficial: "Vamos trabalhar juntos para contar ao mundo a grande história da China!"

    Li Xueren/Xinhua
    O presidente da China, Xi Jinping, durante visita a laboratório de universidade em Heifei
    O presidente da China, Xi Jinping, durante visita a laboratório de universidade em Heifei

    O estudo descobriu que, internamente, Pequim tentou orientar a opinião pública de início fazendo comentaristas publicarem posts destinados a "regularmente distrair o público e mudar de assunto", em vez de apresentar argumentos contra a linha do governo. "Distração é uma estratégia útil e inteligente no controle da informação, porque um argumento em quase qualquer discussão humana raramente é uma maneira eficaz de pôr fim a um argumento contrário", escreveram os pesquisadores.

    As consequências dessa estratégia são ampliados por campanhas coordenadas em que explosões de mensagens são postadas em torno de notícias ou acontecimentos conforme eles se tornam virais, segundo o relatório.

    EXEMPLOS

    Com base em um grande número de e-mails de 2013 e 2014, que vazaram de um escritório de propaganda oficial na internet na província de Jiangxi, no leste da China, o relatório examinou 43 mil posts patrocinados pelo governo e citou vários exemplos de campanhas de comentários apoiadas pelo governo.

    Em um exemplo, depois de uma rebelião na região ocidental de Xinjiang em 2013, o escritório de propaganda da internet relatou a postagem de centenas de comentários sobre o desenvolvimento econômico local e o Sonho Chinês, uma das iniciativas de Xi que enfatizam o crescente poder do país.

    O estudo também rastreou as fontes de quase todos os 43 mil posts, chegando a grupos e indivíduos de 200 órgãos do governo. Enquanto 20% vinham do escritório de propaganda distrital, outros comentários provinham de governos locais e ainda mais longe, de pessoas nos departamentos distritais de esportes e de recursos humanos.

    O fato de que a maioria dos comentaristas são empregados do governo permite provavelmente uma rápida e eficiente coordenação, segundo o estudo.

    Para determinar o número total de postagens na China, os pesquisadores usaram seu conhecimento do número de posts fabricados pelo governo em uma única contagem em 2013 e extrapolaram quantas postagens patrocinadas pelo governo havia por usuário da internet no país.

    Os autores também têm a teoria de que o governo considera seus comentaristas um método mais amistoso de influenciar a opinião do que a censura, que frustra muitos usuários. Os comentaristas têm "a vantagem adicional de permitir que o governo controle ativamente a opinião sem ter de censurar tanto", escreveram os autores.

    Rastrear a atividade do governo tornou-se mais difícil, pois os usuários chineses evitam os serviços de redes sociais acessíveis a qualquer pessoa. Eles usam cada vez mais apps de bate-papo móveis locais, como WeChat, em que só amigos conectados ao app podem ver os posts dos outros.

    Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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